"A gente nunca imagina que uma pessoa vai fazer uma crueldade dessa com o filho da gente. Vamos à luta. Meu pai enterrou os filhos lá (em Serra Preta), lá tem a carneira da família. Não vou querer enterrar meu filho aqui. Muita dor, muita crueldade...”.
O comerciante Jurandy Silva de Santana, 40 anos, estava na sede do Grupo Tortura Nunca Mais Bahia, nos Barris, no fim da tarde de ontem , quando recebeu a confirmação de que uma mão encontrada carbonizada num terreno em Campinas de Pirajá era de fato do filho Geovane Mascarenhas de Santana, 22 anos. Depois de 13 dias de busca pelo rapaz desaparecido, Jurandy finalmente descobriu o destino do filho.
Jurandy é recebido pelo grupo Tortura Nunca Mais. Ela afirma que perdoará PMs, |
Como o Correio revelou com exclusividade na quarta-feira (13), Geovane desapareceu no dia 2 de agosto, após uma abordagem policial no bairro da Calçada. Imagens mostram ele sendo colocado no porta-malas de uma viatura da Rondesp, por volta de 17h. Depois disso, nunca mais foi visto.
Jurandy ainda aguarda confirmação com relação ao corpo de Geovane, mas o resultado de um exame de papiloscopia revelado, nesta sexta-feira (15), confirmou que a impressão digital do polegar esquerdo de uma das mãos encontradas junto com uma cabeça em Campinas de Pirajá, no dia 4 de agosto - dois dias após o desaparecimento -, correspondia às digitais do rapaz. “Pelo menos essa dor vai passar. Vou enterrar dedo, pé, o que me derem. O secretário (da Segurança Pública, Maurício Barbosa) confirmou. Todos eles sabem. Se ele falou, é porque ele tem indícios de que é meu filho, então vamos enterrar o dedo, a mão, o que encontrar”, desabafou Jurandy.
Saga A sequência de idas e vindas de informações da Polícia Militar desde a divulgação da primeira reportagem pelo Correio culminou, ontem, com o pai de Geovane tendo que suportar duas vezes a notícia da morte do filho.
A primeira notícia veio por volta das 10h, quando o comerciante ainda estava na Corregedoria da Polícia Militar, na Pituba, para prestar um novo depoimento. Ali, ele recebeu a notícia de que o corpo do filho havia sido encontrado e ele deveria ir ao Instituto Médico-Legal (IML) para reconhecê-lo. Ao chegar na unidade, Jurandy percebeu que era o mesmo corpo a que ele já havia sido apresentado no dia 4 de agosto. Tratava-se de um tronco carbonizado, sem cabeça e sem as mãos, localizado no Parque São Bartolomeu, no dia 3 de agosto. Como acontecera dias antes, Jurandy não reconheceu o filho no corpo apresentado. “Esse corpo que eu vi não tinha tatuagem. O que estava sem cabeça, não tinha tatuagem”, afirmou, atribuindo a notícia da morte de Geovane a um boato.
Pai relembra infância de Geovane com fotos em álbum de família (Foto: Almiro Lopes) |
Ainda com esperanças, Jurandy retomou a busca e voltou à Corregedoria da PM: “A gente vai continuar à procura do meu filho. Pra mim, eu quero ver ele, quero ver o corpo, o pé, a mão. Eu quero ver alguma coisa dele, sabendo que ele não está desaparecido, é isso que eu quero”.
Confirmação Jurandy ainda não sabia, mas o mistério que envolvia o destino de Geovane começou a ser desvendado por volta das 15h30 de ontem, na Secretaria da Segurança Pública (SSP). Lá, o secretário Maurício Barbosa, o comandante-geral da Polícia Militar, coronel Alfredo Castro, e o delegado-geral da Polícia Civil, Hélio Jorge da Paixão, anunciaram que, embora, de fato, ainda haja dúvidas com relação ao corpo que estava no IML, uma das mãos encontradas em Campinas de Pirajá era de Geovane.
“O que nós tivemos a certeza ontem (quinta) no final da tarde foi que a mão encontrada correspondia às impressões digitais de Geovane Mascarenhas de Santana”, disse o secretário Maurício Barbosa.
Um laudo definitivo, que confirme a identidade da vítima, que foi decapitada e esquartejada, só sairá no prazo de 30 dias, quando também será concluído o inquérito do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), da Polícia Civil, sob o comando do diretor Jorge Figueiredo. O secretário determinou nova varredura na área onde foram encontradas as partes do corpo.
Prisões Foi depois de um pedido do DHPP que a Justiça decretou, na madrugada de ontem, a prisão preventiva do subtenente Claudio Bonfim Borges e dos soldados Jailson Gomes de Oliveira e Jesimiel da Silva Resende, que abordaram Geovane no dia 2 de agosto.
Segundo o secretário Maurício Barbosa, porém, os policiais não podem ser considerados culpados. Para ele, as informações ainda são indícios e a prisão visa resguardar as investigações para evitar que provas sejam contaminadas e as testemunhas coagidas.
“Isso mostra a necessidade de urgentemente darmos uma resposta não só à família de Geovane, mas também a toda a sociedade, que clama por respostas envolvendo o sumiço de Geovane”, declarou.
Prioridade Para a cúpula da Segurança Pública da Bahia, chegar aos culpados pela possível morte de Geovane é questão de prioridade. “É dada a prioridade máxima a essa investigação e eu, como secretário, o comandante-geral da Polícia Militar e o delegado-geral (da Civil), temos a necessidade de ter esse fato devidamente esclarecido, para que seja imputada ou não a participação efetiva desses policiais”, disse Barbosa.
O governador Jaques Wagner (PT) falou ontem sobre o caso. Em Cachoeira, durante os festejos da Irmandade da Boa Morte, ele condenou a atitude dos PMs durante a abordagem: “Eu acho deploráveis as cenas que nós assistimos. Não é essa a formação que meus policiais recebem para combater o crime”.
Perdão e medo Apesar da dor diante da crueldade praticada contra o filho, o comerciante Jurandy diz que perdoa os policiais, caso sejam responsáveis pela morte do rapaz. “Todos nós aqui temos uma missão. Se eles acharam que deviam fazer isso... Todos os três ali, que bateram, torturaram, mataram, esquartejaram, vou perdoar, de coração”.
Mesmo fragilizado com a situação, Jurandy se mantém forte para enfrentar possíveis consequências da busca por Geovane. “Eles já tiraram a vida de meu filho, vou levar minha vida. Já tiraram um pedaço de mim e se quiseram tirar o resto... Estou aí, na mão de Deus e de quem puder me ajudar”, desabafou.
Agora, o pai sente que a saga terminou. “Vou confortar meu pai, minha mãe. Meu objetivo chegou ao fim. Ter um final de uma história. Pior é não ter, viver nessa angústia”. Matéria original do Correio "Vou enterrar o que me derem", diz pai de Geovane depois de descobrir destino do filho
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