A adoção do livro digital nas escolas ainda é pequena no Brasil
Apesar de estarmos vivendo num mundo cada vez mais digital, onde as crianças e adolescentes dominam as novidades tecnológicas com muita rapidez, os avanços no campo pedagógico ainda são pequenos no Brasil. A maioria das editoras de livros didáticos já oferece o conteúdo em formato digital e os recursos pedagógicos são muitos, mas a adoção deles pelas escolas ainda está lenta.
Segundo o presidente da Associação Brasileira de Editores de Livros Escolares (Abrelivros), Antonio Luiz Rios da Silva, não há estatísticas sobre o mercado de livro didático digital, mas ele garante que praticamente todas as editoras do país já têm iniciativas nesse sentido. “Não são todas as coleções que têm, mas boa parte delas já conta com a possibilidade do aluno e da escola trabalharem com livro digital, que na realidade é uma reprodução do livro impresso, com algum enriquecimento, como vídeos, infográficos, jogos, links”.
O livro digital pode ser acessado de diversas formas: em dispositivos móveis (tablets e smartphones) e pelo computador ou lousa eletrônica. Além do formato PDF, que é uma cópia estática digital do livro impresso, há opções LED (Livro Educacional Digital), que são versões enriquecidas com recursos interativos; iBook, que incorpora vídeos, áudios e ampliação de imagens, específica para iPads, da Apple; aplicativos, mais usados para literatura infantojuvenil, que acompanham animações, narração, interatividade e música; e o formato ePub, que se adapta a qualquer tamanho de tela.
De acordo com Rios, o país está no começo da transição e que as escolas têm adotado o modelo híbrido, em que o aluno compra o livro impresso e ganha o acesso ao conteúdo digital. Segundo ele, poucos colégios abandonaram o papel. “Se tiver no Brasil inteiro cinco escolas que fizeram isso é muito. Nas conversas com diretores de colégio, a gente percebe que esse processo tem que ser gradual, não só com relação ao aluno, que se adapta mais rapidamente, mas principalmente por conta do professor”.
O estudo Aprendizagem Móvel no Brasil, publicado em agosto pelo Centro de Estudos Brasileiros da Universidade de Colúmbia, aponta que o uso de tecnologia guiada em sala de aula pode melhorar o rendimento acadêmico dos estudantes, superando ações como a formação de professores em geral e a redução do tamanho da classe.
Mas, segundo uma das autoras do estudo, Fernanda Rosa, as políticas implementadas atualmente na área pública não têm alcançado esse objetivo. “Para avançarmos em nossa capacidade de levantar o impacto das tecnologias na aprendizagem no Brasil, o primeiro passo é ter as ferramentas digitais disponíveis, com condições de uso e conectividade, e com professores capazes de utilizá-las - realidade ainda restrita a poucas escolas”.
Para Fernanda, não se alcança esse estágio sem o envolvimento das secretarias de Educação com um planejamento de médio e longo prazo com ações simultâneas nos três pilares: infraestrutura, conteúdo digital e formação de professores.
Tradição e inovação
A pesquisa de Fernanda Rosa mostra que existem boas experiências em todas as regiões do país. Uma delas é o Colégio Pedro II, uma das mais tradicionais instituições públicas de ensino básico do Brasil, fundado em 1837, que distribuiu este ano tablets para os alunos do primeiro ano do ensino médio. O material, comprado com verba destinada por emenda parlamentar, foi fornecido pelo Ministério da Educação.
De acordo com a chefe da Seção de Projetos Educacionais do Pedro II, Mônica Pinto, todos os departamentos do colégio e professores de todas as disciplinas estão envolvidos com a novidade. “A gente tem projetos em todas as áreas que você possa imaginar, inclusive projetos integrando várias disciplinas, e cada departamento vem usando um conjunto de objetos e de softwares enorme. Muitas vezes, inclusive, desenvolvendo projetos especiais com alunos com dificuldade de aprendizagem, para o ensino regular, para alunos de inclusão e até mesmo para alunos de altas habilidades”, disse.
Ela explica que o uso dos tablets não tem foco nos livros. Foi criado um blog de suporte aos professores com todos os objetos educacionais digitais disponíveis e os docentes estão passando por capacitação para usar a tecnologia. “Tem uma listagem de todos os objetos de aprendizagem, aplicativos, livros digitais que são recomendados e as diretrizes da Unesco para aprendizagem móvel.”
Segundo Mônica, o Departamento de Ciências da Computação fez uma série de pesquisas e agora está começando a planejar uma série de oficinas que está sendo oferecida aos professores em todos os campis do colégio, para estimular ainda mais trabalho.
No ano passado, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) lançou no Brasil as Diretrizes de Políticas para a Aprendizagem Móvel. Entre os benefícios, a Unesco cita a ampliação do alcance, individualização e continuidade da aprendizagem, além da otimização do tempo em sala de aula e retorno do resultado imediato. Como recomendações, estão a melhoria da conexão à internet, o acesso igualitário aos dispositivos e a capacitação de professores e estudantes.
Para que o projeto no Pedro II tenha continuidade, de acordo com Mônica, é necessário que o colégio tenha recursos para adquirir equipamentos, além da efetivação da infraestrutura de internet que ainda não está completa no país. “É essa questão do acesso de banda larga para todas as escolas, a gente só vai conseguir fazer essa migração quando conseguir resolver questões estruturais. Por ser um colégio federal, a gente está na mesma situação das outras escolas públicas brasileiras”.
Compras do governo
Apesar de o governo federal ter anunciado no fim de 2013 que, em 2015, os alunos da rede pública do país teriam acesso a livros didáticos digitais, o material até agora não foi disponibilizado. Segundo o presidente da Abrelivros, Antonio Luiz Rios da Silva, no edital de 2014 foi colocado a compra dos objetos digitais e, para este ano, estava prevista a oferta do LED pelas editoras, mas o governo não concretizou a compra. “Nós estamos numa discussão com eles para que a compra seja feita. Mas agora, com a restrição orçamentária, a coisa ficou mais complicada. As editoras produziram os livros, mas até agora não tivemos a disponibilização para as escolas porque o governo não comprou”.
O Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), responsável pelo Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), foi procurado pela Agência Brasil, mas não se pronunciou. Segundo o gerente de Tecnologia Educacional e Novos Projetos Grupo SM Brasil, André Monteiro, a editora forneceu, dentro do PNLD 2014, os chamados Objetos Educacionais Digitais.
“São DVDs com objetos digitais, como áudios, vídeos, jogos e animações com orientações de uso para os professores e para os alunos. Temos produtos aprovados no formato de livro digital com objetos educacionais digitais anexados ao livro para o PNLD 2015, mas até o presente momento sem aquisição e distribuição definida pelo MEC/FNDE”.
Tanto Monteiro quanto Rios afirmam que apenas alguns países estão investindo na transição para o material didático digital, como Coreia do Sul, Finlândia e Estados Unidos. E o Brasil está bem longe disso. “Temos muito o que avançar na infraestrutura das escolas, na formação dos professores e principalmente na universalização do ensino de qualidade. O mais importante é que devemos enxergar o uso da tecnologia como uma ferramenta para impulsionar a criatividade, a inovação e a mudança no ambiente da sala de aula, principalmente na relação entre o professor e seus alunos”, disse Monteiro.
Para Fernanda Rosa, o Brasil tem um alto índice de distribuição de tecnologias digitais nas escolas. Segundo ela, 84% das unidades públicas urbanas são equipadas com laboratórios de informática e mais de 400 mil tablets entregues a professores do ensino médio. Porém, de acordo com a pesquisadora, existe uma deficiência na infraestrutura que dificulta o uso com foco na aprendizagem.
“Uma pesquisa recente do Banco Mundial mostra que apenas 2% do tempo do professor brasileiro em sala de aula é utilizado com tecnologias. Outros países latino-americanos apresentam índices similares ou um pouco acima. E essa realidade dificilmente será alterada se não se pensar em políticas voltadas à aprendizagem, que se utilize dos benefícios da mobilidade que as tecnologias atuais disponibilizam”, disse.
A digitalização pode significar uma redução do peso nas mochilas, mas pode aumentar o peso no orçamento dos pais
Foto: Arquivo/Elza Fiúza/Agência Brasil
Custo X peso
Estudantes aguardam com ansiedade o momento de trocar os livros pelo tablet. A estudante Luisa Lucas Antunes, de 14 anos, disse que no colégio particular onde estuda, na zona sul do Rio de Janeiro, ainda não adotou o livro digital, mas utiliza um aplicativo para fazer simulados. “Eu acho legal porque, pelo menos, tem um aplicativo que interage com os alunos, para preparar as provas de concurso e essas coisas. É um simulado, mas você também pode jogar, com perguntas de vários colégios”.
Para Luisa, além das possibilidades educacionais que a tecnologia oferece, o livro digital é uma oportunidade para se livrar do peso da mochila. “Eu nunca me interessei em ler livro digital, prefiro o de papel. Mas, para a escola, seria uma nova forma de ler, seria legal. O peso da mochila estraga as costas de todo mundo. Eu acho que todas as escolas já deveriam ter livro digital, em vez de continuar com as apostilas e cadernos”.
A digitalização pode significar uma redução do peso nas mochilas, mas pode aumentar o peso no orçamento dos pais, já que a produção de um livro didático é demorado e tem um custo alto, que aumenta quando se trata de autorizações para meio digital. Segundo o presidente da Abrelivros, o uso do livro digital na aprendizagem é um processo sem volta, mas ainda existem questões a resolver.
“Tem a redução do custo de impressão e do custo logístico de distribuição, mas, por outro lado. tem todo o incremento do custo de você transformar aquele arquivo, que era um PDF para impressão, para ele virar um livro digital, não é um custo desprezível”.
Autora de livros infantis e juvenis, Anna Cláudia Ramos não acredita que o livro digital de literatura vá substituir o impresso, já que são plataformas diferentes que atendem a públicos diversos. Porém, para o livro didático, ela, que também é professora, é mais enfática quanto às vantagens da tecnologia.
“Talvez, no futuro, os didáticos se tornem digitais. Já está se tornando, você clica no livro e já te joga para o país que você está estudando, imagina que máximo. Mas você pode conviver com as coisas todas. Tudo vai poder conviver junto e misturado. Eu acho que a grande questão é a gente não perder esse desejo de fazer livro ser uma coisa gostosa, não fazer algo para ser dever de casa, essa é a diferença”.
O estudo Aprendizagem Móvel no Brasil aponta que, para implementar o uso das tecnologias no ensino, é preciso desenvolver questões institucionais, como fortalecer o monitoramento das ações e avaliação nas secretarias de Educação, formação continuada e compartilhamento das ferramentas e experiências, além do desenvolvimento de parâmetros legais nacionais para subsidiar os avanços.
(Por Akemi Nitahara, da Agência Brasil)
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