Diversas iniciativas populares estão lutando pelo acesso e preservação das águas
Foto: Alexandre Hodapp
Não é de hoje que moradores das mais diversas partes do planeta sofrem com problemas de água. Seja pela má qualidade ou pela simples inexistência desse recurso, são os moradores aqueles que mais sofrem com o problema. Por muitos anos à mercê da boa vontade de governantes e empresários, essas pessoas estão agora tomando para si a responsabilidade de preservar e garantir água de qualidade para suas comunidades e para as próximas gerações.
É o caso dos moradores do bairro de Guaratiba, periferia do Rio de Janeiro. Há décadas eles foram “esquecidos” pelos governantes do estado, como conta Giovanni Gazzo, um dos líderes do Movimento Água Legal Para Guaratiba. Apesar das insistentes reclamações dos moradores, os serviços de distribuição de água nunca chegaram à região. Como resultado, além do uso de bombas e poços artesianos, os moradores começaram a apelar para ligações clandestinas, “afina ninguém vive sem água”, lembra Gazzo.
Segundo ele, a grande maioria da população da região consome água de poço, sem nenhum controle de salubridade. “Mas tem gente que não tem condição nem de comprar um poço ou uma bomba e vai de manhã cedo para a beira do canal de drenagem, onde tem uma saída de esgoto, apanhar água, já que ela não chega até as casas deles”, denuncia.
No bairro de Guaratiba, Rio de Janeiro, a população luta pelo acesso a água potável
Foto: Movimento Água Legal Para Guaratiba
Há alguns meses, depois de um colapso que deixou quase todo o bairro sem água, os moradores decidiram que não iriam mais aceitar aquela situação. “Nos reunimos, fizemos manifestações na rua, chamamos a imprensa, criamos um manifesto e recolhemos mais de cinco mil assinaturas para um abaixo-assinado”, conta o morador.
Como resultado, o grupo conseguiu um horário na disputada agenda da Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro (Cedae), que ouviu as reclamações e reconheceu erros passados. A maior vitória, porém, foi o acordo de obras no local, reuniões mensais com os moradores para o acompanhamento do projeto, além de um encontro com o governador do estado.
“Líderes somos todos nós”
Apesar de estar à frente das negociações, Gazzo reforça que é apenas um dos líderes do movimento, “Líderes somos todos nós”, afirma, ao lembrar que as reivindicações da iniciativa só chegaram aos governantes por conta da participação dos moradores. “A força está no povo. Quem deveria estar fazendo esse trabalho eram nossos vereadores e deputados. Engraçado é que depois que nos mobilizamos, alguns deles apareceram querendo ajudar, mas quem correu atrás fomos nós”, reforça.
Após manifestações e abaixo-assinados, os moradores conseguiram se reunir com a Cedae, que prometeu obras no local
Foto: Movimento Água Legal Para Guaratiba
Quem também está batalhando para proteger as águas urbanas são os moradores da cidade de São Paulo. Uma das iniciativas, encabeçada pelo urbanista José Bueno, o geógrafo Luiz de Campos e a bióloga Juliana Gatti, está abrindo os olhos dos moradores para verdadeiros tesouros naturais que passam esquecidos debaixo de seus pés.
Após localizarem uma pequena nascente perto de casa, os amigos decidiram fazer uma caminhada ao longo do rio e ali descobriram um novo universo. “Daí surgiu a ideia de levar essa experiência para outros moradores da cidade”, conta Bueno. Assim surgiu o projeto Rios e Ruas, com a proposta de explorar a presença dos rios em uma cidade que tem centenas de quilômetros deles, mesmo que escondidos.
Nas expedições, oferecidas periodicamente e de forma gratuita aos moradores, o grupo compartilha informações sobre a hidrologia da região e a própria formação da cidade, além de exibir vídeos e discutir mapas com os rios encobertos pelo asfalto. Porém, o momento mais esperado é quando eles saem pelas ruas descobrindo novos rios, córregos e nascentes perdidas em meio à selva de concreto. “É isso que dá emoção na historia”, conta Bueno. “E nossa intenção é essa, é emocionar as pessoas, é fazer elas se perguntarem por que ficou assim e o que pode ser feito para arrumar isso”, diz.
A iniciativa Rios e Ruas está despertando a população para os ecossistemas escondidos na cidade
Foto: Rios e Ruas
Uma das grandes surpresas de quem participa das expedições do movimento é descobrir nascentes como a do Rio Anhangabaú, a apenas duas quadras da Avenida Paulista. “As pessoas passam por ali e nem percebem. Aí quando a gente leva lá e mostra, elas falam ‘pô, por que não tem um monumento aqui?’. Valorizar esses lugares, abrir esses rios, mesmo que só um trechinho, será revolucionário”, diz Campos.
População em defesa da água
Apesar da força de questões como interesses econômicos, especulação imobiliária e a própria indústria do automóvel, responsável por quilômetros de asfaltos que tapam os cursos d’água, Bueno acredita que com a pressão da população esse cenário pode mudar.
“Nós já sabemos que irá se iniciar um processo de recuperação desses rios, eles irão deixar de ser cobertos e os que ainda estão abertos serão preservados. Isso é uma tendência mundial, Nova York fez isso, porque nós não podemos fazer? Mas precisamos de todos, sem motivação popular, não há como solucionar esse problema”, diz.
“Os rios que estão cobertos estão doentes, em coma, mas não estão mortos. A vida ainda está lá”, diz José Bueno, um dos fundadores da Rios e Ruas
Foto: Rios e Ruas
O movimento, que já conta com o apoio de engenheiros, ambientalistas, advogados, legisladores e artistas, quer que todos os moradores da capital saibam da existência dos mais de 3.000 km de rios e 300 córregos que correm debaixo das ruas de São Paulo. “Os rios cortam a cidade toda, estão entre nós, passam pela Paulista, a sujeira do Rio Tietê é a minha sujeira. Está tudo interconectado”, defende.
Segundo Luiz Campos, o problema não é que as pessoas não saibam que existem rios urbanos. “Elas não têm sequer a oportunidade de saber que eles existem. O que a gente faz é tirar esse véu e deixar que elas percebam isso. Quando isso acontece, elas passam a descobrir córregos em suas próprias ruas. Isso que é importante para a gente, porque ninguém vai conservar o que nem sabe que existe”.
Os resultados da conscientização da população já começaram a aparecer. Recentemente um grande empreendimento que estava sendo erguido no bairro de Pinheiros foi paralisado porque moradores questionaram o impacto da obra no Rio Caaguaçú, que corre na região.
Nas expedições, as pessoas descobrem novos rios e até nascentes no meio da capital paulista
Foto: Rios e Ruas
Já no Jardim Botânico, também na cidade de São Paulo, um córrego, que estava tapado há seis décadas, foi aberto devido a problemas na galeria. Em apenas um ano a região ficou totalmente recuperada e o número de visitantes no parque aumentou cinco vezes.
“Os rios que estão cobertos estão doentes, em coma, mas não estão mortos. A vida ainda está lá”, defende Bueno. Para ele, situações como essa mostram como as pessoas estão querendo se envolver com o problema. “Elas querem ser ouvidas, expressar seus desejos e participar das soluções. Com as novas redes é mais fácil perceber isso. Nós não estamos mais sós nos nossos desejos”.
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