Na opinião de Telma, uma economia justa e sustentável é a base para a redução da pobreza e da desigualdade social, para a proteção do meio ambiente e para um progresso sólido e contínuo
Foto: Itamaraty
“Não precisamos mais escolher entre industrialização e sustentabilidade, é vital encontrar maneiras originais para fazer com que funcionem em conjunto. Nenhum progresso será real se não tivermos como prioridade o respeito ao meio ambiente”, disse Telma Giovana de Freitas, vencedora do concurso de redação proposto pela Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial (Unido).
O Observatório de Energias Renováveis para América Latina e Caribe conversou com Telma sobre desenvolvimento industrial inclusivo e sustentável na América Latina e Caribe. Estudante de Relações Internacionais na Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), ela é natural de Rondônia e, junto com colegas e professores, está criando um grupo de estudos sobre paradiplomacia — tendência de estados e cidades de assumir maior autonomia e independência nos contatos internacionais.
Na opinião de Telma, uma economia justa e sustentável é a base para a redução da pobreza e da desigualdade social, para a proteção do meio ambiente e para um progresso sólido e contínuo. E é justamente por isso que “construir infraestruturas resilientes, promover a industrialização inclusiva e sustentável e fomentar a inovação” é o nono objetivo da Agenda 2030 proposta pelas Nações Unidas.
O concurso de redações promovido pela Unido teve como tema “desafios da industrialização na região da América Latina e Caribe para alcançar o objetivo de desenvolvimento sustentável 9 e o desenvolvimento industrial Inclusivo e sustentável”. Entre as 140 redações enviadas, três foram escolhidas como vencedoras. Como prêmio, Telma viajou a Viena, sede da Unido, junto com o mexicano Jorge Luis Filio Flores e o peruano Mauricio Tong Wong. As redações dos vencedores podem ser lidas aqui.
O Observatório de Energias Renováveis conversou com Telma sobre o concurso, sua viagem a Viena e os desafios do desenvolvimento industrial sustentável na América Latina e no Caribe. Confira abaixo a entrevista:
Observatório de Energias Renováveis: por que você decidiu participar do concurso de redações promovido pela Unido?
Telma Giovana Freitas: Uma professora maravilhosa que tive, Elia, me marcou em uma publicação no Facebook com a notícia sobre a competição. Como eu já estudava este tema da industrialização, quando vi a competição da Unido, achei que teria alguma chance. Mas é claro que tive que ler e pesquisar muito mais para escrever aquele ensaio. Procurei dar o meu melhor, e no fim das contas valeu muito a pena.
Além disso, considero que a ONU traz muitos fatores importantes para discussão, como os próprios Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, que, na minha opinião, deveriam fazer parte dos objetivos de Estado de qualquer país. E as agências trabalham como facilitadoras para colocar alguns objetivos em prática. A Unido, por exemplo, trabalha em diversos projetos para ajudar os países a se industrializarem, para superarem a pobreza através de atividades produtivas.
Espero que agora, com uma meta específica para a industrialização nos objetivos do milênio, a Unido possa ganhar cada vez mais força em seus projetos, para ajudar a diminuir a pobreza no mundo de maneira consistente e duradoura.
OER: Como o desenvolvimento industrial pode colaborar para atingir os demais Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, tais como erradicação da fome e da pobreza, reduzir a desigualdade e preservar o meio ambiente?
TF: Os países que conseguiram atingir altos níveis de desenvolvimento econômico e social, fizeram isso através da industrialização. Exemplos claros estão no Leste Asiático, como a Coreia do Sul, que é hoje considerada um país de primeiro mundo.
Um estudioso que defende muito isso é o chileno Gabriel Palma. Ele diz que não importa só o quanto um país produz, mas o que se está produzindo. O Brasil, por exemplo, produz muitíssimo, tanto que tem um dos maiores Produtos Internos Brutos do mundo. Mas quando vamos ver o que está produzindo, é basicamente soja e minério de ferro. Nada contra soja e minério de ferro, mas geralmente é a indústria que traz mudanças estruturais duradouras.
Pesquisas da própria Unido apontam como os países com uma indústria forte têm mais saúde, menos fome, menos pobreza, menos desigualdade social e até mesmo menos desigualdade de gênero. O que eu defendo é que a industrialização é um ponto chave para se atingir muitos dos outros Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, por causa da mudança estrutural trazida por ela.
A questão ambiental é ainda a mais polêmica. A China, por exemplo, tirou cerca de 200 milhões de pessoas da pobreza através da industrialização, mas é atualmente um dos países mais poluídos do mundo. O que eu defendo é que é difícil obter um desenvolvimento sustentável, mas não é impossível. Há quinze anos, eu não imaginava que pudesse existir algo como um smartphone, por exemplo. Então o meu ponto é: através de pesquisa e desenvolvimento (P&D), conseguimos desenvolver coisas incríveis! É claro que temos capacidade de desenvolver eficientemente “green technology” (tecnologia verde). E, de fato, já temos muitas maneiras inovadoras de nos desenvolvermos tecnologicamente sem agredir a natureza.
OER: Em linhas gerais, quais são os principais desafios que a região da América Latina e Caribe enfrenta em relação ao objetivo 9?
TF: Muitos! É toda uma infraestrutura que precisa ser construída, em alguns casos do zero. Tudo isso requer um tremendo esforço em muitos sentidos. Primeiramente, precisamos de planejamento estratégico, investimento pesado em P&D e em infraestrutura, atração de investimentos (requerendo a contrapartida, é claro), e por aí vai.
Mas eu considero que hoje o maior desafio é conseguir se desenvolver sem prejudicar o meio ambiente. Isso é algo que até hoje ninguém conseguiu realmente resolver, mas eu acredito que seja só uma questão de tempo. Seria muito vantajoso para a nossa região se conseguíssemos ser pioneiros no Desenvolvimento Sustentável.
OER: E quais são os potenciais e os desafios da região rumo a uma economia verde?
TF: Na década de 1970, quando o debate sobre o meio ambiente começa a aparecer no cenário internacional, muitos países subdesenvolvidos viram aquilo como uma mera desculpa dos países ricos para impedi-los de se desenvolverem. E quem estava em processo de industrialização naquela época escolheu deixar de lado essa questão do meio ambiente.
Mas hoje, isso não é mais uma opção. A problemática ambiental já é realmente admitida pelos países, o tema da sustentabilidade tem ganhado muita força e hoje há um esforço grande para conseguir desenvolver tecnologias limpas.
Temos algumas vantagens também por aqui, como a alta incidência solar na região, o grande número de hidrelétricas no Brasil. Além disso, a região é a casa da floresta mais rica do mundo, a Amazônia. Por que não investir pesadamente em seu potencial, procurando tornar a floresta altamente lucrativa em pé? A Amazônia tem um altíssimo potencial para as indústrias farmacêutica e cosmética, que são duas das mais lucrativas do mundo. Estamos perdendo muito tempo em não investir nisso!
OER: Na sua redação, você enfatiza a relação entre desenvolvimento industrial sustentável e investimentos em educação, ciência e tecnologia. Em quais aspectos os países da América Latina e Caribe podem avançar nesse sentido?
TF: Em muitos pontos há controvérsias, mas acredito que quanto ao investimento em P&D há unanimidade. Para se desenvolver para estágios mais avançados da produção, o investimento em educação, ciência e tecnologia é essencial. Não é à toa que o ITA e a sede da Embraer estão na mesma cidade! Na verdade, a construção de uma escola de pesquisa em engenharia aeronáutica foi o primeiro passo para o desenvolvimento da Embraer. P&D andam de mãos dadas com a industrialização. E na América Latina e Caribe, o investimento ainda é muito baixo. Temos que investir mais.
OER: Com respeito à Paraíba, existem iniciativas para avançar rumo a um desenvolvimento industrial inclusivo e sustentável?
TF: A Paraíba é um estado onde eu vejo que falta muita iniciativa: falta iniciativa privada, falta iniciativa do governo, existem pouquíssimas indústrias instaladas aqui.
Estamos fundando agora um grupo de estudos de paradiplomacia, e nosso intuito é justamente tentar melhorar isso. A Paraíba não pode esperar um investidor cair do céu, tem que ir atrás. E quando conseguir, precisa ter um planejamento, uma boa proposta. Com o Brasil em crise, sem dinheiro do governo federal pra continuar suas obras, vai fazer o quê? Esperar a crise passar? Não! Tem que ir para a China, para as Arábias, para a Europa, buscar investidores. Paradiplomacia é isso, atitude é isso, estratégia é isso, e nos falta muito aqui na Paraíba.
O nosso grupo ainda está em fase embrionária, mas espero que em um futuro próximo a gente possa ajudar a Paraíba no seu planejamento estratégico para atração de investimentos. Se conseguirmos contribuir para a instalação de pelo menos uma indústria aqui, eu já ficaria super orgulhosa!
OER: Como uma das três pessoas vencedoras do prêmio, você ganhou uma viagem a Viena, onde está a sede central da Unido. Quais foram os momentos mais marcantes da viagem?
TF: A gente se sentia importante! Nos coquetéis depois dos eventos, estávamos ao lado de diplomatas, embaixadores, CEOs e diretores da Unido, conversando sobre política, economia, industrialização. E o melhor era perceber que eles realmente queriam saber minha opinião.
No mais, Viena é uma cidade belíssima, tudo foi ótimo! Espero que eles realmente façam este tipo de concurso novamente, para mais pessoas poderem ter a oportunidade que nós três tivemos.
OER: Se você tivesse que reescrever sua redação depois dessa experiência, mudaria alguma coisa?
TF: Com certeza, mas acho que isso seja um processo natural para qualquer coisa que a gente escreve. Eu foquei muito na política industrial, que é realmente essencial. Mas acabei deixando de lado a importância do setor privado e dos investimentos externos. O Estado não é e nem deve ser o único ator.
OER: Você aprendeu algo novo durante a viagem?
TF: Sim. Eu sempre via a ONU como algo muito distante. E hoje vejo que não é assim, as pessoas que trabalham lá são pessoas normais. Isso é uma sensação que já tive antes na vida, essa história de pensar que “não é pra mim” é furada. E eu acho que a gente tem essa mesma sensação em relação à industrialização na América Latina e Caribe, de que não é pra gente, de que é muito difícil, de que é tarde demais, mas não é assim.
Eu sempre gosto de comparar com a Coreia do Sul: há 30 anos, a indústria do Brasil era bem melhor que a deles. E hoje eles têm indústrias sofisticadíssimas. E eu aposto que se alguém falasse para um sul-coreano há 40 anos que em 2016 eles teriam uma indústria tão forte que seriam os maiores concorrentes dos Estados Unidos no ramo dos smartphones, ele não acreditaria — para começar, ele nem acreditaria que algo como um smartphone existiria! Então, acho que o primeiro passo é mudar o pensamento de que não é pra gente, porque é sim!
OER: Fechando os olhos e pensando no mundo em 2030, como você imagina a região da América Latina e Caribe em relação ao Objetivo 9 da Agenda 2030?
TF: Falando especificadamente do Brasil e do objetivo número 9, por mais que eu acredite que nada seja impossível, eu também sei que nada cai do céu. No Brasil, desde 1975 com o II Plano Nacional para o Desenvolvimento, não houve mais nenhum plano realmente sólido para tentar ir adiante com a industrialização no país. Hoje temos novos desafios para atingir este objetivo, como o meio ambiente. Mas eu vou continuar defendendo: não é impossível, mas precisa de planejamento, investimento pesado em P&D e infraestrutura, atração de investimentos, sempre solicitando a transferência de tecnologias. Enfim, como disse Mauricio em seu ensaio, citando César Vallejo, “there is, brothers, very much to do” (existe, irmãos, muito a ser feito).
E quanto às outras metas, acredito que elas acabam sendo interligadas. Como eu já disse antes, a industrialização está ligada a menos pobreza, menos fome, menos desigualdade social, mais emprego, mais igualdade de gênero, mais saúde, mais educação. Eu gosto muito do objetivo número 9, porque ele é uma mudança realmente estrutural: não é caridade, não é medida paliativa, é infraestrutura, é emprego, é isso que traz qualidade de vida. E as outras medidas, como água limpa, energia renovável, consumo responsável, combate às mudanças climáticas, etc., a meu ver estão muito ligadas à P&D e também à conscientização.
(Via ONU Brasil)
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