Parte da reserva de gás xisto brasileira está nos folhelhos da Formação de Irati
Foto: Alexandre Perinotto
Em meio a acusações de ausência de dados, discussões e necessidade, a primeira rodada de licitação para a exploração do gás xisto no país será realizada nesta quinta e sexta-feira, 28 e 29 de novembro. A exploração do combustível enfrenta oposição até mesmo dentro do governo.
Um parecer técnico do Grupo de Trabalho Interinstitucional de Atividades de Exploração e Produção (GTPEG), formado por membros do Ibama, Ministério do Meio Ambiente e ICMBio, entregue a Agência Nacional de Petróleo (ANP) antes do leilão, concluiu que há ausência de dados para garantir a segurança da exploração do gás xisto no País.
Os técnicos ressaltam que a geologia das bacias brasileiras ainda é pouco conhecida até mesmo para a exploração de gás convencional, impossibilitando segurança em relação ao isolamento ou à conectividade de importantes camadas sedimentares.
A ausência de dados aprofundados sobre os possíveis impactos da técnica de exploração levaram a organizações ambientalistas e comunidades científicas, como a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), à Academia Brasileira de Ciência (ABC) e o Instituto Socioambiental, solicitarem uma moratória por tempo indeterminado.
Riscos
O gás natural é considerada uma alternativa fóssil mais "limpa", por não emitir tantos gases do efeito estufa (GEEs) como o petróleo. No entanto, o impacto ambiental da nova técnica utilizada para sua extração ainda é desconhecido. O fraturamento hidráulico não convencional, ou fracking, obtém gás natural ao liberar água misturada a uma série de substâncias na camada rochosa, em alta pressão e grande quantidade, podendo ultrapassar 10.000 m3 em apenas um poço. Por essa camada geralmente estar situada abaixo das reservas de água, há grande possibilidade de contaminar o aquífero.
Nos Estados Unidos, onde é empregada há dez anos, a técnica se consolidou com um meio mais barato de obter combustível fóssil, mas não sem custos ambientais. A técnica suscitou uma série de denúncias de contaminação de aquíferos e águas superficiais nas redondezas dos poços em exploração. A possível contaminação levou a migração de centenas de famílias das regiões de exploração e alguns estados chegaram a proibir o alastramento da técnica.
Na Europa, recentemente foi divulgado um estudo elaborado para a Comissão Europeia do Meio Ambiente que diz, explicitamente, que o risco de contaminação de água é muito alto. Alguns países, como a França, chegaram a proibir a exploração em seu território.
Para o professor Heitor Scalambrini Costa, que é doutor em energética e leciona na Universidade Federal de Pernambuco, a exploração do gás xisto representa um último sopro na longa vida da utilização dos combustíveis fósseis no Planeta. Ele explica que a indústria do xisto está sendo impulsionada principalmente pelo lobby norte-americano de uma “nova era de energia barata”.
"Aquecimento global, mudança climática provocada pela influência do modo de vida (consumir e produzir) e seu modelo predador não existem para esta parte tão influente da sociedade mundial. O que existe são simplesmente os interesses econômicos, os negócios. Mesmo que para isso se coloque em risco a vida do planeta e de todos seus habitantes", opina.
Injustificado
O principal argumento para adiar a exploração do gás xisto no Brasil é a ausência de dados mais contundentes sobre os impactos da exploração. No entanto, reclama-se sobre ausência de diálogo do governo e a definição prioridade energética, uma vez que o Brasil é um dos países que mais tem potencialidade no campo das energias renováveis.
"É um caso complexo de decisão, que faz invocar o princípio da precaução, sempre desprezado pela indústria e algumas vezes abusado pelo ambientalismo e pelos ministérios públicos da vida. A probabilidade de dano pode ser mínima, mas o impacto seria tão grave que é caso de parar para discutir", afirmou em seu blog a geóloga Cláudia Chow.
O coordenador de política e direito do Instituto Socioambiental, Raul do Valle, também alerta para a necessidade de novos estudos. "É, no mínimo, temerário se permitir a exploração desse tipo de gás sem antes uma avaliação e reflexão profunda por parte da sociedade brasileira acerca de seus custos e benefícios".
Segundo ele, a "pressa" em licitar os blocos exploratórios do gás xisto é injustificada. "Estamos cientes de que o gás natural é uma fonte importante na matriz energética atual e de médio/longo prazo. No contexto brasileiro, porém, não se justifica que sua exploração ameace os reservatórios de água, pois nossa dependência desse combustível é mínima".
Emissões
"Essa coisa de usar uma tecnologia ou outra depende muito da matriz energética. Como o Brasil é um país que tem uma das matrizes energéticas mais limpas do mundo, usar qualquer tipo de combustível fóssil, seja gás xisto, seja petróleo, carvão, é sujar sua matriz. No caso dos Estados Unidos, eles estão deixando de usar termoelétrica à carvão e isso gera um benefício global", afirmou ao EcoD o coordenador do Observatório do Clima, André Ferratti. Ele ressalta, contudo, que para o país norte-americano é uma opção a curto prazo. "É preciso que eles corram atrás de tecnologias que não utilizem combustíveis fósseis".
Norte-americanos protestam contra o estímulo ao fracking no país
Foto: SchuminWeb
O físico Délcio Rodrigues, especialista em mudanças climáticas e energia e membro do conselho diretivo do Vitae Civilis, também acredita que o Brasil está aderindo equivocadamente ao lobby norte-americano: "Ainda temos uma das matrizes energéticas mais renováveis do mundo. Nesta, a entrada de grandes volumes de gás natural para geração elétrica, a qual aparenta ser o destino mais provável do gás a ser extraído, aumentará nossas emissões, as mesmas que prometemos reduzir em mais de 35% até 2020. Com os investimentos no pré-sal e, agora, na exploração do gás natural em terra, ficará difícil cumprir as metas e contribuir para a mitigação da crise climática global".
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