Esquentar a cabeça por qualquer besteira, lá isso não fazia. Aprendeu, com a vida, a não antecipar preocupações nem precipitar acontecimentos. Era um tipo que deixava as coisas acontecerem normalmente. Comodismo!? Diziam que sim; mas, pouco se lhe dava. Conhecia as dimensões do seu próprio mundo e as razões que o levavam a agir daquela forma. Falasse quem falasse do seu jeito de ser. Sua vida era simples e modestos os planos. Gostava de viver e deixar viver. Sim, era esse o seu jeito de enfrentar e resolver problemas. Por isso, estava despreocupado naquele instante. Ou, mais precisamente, ocupado com os afazeres mais imediatos. Amanhã seria outro dia, e o vaqueiro de que necessitava para arrebanhar pouco mais de uma centena de reses haveria de aparecer. Caso contrário, ele mesmo se dedicaria àquela tarefa, como fizera tantas vezes. Na verdade, qualquer pessoa serviria. Nem precisava mesmo ser um vaqueiro. Alguém com mais disposição do que fé de ofício resolveria o problema. E gente assim não faltava por ali. Intranquilidade é sinal de alheamento circunstancial, e esse não era o seu caso, pois, naquele momento, tudo estava sob controle, como se diz. Dito e feito. Quem era esperado apareceu. Perguntas. Respostas. Compromisso acertado em pouco tempo, sem mais delongas, embora o tipo lhe parecesse esquisito ao primeiro olhar. Mas isso não abalou a sua boa fé. Acreditou e pronto. Manhã do dia seguinte: um cavalo à disposição do tal vaqueiro. Agora sim, o espanto. Não queria cavalo, não precisava. Como não precisava!? O gado daria algum trabalho, sabia disso. Argumentos. De nada serviram. Estava acostumado a correr com gado, na perna mesmo. Ficasse tranquilo que garantia trazer todo gado que pastasse pelos quatro cantos da propriedade. Dizendo e saindo. Bicho renitente. Coçou a cabeça. Também não adiantava ficar remoendo dúvidas. O mais certo era esperar para ver no que daria tudo aquilo. Como no mundo tem doido para todo gosto, não era de se admirar que aquele quebrasse a sua incredulidade. Esperou. Finzinho da tarde. Lá vinha o diabo do homem em sua direção, ares de cansaço.
– O gado tá todo preso!
– Todo? Impossível!
– Todo! – podia ir olhar. E até ficaria no emprego com uma condição. Agora, mais essa!
– Qual?
– Vender um garrotinho vermelho, de chifres curtinhos!
– Garrotinho vermelho!?
– Sim. Velhaco feito satanás e deu muito trabalho para trazer.
– Não tenho esse tal de garrotinho – tinha certeza.
– Tem! Desse tamanho assim – indicou com a mão espalmada.
– Não tenho! – Ia mostrar no curral. Mostrou mesmo. Entre o gado, arisco, serelepe, ofegante, um veado avermelhado e de chifres curtinhos.
José Walter Pires(*)
(*) José Walter Pires é sociólogo e advogado. Cordelista pertencente à Academia Brasileira de Cordel. Cronista do cotidiano sertanejo. Articulista da Revista Entrevip. Correspondente do Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros-Mg. Residente em Brumado-Bahia.
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