Silvanete, de Exu (PE): forno sob medida
Foto: Elka Macedo/ONG Caatinga
Para a maioria das pessoas, cozinhar é uma tarefa simples. Fogão, gás, quase tudo à mão. Mas essa não é a realidade para a maior parte das famílias das zonas rurais no Nordeste do Brasil, onde 85% das famílias utilizam a lenha. Além da necessidade de manejo adequado na extração da lenha, a preparação de comida nesses fogões causa danos à saúde, devido ao alto índice de emissão de fumaça.
É por causa desta realidade que os projetos Fogões do Araripe: Eficiência Energética na Propriedade Familiar, realizado pela ONG Caatinga na mesorregião do Araripe, e Fogões Geoagroecológicos = - Lenha - CO2 + O + H2O + Vida, desenvolvido pela ONG Agendha (Assessoria e Gestão em Estudos da Natureza, Desenvolvimento Humano e Agroecologia) na mesorregião de Xingó, têm um papel muito importante.
Os dois projetos são realizados em parceria com o Ministério do Meio Ambiente (MMA), por meio do Departamento de Combate à Desertificação (DCD), Fundo Nacional de Meio Ambiente (FNMA) e Fundo Socioambiental da Caixa. Segundo o diretor do DCD, Francisco Campello, uma mulher precisa dedicar em torno de 18 horas semanais na busca de lenha para o preparo dos alimentos, expostas em algumas situações a violência e riscos de morte por acidentes. “Os principais objetivos dos projetos são tornar o uso de lenha sustentável, além de evitar problemas de saúde, melhorar a qualidade de vida destas famílias e conservar a paisagem”, explicou.
Campello destaca que a lenha representa 70% da energia para o preparo dos alimentos no Semiárido. A utilização de fogões rústicos e pouco eficientes provoca uma série de impactos à saúde das pessoas, principalmente em virtude da fumaça e fuligem que se acumulam no interior das residências (de acordo com a Organização Mundial da Saúde, a exposição à fumaça é a quarta causa de morte nos países em desenvolvimento como o Brasil).
“A fumaça causa danos à saúde da mulher, como glaucoma, problemas na coluna, pressão e enfisema pulmonar. Além de tornar o ambiente domiciliar saudável, os fogões geoagroecológicos apresentam uma alta eficiência energética. Também é feito um processo de orientação e um planejamento de gestão ambiental para a coleta sustentável da lenha, que é um biocombustível sólido renovável e de baixo custo”, explica.
Vantagens
A lenha utilizada nos fogões rústicos contribui ainda, de forma significativa, para o desmatamento da Caatinga. Estudos realizados pelo MMA demonstram que o consumo domiciliar foi consideravelmente maior que a soma do consumo industrial e comercial.
A demanda principal nessa região da Caatinga é por fogões a lenha mais eficientes e menos danosos à saúde humana e ambiental, considerando que boa parte da população utiliza fogão a lenha tradicional, sobretudo nas regiões periurbanas e rurais.
Menor consumo
A agricultora Silvanete Lermen, da Serra dos Paus Dóias, em Exu (PE), conta as principais diferenças que percebeu no processo de construção dos fogões geoagroecológicos. “O forno foi feito de acordo com o tamanho da minha forma. Eu acompanhei toda a construção. O fogão consome realmente menos lenha e foi feito dentro da minha realidade, por isso pedi que ele fosse mais alto, porque aqui a lenha às vezes é mais grossa. Ele diminuiu bastante a emissão da fumaça”, afirma.
Nesse contexto, a difusão de tecnologias socioambientalmente sustentáveis como os fogões à lenha de maior eficiência energética, além do benefício ambiental devido à economia de até 40% de lenha (Instituto de Desenvolvimento Sustentável e Energias Renováveis), também melhora a qualidade de vida da população vulnerável. “Esse fogão é melhor do que o fogão a lenha que a gente usava. Aqui não fica nada preto, nem a parede e nem as panelas, e não tem mais fumaça dentro de casa”, conta Maria Iraci, do Sitio Primavera, em Bodocó (PE).
Como funcionam
Os fogões geoagroecológicos permitem a substituição de lenha de grossa por gravetos (galhos finos das árvores), que podem ser catados nas florestas e/ou colhidos através da poda, sem haver necessidade de derrubada através por corte raso.
Maurício Lins Aroucha, criador desta tecnologia socioambiental sustentável e coordenador técnico do projeto da Agendha, explica que se pode utilizar também resíduos agrícolas (manivas de mandioca e macaxeira; pés, palhas e sabugos de milho; catembas, palhas, cascas e cocos de diversas palmeiras; e “outros restos de roçados”), bem como resíduos florestais (lascas, cascas, raízes, serragem e pó de serra). “Isso contribui para a manutenção das coberturas florestais e para a conservação e utilização socioambientalmente sustentável da biodiversidade e dos solos”, destaca.
Os fogões possuem uma chaminé externa, permanente, que não estraga com facilidade, levando a fumaça para fora da cozinha e têm um sistema de isolamento térmico que evita o aquecimento acima da temperatura ambiente. Tudo isso ajuda a prevenir a instalação de doenças respiratórias.
Para o técnico Diolando Saraiva que acompanha as construções, a implantação desta tecnologia tem trazido diversos benefícios para as famílias que residem na zona rural. “O fogão ajuda na questão ambiental por conta da utilização de menos lenha, se comparado ao convencional, e a parte mais importante é a retirada da fumaça de dentro das casas o que resulta na melhoria da saúde e qualidade de vida das famílias”, destaca.
Na construção dos fogões é utilizada uma metodologia participativa num processo de capacitação das comunidades beneficiárias e dos pedreiros (mestres fogãozeiros, aptos para construir novos fogões nas comunidades). Além da construção dos fogões, foram feitas capacitações com as famílias agricultoras participantes dos projetos sobre: a Caatinga, manejo sustentável da lenha e da biodiversidade, e práticas agroecológicas de combate à desertificação.
Saiba mais
No âmbito dessa parceria entre MMA, FNMA e Caixa, foram desenvolvidos sete projetos, abrangendo: melhoria tecnológica dos fornos industriais para os polos gesseiros e ceramista, promoção ao manejo florestal comunitário em 15.000 ha e construção dos fogões geoagroecológicos para uso caseiro e de pequenas unidades de beneficiamento de alimentos.
Os projetos, no valor de R$ 6,3 milhões, estão relacionados à eficiência energética e ao uso sustentável dos recursos naturais. Mais de 1.400 unidades de fogões já foram montadas nas regiões da Chapada do Araripe (situada entre os Estados de Pernambuco, Piauí e Ceará); na Messoregião de Xingó (em 12 Municípios de Alagoas, da Bahia, de Pernambuco e de Sergipe); e no Vale do Jaguaribe (Ceará).
(Por Marta Moraes, do Ministério do Meio Ambiente)
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