Na Bahia, a banana é colhida ainda verde na tentativa de reduzir o desperdício durante o transporte
Foto: Jessica Sandes
Todos os dias, a diarista Doralice dos Santos, de 60 anos, vai ao Mercado do Rio Vermelho, mais conhecido como Ceasinha, em Salvador, por volta das 7h e passa, em média, seis horas no local. O objetivo? Recolher os alimentos que são descartados quando descem dos caminhões que abastecem o centro.
"Nem perfeitos e nem estragados", frisa Doralice. Os alimentos geralmente estão maduros demais ou foram "machucados" no trajeto, mas quase sempre são jogados nos diversos baldes de resíduos espalhados pelo local. "A gente toma o cuidado de limpar direitinho, tirar a casca para poder comer, mas esse é o nosso ganha-pão. Não tem por que deixar esses alimentos irem para o lixo", desabafa a diarista.
Doralice representa milhares de brasileiros que recolhem alimentos que, por passarem por atravessadores, em vez de irem direto ao consumidor final, acabam não resistindo à fase de transporte e são descartados.
No Brasil, o desperdício enfrentado durante essa fase se deve ao fato de as cargas alimentícias geralmente serem transportadas por rodovias e, por vezes, não receberem os cuidados necessários para a conservação das mercadorias integralmente, sobretudo na hora do embarque e no desembarque. Os alimentos ficam sujeitos a contaminações externas, como temperatura e sujeira.
Para melhorar o quadro de perdas há uma logística diferente de armazenamento e transporte para cada produto. A soja e os grãos em geral, por exemplo, devem ficar em um silo armazenador, com controle de temperatura e umidade relativa para não serem contaminados por micro-organismos, pois eles percorrem grandes distâncias em rodovias e ferrovias. Na chegada ao local de destino, o ideal é que o produto não seja descarregado manualmente – as sacas, quando arremessadas de um lado para outro, podem cair e estourar. O desperdício nesses casos é considerado pelo gerente da Imam Consultoria, Antonio Carlos Rezende, como "absurdamente grande".
Já as frutas e hortaliças devem ser mantidas refrigeradas para que o produto mantenha sua qualidade até o mercado consumidor. "Um produto originário do Norte para chegar ao Sul, dependendo da época do ano e das condições de tratamento, pode perder sua qualidade ou ser completamente desperdiçado se os procedimentos corretos não forem adotados", explica o pesquisador da Embrapa, Antônio Gomes Soares.
Deixar a porta dos caminhões aberta durante a entrega de mercadorias pode comprometer a validade dos produtos que precisam de refrigeração
O controle da temperatura é muito importante também para alimentos congelados. "Cada vez que um produto, com 90 dias de validade, que deveria estar com a temperatura -20ºC vai para -5ºC, ele perde vida útil", diz Rezende. O exemplo é uma das causas do alerta feito pelo gerente da Imam Consultoria: "Os profissionais responsáveis pela descarga dos alimentos não podem esquecer a porta dos caminhões abertas durante o desembarque dos produtos. Um caminhão frigorífico tem temperatura controlada e isso deve ser respeitado, mas a fiscalização é muito precária ainda".
O governo brasileiro possui uma Lei, de 1969, que aponta que todo veículo envolvido no transporte de alimentos deve possuir licenciamento sanitário emitido pela secretaria de saúde. O Estado do Rio de Janeiro, por exemplo, elaborou um documento com instruções de fiscalização para os técnicos da Vigilância Sanitária, o qual defende que "os veículos destinados ao transporte de alimentos para o consumo humano, refrigerados ou não, devem dispor de condições suficientes para garantir a integridade e a qualidade do produto".
Apesar da fiscalização ainda ser precária, as empresas de médio e grande porte têm fiscais, geralmente fixos, nos pontos de embarque. Mas é durante o trajeto que a monitoração dos produtos fica comprometida, pois não há como saber se os motoristas pararam ou desligaram o frigorífico do caminhão.
Para a solução deste problema há o tacógrafo, um aparelho que mede o tempo de uso, a distância percorrida e a velocidade desenvolvida pelo caminhão. "Algumas empresas já adotaram essa medida, mas ainda não é obrigatório", afirma o gerente da Imam Consultoria.
Menor tempo possível
Na busca da redução do desperdício das mercadorias, a empresa Sítio Barreiras tem caminhões próprios para levar as frutas do campo ao consumidor no menor tempo possível.
A instituição, que tem sedes na Bahia e no Ceará e abastece as cidades de Belém, Fortaleza, Recife, Feira de Santana e Salvador, não entrega frutas em processo de maturação ou "machucadas". Esses alimentos voltam para o centro de distribuição, onde são destinados a instituições filantrópicas, como creches e orfanatos da região.
O vendedor e promotor Antônio Carlos Ferreira, que é também motorista dos caminhões do Sítio Barreiras, observa que as frutas são extraídas antes da fase de maturação para que, no ponto de chegada, estejam em excelentes condições de consumo. Segundo ele, o principal produto da empresa é a banana, que é colhida ainda verde e transportada em uma carreta dotada de sistema de refrigeração.
As frutas que não são entregues podem ser destinadas a instituições filantrópicas
"Geralmente a nossa perda não é no transporte da fazenda para cá, mas sim quando chega ao local de destino, que não recebe os cuidados necessários ou simplesmente não suporta um novo processo de armazenamento", comenta Ferreira.
Após a realização correta do transporte dos alimentos no trajeto do campo aos centros de distribuição, é a vez dos estabelecimentos varejistas cuidarem da integridade dos produtos que chegarão aos consumidores finais, já que as mercadorias passam por outros processos de refrigeração e climatização. A partir daí, cabe aos supermercados e restaurantes a missão de buscar estratégias e programas para o maior aproveitamento dos alimentos.
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