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SALVADOR

"Só deu tempo pegar meu filho", diz sobrevivente de desabamento

Pai e dois filhos morreram na tragédia; família morava na casa há mais de 25 anos

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Redação iBahia

25/04/2017 às 15:53 • Atualizada em 30/08/2022 às 13:26 - há XX semanas
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Era só mais uma noite na casa da família Deminco, a número 144 da Ladeira da Soledade, na Liberdade. Na sala, a filha do meio, a autônoma Simone, 37 anos, se preparava para ensinar a tarefa da escola ao filho, Juan, 12. Em outro cômodo, nos fundos do imóvel, o aposentado José Prospero, 73, assistia à novela das 21h com a filha mais nova, a professora Ana Paula, 34. Já o primogênito, Paulo Ricardo, 44, deu boa noite ao pai e às irmãs e foi dormir, tinha acabado de chegar do trabalho.

As descrições acima são as únicas lembranças de Simone Carreiro Deminco sobre o desabamento de um casarão histórico, não habitado, que caiu sobre a casa da família, por volta de 22h, nesta segunda-feira (24). Para a autônoma, que perdeu o pai e dois irmãos, escapar com vida foi um milagre. "Só deu tempo de pegar meu filho e sair pela janela. Minha vida acabou, como vou viver agora? Se eu tivesse lá no fundo, teria morrido junto", disse ao CORREIO, acrescentando que a matriarca da família morreu há cerca de um mês.



Soterrada, Ana Paula Carreiro Deminco chegou a gritar por socorro durante minutos, segundo relatos. Moradores contaram à reportagem que acreditaram na sobrevivência dela, mas, por volta de meia noite, a mulher, que estava de visita na casa do pai, foi a primeira a ser retirada pelo Corpo de Bombeiros, já sem vida. Em seguida, foram constatadas as mortes de de José Prospero Deminco, que se tratava de dois AVCs, e Paulo Ricardo Carreiro Deminco - resgatados do local já na madrugada, por volta de 4h. Com ferimentos leves, Simone e o filho foram socorridos para o Hospital Geral do Estado (HGE) e, em seguida, liberados.

Após ter alta, na manhã desta terça-feira (25), a autônoma fez questão de voltar ao local do acidente. Em frente à casa em que morou por mais de 25 anos, ainda com o olhar perdido, a sobrevivente parecia avaliar o que restou. Escombros, roupas rasgadas, pedaços de móveis e saudade. Aflita, com escoriações por todo corpo, ela andava de um lado para o outro chamando por Billy, o cachorrinho da família, um poodle. Simone chegou a entrar no que restou da casa mas não encontrou o animal.

"Eu preciso que alguém busque ele lá, eu sei que ele está vivo, posso escutar o latido dele, coitado", repetia, em tom de esperança. Até o fechamento desta edição, o cão ainda não havia sido encontrado. Na manhã desta terça, toda extensão da Ladeira permanecia interditada pela Superintendência de Trânsito de Salvador (Transalvador), com tráfego desviado a partir do Largo da Soledade.

União

Desespero e solidariedade. Minutos após o acidente, moradores fizeram uma mutirão para tirar as vítimas dos escombros. Vizinha dos Deminco, a padeira Adriana Trindade, 32, viveu momentos de tensão ao acompanhar a tragédia do alto. "Eu não consegui identificar o que era, parecia uma cortina de poeira. Ao abrir a porta da varanda, me deparei com muitos gritos de uma mulher e uma criança. Foi assustador", lembra ela.

Adriana contou ao CORREIO que todos se uniram para tentar ajudar a salvar os moradores da casa 144. "A rua inteira se mobilizou, porque é muito triste. Lembro de quando chegou a confirmação das mortes, aquela sensação horrível de impotência", salientou a padeira, que mora no local há oito anos. Ao longo de toda noite, segundo Adriana, ninguém dormiu, na expectativa de encontrar sobreviventes. "Uma pena, eu espero que Deus ajuda Simone a superar tudo isso".

A dona de casa Megle Ainsworth, 32, também ouviu o momento do desabamento. "Um barulho muito forte, parecia um terremoto. Saí correndo, desesperada, como todo os outros para ver o que era. Foi uma cena muito triste, difícil de ser esquecida, afinal, eram pessoas que a gente via todos os dias, há anos", afirmou a testemunha.

Tragédia anunciada
Ao CORREIO, a vítima contou que a situação do casarão, que pertence a um morador da mesma rua, já havia sido denunciada à Defesa Civil de Salvador (Codesal). "Foi uma tragédia anunciada. Temos várias queixas", afirmou. De acordo com Simone, o dono do imóvel, que não foi identificado, não é visto no local desde o momento do desabamento. Em nota, a prefeitura informou que o imóvel que desabou já tinha sido vistoriado pela Defesa Civil.

"Os moradores da casa atingida pelos escombros haviam sido alertados a deixarem o local determinado e, ao responsável pelo casarão, escoramento ou restauração com urgência", completa o documento. O imóvel afetado fica ao lado do Colégio Estadual Carneiro Ribeiro Filho, que também teve escombros jogados para parte do estacionamento. Há 7 anos uma pessoa morreu na queda de outro imóvel.

Em entrevista ao CORREIO, o diretor geral da Codesal, Gustavo Ferraz, a família Deminco e o dono do casarão - que é tombado pelo Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia (IPAC), e não pode sofrer alterações sem acompanhamento de técnicos - brigavam há mais de 10 anos por problemas envolvendo os imóveis. "A casa da família estava em perfeitas ordens mas o casarão, que é histórico, exige cuidados. Acompanhamos ele desde 2009 e, de lá para cá, notificamos o proprietário algumas vezes quanto aos riscos de realizar qualquer obra", explicou.

Conforme Ferraz, um recém reparo no telhado do casarão pode ser um indicativo da tragédia. "Ele [dono] realizou a obra e isso pode ter causado um abalo na estrura lateral, que acabou por ceder sobre a casa, que é mais baixa e acabou ficando sob os escombros", acrescentou. O diretor da Codesal afirmou que a Prefeitura de Salvador está viabilizando o aluguel de uma casa para instalar Simone e o filho. "Nos solidarizamos porque, claro, eles estavam dentro do lar deles, em situação regular. Nunca pedimos para que eles deixassem porque não é o nosso papel. Apenas orientávamos que evacuassem a área, embora tenhamos consciência de que o casarão é que era o pilar da questão", salientou.

Histórico
Não é a primeira vez que os moradores da Ladeira da Soledade, conhecida por seus casarões históricas, presenciam tragédias do tipo. Há exatos sete anos, uma pessoa morreu e outras três ficaram feridas com o desabamento de uma estrutura histórica. Há 70 anos no mesmo endereço, a dona de casa Nivalda Bispo Muniz, 77, contou que nunca esqueceu a madrugada em que ocorreu o desabamento do outro casarão. "Como é que esquece? Eu viro noites em claro. Tenho medo de morrer dormindo. A gente corre atrás de um, corre atrás de outro, mas nós é que temos que ficar acordados", pontuou.

Outro vizinho da família, o aposentado Sidiniz Santos Oliveira, 77, não escondia a revolta. "Estou indignado, claro. Porque o dono disso aí sempre soube que era um risco. Agora eles querem o quê, que as pessoas aceitem? São três mortos da mesma família", lembrou ele, que conhecia José Deminco de vista.

A Polícia Civil informou, por meio de nota, que vai abrir um inquérito para apurar o caso. O CORREIO tentou contato com o titular da 2ª Delegacia (Lapinha), delegado Luís Henrique Costa, mas não obteve êxito. Até o fechamento desta edição, o IPAC ainda não havia se pronunciado sobre o caso. Ana Paula, Paulo Ricardo e José Deminco serão enterrados na tarde desta terça-feira, no Cemitério Campo Santo.

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