
Do iBahia por: Eron Rezende
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A Feira de São Joaquim é uma cidade de artistas: o vendedor de coentro que cita Raul Seixas, a Dona Preta que lê o futuro através de seu cachimbo ou homens que gostam de romances policiais – e que, por vezes, parecem incorporar os personagens de Raymond Chandler, agindo como se fossem detetives maus, que conquistam loiras fatais e carregam balas calibre 38 no bolso.
É a cidade de gente como seu Alcides Augusto, 62 anos, nome e voz de locutor, um repentista com registro no Clube Baiano de Trova. O emprego oficial, em um dos boxes da rua principal da feira, lhe rendeu a alcunha de “o rei das jacas”. O extra-oficial, como repentista de mega-fone no pescoço, o codinome de “anunciador oficial da feira”. Anuncia, com rimas de fácil compreensão, batatas, bananas, potes de argila, galinhas vivas. Alcides Augusto, o anunciador oficial da Feira de São Joaquim, gravará um DVD com repentes para homenagear o local onde trabalha e criou seus nove filhos.
Embora tenham, em uma de suas margens, a Baía de Todos os Santos, os artistas da Feira de São Joaquim não vêem o mar. Cabem, exatos, nos 36 mil metros ocupados pelos boxes e quitandas. São homens e mulheres que não se preocupam em sujar as mãos, que não sentem calor e aproveitam a réstia do sol para descansar ao lado de artigos de palha e porcos de barro.
É também o território de Mestre Vitorino Moreira, 90 anos, ceramista de renome internacional. Por sua criação mais conhecida, o boi-bilha, ganhou prêmio em feira de artesanato. Por sua habilidade com as mãos, já trabalhou com Caribé e participou de exposições. Mestre Vitorino, por motivos de saúde, agora vai pouco à feira. Mas seu espaço continua lá e é fácil encontrar seu nome na boca dos conterrâneos de venda.
Os artistas da Feira de São Joaquim também são crianças que fazem malabarismos com tomates e jovens que permanecem sentados durante 8 horas escolhendo as músicas que tocarão na rádio comunitária. Também são rapazes de 33 anos, como Jean Carlos, que nasceu e mora em São Joaquim. Ele, que quando fala parece incitar uma contradança, ganha a vida guiando turistas e gente perdida. Conhece cada beco, viela, vendedor. E gosta de lembrar que “já pintou arte” e já fotografou, mas prefere ser guia.
Lá e Cá – Ao lado dos artistas da terra, São Joaquim recebe os de fora. Gente branca que carrega equipamentos pesados. Gente que conhece o mundo por trás dos muros da feira, mas que quando chega lá não ensina, apenas aprende.
Sérgio Guerra, 49, fotógrafo e publicitário pernambucano que vive na ponte aérea Luanda-Salvador, já parou para aprender em São Joaquim. Em 2006, fotografou vendedor, mercadoria e movimento. Registrou também a feira de São Paulo, em Angola. Da semelhança entre os mercados, onde se ouve a mesma língua, montou o trabalho “Lá e Cá”. E, longe de expor na galeria com chão de mármore, distribuiu 400 fotos no interior de São Joaquim. Em uma espécie de retribuição, fez da feira uma galeria de chão batido. “Quis chamar atenção para o patrimônio que é aquele lugar”.
A pintura performática (que gosta de definir como um misto de intervenção urbana, pintura e body art) também trouxe o artista plástico baiano Leonel Mattos para os caminhos de São Joaquim. Levou telas profissionais para os garotos da feira preencherem, retratou costumes de quem vive lá, fez instalações, intervenções, performances, vídeo arte. Agora, após convocar 36 artistas diferentes, planeja uma exposição coletiva na Feira. “O povo sente o que uma obra de arte passa”.
Leonel e Sérgio parecem ter cursado a mesma escola de Belas Artes que a gente da feira. Entre artistas de mundos diferentes, a distinção é minima. Quando juntos, artistas de lá e cá não precisam fazer muito esforço para a simbiose acontecer. O guia Jean Carlos bate no peito e diz que é amigo de Sérgio Guerra, “gosto dele, é um amigão”. E é assim que funciona. Como o encontro de uma mesma gente, São Joaquim é cidade de artistas.
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