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Andrea Beltrão e Marieta Severo em As Centenárias |
Apesar de o ambiente da peça As Centenárias ser de velório, a tristeza vai passar longe do Teatro Castro Alves, neste sábado, às 21h. Dirigido por Aderbal Freire Filho, com texto de Newton Moreno, esse espetáculo premiado faz comédia com a morte, ao mostrar as aventuras de duas carpideiras nordestinas. Interpretadas por Andréa Beltrão, 47 anos, e Marieta Severo, 64, Zaninha e Socorro possuem, respectivamente, 108 e 111 anos. Centenárias, as duas vivem peripécias que até Deus duvida, chorando e enaltecendo mortos no sertão do Cariri. Até no enterro da mãe de Lampião elas estiveram, consolando o cangaceiro mais temido do Brasil.
Amizade - Além de tratar de temas como morte e maternidade, visto que as duas criam uma criança, filha de Zaninha, a montagem celebra, sobretudo, a amizade dessas mulheres, algo que tem tudo a ver com a relação de Marieta e Andréa, amigas desde 1989. Vencedor do prêmio Shell, o texto da peça foi criado em 2007 pelo dramaturgo Newton Moreno especialmente para as atrizes, que já haviam dividido o palco nas peças A Estrela do Lar, A Dona da História e Sonata dos Espectros, sem falar na TV, na série A Grande Família. “Quando pedimos um texto ao Newton a gente só especificou que queria uma comédia e que não fôssemos da mesma família, afinal tínhamos acabado de fazer Sonata dos Espectros, um drama em que éramos mãe e filha”, lembra Marieta. “O Newton então sacou logo que a nossa amizade era um tema rico e pescou milhares de coisas do nosso comportamento para compor as personagens”, completa Andréa. A cumplicidade que existe entre Socorro e Zaninha é a mesma que existe entre as atrizes. “Mesmo quando a gente discorda, nunca brigamos, porque nossas ideias convergem a um ponto em comum”, diz Andréa. Mantendo sociedade na administração do Teatro Poeira, no Rio, desde 2005, as duas tomam várias decisões importantes por dia. “Algo que a gente não faz nem com nossos maridos, e a gente sempre se acerta”, conta Andréa. Lidar com uma pessoa tão tranquila quanto Marieta também é tarefa fácil. “Ela me acalma, faz cafuné! Eu, que tenho pavio curto, aprendo com ela a ser mais educadinha e adestrada!”, brinca. Já Marieta aprende com a amiga a ser mais impulsiva de vez em quando. “Quando faço isso, digo que dei uma andreada!”, diz Marieta, aos risos.
Mamulengos - Apesar de Marieta não se identificar tanto com a personagem Socorro, - “ela é muito solitária!” -, Andréa se vê muito em Zaninha, personagem com o qual ganhou o prêmio Shell de melhor atriz. “Como ela eu gosto muito de comer, de beber; eu choro um monte e logo em seguida dou gargalhadas... enfim, eu sou meio explosiva assim mesmo”, conta. Além das carpideiras, vale destacar que as atrizes interpretam outros personagens no decorrer da peça, com o auxílio de bonecos mamulengos. O cenário, decorado com eles, rendeu um prêmio Shell a Fernando Mello da Costa e Rostand Albuquerque. “Nunca tinha trabalhado com marionetes e foi ótimo porque fizemos um treinamento de quatro meses com o bonequeiro Miguel Velhinho, do grupo Pequod”, lembra Marieta. O acúmulo de papéis foi por “puro olho gordo”, destaca Andréa, visto que inicialmente outros atores seriam escalados por Aderbal Freire Filho. “Ficamos com ciúmes de dar papéis maravilhosos para outras pessoas. A gente estava a fim de se divertir e de brincar interpretando criança, coronel, viúva...”. A figura da morte, porém, coube ao experiente ator Sávio Moll, que já havia trabalhado com Aderbal nas peças O Púcaro Búlgaro e O Que Diz Molero.
Rindo da foice - Personagem que ronda o tempo todo Zaninha e Socorro, tentando levar o filho das duas, a morte é uma das protagonistas do espetáculo. “O cerne da peça é esse embate com a morte, mas que acontece de maneira satírica e alegre, que é a maneira como a cultura popular lida com esse tema doloroso”, diz Marieta. “O que eu mais gosto da peça é esse tom sacana das personagens que desafiam a morte e dizem mesmo: cala a boca que não vou agora! Senta e não me encha o saco!, algo que todo mundo gostaria de fazer”, diz Andréa. A atriz, porém, ressalta que a peça não traz propriamente nenhum ensinamento simplificador. “Na teoria é muito fácil falar sobre a morte, mas a gente sabe que papo algum funciona na hora h. Então, a gente fica contente se o público sair com alguma reflexão, e se sair do teatro rindo e com menos medo”.
Giro nordestino - Depois de estrear em 2007 no Teatro Poeira, no Rio, e de excursionar por várias cidades desde 2009, o espetáculo As Centenárias chega pela primeira vez ao Nordeste, a partir de Salvador. Em seguida, a montagem vai para Aracaju, Maceió, Fortaleza e Recife, terra do dramaturgo Newton Moreno. Para as atrizes, essa turnê marca uma volta às origens das carpideiras, visto que toda a estética da peça partiu da cultura nordestina. “No Sul e Sudeste tivemos um bom público, mas você sentia que a realidade das personagens era muito distante dele. Agora, estou ansiosa para ver a identificação das pessoas. Zaninha e a Socorro estarão em casa!”, diz Marieta. “Nós tínhamos que ir aí em cima para pedir a bênção! Seria uma heresia não ir ao Nordeste”, completa Andréa. A atriz destaca especialmente o prazer de se apresentar na Bahia. “Poxa, o que dizer? Tenho tantos amigos baianos, trabalho com baianos e adoro Salvador!”. Já Marieta, sogra do músico Carlinhos Brown, lembra como precisa reservar ingressos para sua família na capital baiana. “Para mim é sempre uma alegria estar aí, eu que tenho netos baianinhos!”, diz a mãe de Helena Buarque de Hollanda. Quanto ao futuro de As Centenárias, as atrizes garantem que as carpideiras terão uma longa vida. “Elas são renitentes, não morrem não!”, diz Marieta. “É uma peça que exige muito da gente, afinal a gente pula, troca de roupa, manipula boneco. Mas, enquanto os deuses do teatro permitirem a gente continua!”, promete Andréa. Com informações do Correio*.