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"Sou uma mulher com alma de mundo", diz Débora Noal

Aos 32 anos de idade, a psicóloga Débora Noal, nascida em Santa Maria, Rio Grande do Sul, acredita que o engajamento e o diploma devem ser usados em prol de uma construção social. Engajada, sonhadora, desapegada e acima de tudo preocupada com o próximo, ela vive cada dia em busca de um mundo menos violento e mais prazeroso.

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08/03/2013 às 13:00 • Atualizada em 30/08/2022 às 5:24 - há XX semanas
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"Desejo sair na rua e não ter receio de receber uma insanidade humana", afirmou Noal

Aos 32 anos de idade, a psicóloga Débora Noal, nascida em Santa Maria, Rio Grande do Sul, acredita que o engajamento e o diploma devem ser usados em prol de uma construção social. Engajada, sonhadora, desapegada e acima de tudo preocupada com o próximo, ela vive cada dia em busca de um mundo menos violento e mais prazeroso.

Eu gostava era da historia da costura da alma, mais do que da sutura do corpo"
Débora Noal

A aptidão em falar e ouvir histórias de pessoas a fez optar pelo curso de psicologia, no qual cursou na Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC), uma faculdade comunitária. Mas ela conta que chegou a se questionar se seria melhor ser uma médica ou psicóloga. A dúvida foi cessada um ano antes de terminar o ensino médio, quando estagiou por alguns meses na recepção de um pronto socorro. O contato com histórias de dor, a fez pensar que poderia fazer algo para ajudar de alguma forma a vida daquelas pessoas. “Eu gostava era da historia da costura da alma, mais do que da sutura do corpo”, afirmou Noal.

Formada e realizada, a gaúcha começou a trajetória de trabalho, com foco em Saúde Mental. Ela foi parar em Recife, onde instalou CAPs (Centro de Atenção Psicossocial) em duas cidades do interior pernambucano. No intuito de ampliar seus conhecimentos, embarcou para Sobral, no Ceará, para se especializar em Saúde da Família. Mas, não se adaptou ao clima local e foi parar em Aracajú, onde concluiu o mestrado de Gestão de Saúde Pública e Saúde Coletiva.

Foi na capital sergipana que ela tornou-se funcionária da secretaria estadual de Saúde e foi de lá também que ela recebeu a ligação que tanto esperava, a da ONG Médico Sem Fronteiras (MSF). Oito meses após ter se inscrito, o MSF entrou em contato já com o convite para Débora participar de uma missão. Ela nem pestanejou em deixar tudo que já tinha construído para traz e embarcou em uma missão humanitária, de muitas que viriam.

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Foto tirada no Haiti em primeira missão do Médico sem Fornteiras
Foto: Fabio Rossi

EcoD: Quem é a mulher Débora? Quem é a profissional Débora?

Débora Noal: Sou uma mulher de hábitos simples e com alma de mundo. E ainda uma profissional que acredita na construção de um mundo menos indigno através de técnica, afetividade e entrega. Acredita que os diplomas servem para construir um mundo menos desproporcional.

Por que você resolveu se juntar a ONG Médicos Sem Fronteiras?

No dia que fiquei sabendo que MSF existia – inicio de 2008 - fui tomada de susto pela grandeza de uma humanidade que transbordava cuidado. Eu até hoje não acho que escolhi, acho que encontrei aquela parte de mim que acreditava que poderia mudar o mundo, aliás, sempre acreditei e acredito que a mudança do mundo é quando juntamos nosso quebra-cabeça interno e temos a imagem de um mundo que parecia tão distante externo, bem aqui, dentro da gente. Eu queria era isto, encaixar minhas peças de mundo. E foi assim que eu entrei para um mundo que antes me tocava, mas não era meu, agora eu sou ele também.

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As questões sociais sempre te atraíram?

Sempre fui inquieta, sempre fui questionadora, e sempre me perguntei pra que lado o mundo girava, porque nunca do lado das pessoas sócio-economicamente favorecidas. Fui militante estudantil, militante de saúde pública, feminista...não perdi nenhuma destas pessoas que eu era, mas fui pintando e recortando todas elas pra me tornar uma coisa tipo eu. Hoje milito enquanto vivo, vivo esta micro-política de vida no cotidiano.

Qual o lado positivo e o negativo de fazer parte da ONG?

Positivo é receber um brilho no olhar de alguém que antes estava envolto em dor e sofrimento e em poucos encontros você encontra sorriso, encontra abraço, encontra um objetivo pra viver junto com ele. O lado negativo é sempre ter que contar quem e você é, de onde você vem...seus laços são construídos a cada novo dia, é tanto laço novo por dia, que no fim do dia você as vezes sente falta de alguém que te conheça a mais que 6 meses.

Quais os países que você já percorreu e qual foi a sua principal função em cada um deles?

Andei perambulando por mais de 35 países, mas trabalhei em apenas 8 deles: Brasil, Haiti, República Dominicana, Guiné, República Democrática do Congo, Tunísia/Líbia e Quirguistão. Em cada um deles desenvolvo um trabalho diferente, tendo como foco deste trabalho os primeiros cuidados em Saúde Mental. Apenas em um deles eu trabalhei só na coordenação geral de uma emergência. Na maioria destes países atendi diretamente pessoas que vivenciaram grandes mudanças bruscas e muito sofridas como, por exemplo, no Haiti em 2008, prestei atendimento emergencial a pessoas que haviam vivenciado o furacão em Gonaives, em 2009 e 2010 retornei lá para atender as pessoas vítimas de conflito armado e no ano seguinte para atender os sobreviventes do terremoto. Na Guiné trabalhei com emergência nutricional, no Quirguistão com Conflito Étnico entre Uzbeques e Quirguizes. Na Tunísia trabalhei no campo de refugiados de Shousha com 17.000 homens de todas as partes do mundo. No Congo trabalhei com as vítimas do Conflito Armado e em especial com as mulheres que sofreram abusos sexuais coletivos – vítimas de insanidades. Dezenas de homens violentando uma mulher. No Brasil trabalhei na região serrana com os deslizamentos, em Tabatinga com Imigrantes Haitianos sem papéis e em Santa Maria.

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"Eu sempre retorno de uma missão com meus conceitos cambaleantes", explicou Débora
Foto: Médico Sem Fronteiras

Em uma entrevista para a revista Época, você contou que na missão ao Congo, o fato de ser mulher te deixava com medo, já que os grupos rebeldes costumavam estuprar as mulheres. Quais as vantagens e desvantagens de ser mulher em trabalhos como estes?

Acredito que uma das vantagens é você não ser tomada de antemão como alguém a ser temida. Em geral onde trabalho são os homens que ofertam as maiores dores e perversidades, e um reflexo do masculino por si, já causa receio/medo. Uma grande desvantagem no meu ponto de vista é ter de se cuidar para não ser violentada, estuprada e torturada pelo simples fato de ter nascido mulher. Trabalho desde 2003 com dor e gênero, e nunca consegui entender por que uma mulher é encarada como menos valia, como fraca, como algo a ser violado. Esta compreensão não cabe dentro de mim. Em que momento do mundo estes humanos violentos perdem a capacidade de perceber que ser humano independe de sexo ou gênero. Ainda sou toda interrogação.

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Débora reunida com grupo de mulheres refugiadas da República Democrática do Congo
Foto: Arquivo pessoal

O que você aprendeu em contato com mulheres de outras culturas? O que elas puderam te ensinar e o que você ensinou a elas?

Aprendi a compreender melhor formas de ser feliz. Aprendi diferentes conceitos de felicidade, prazer, meta, dor. Aprendi que a alienação também traz felicidade individual, mas que nem sempre traz felicidade coletiva. Aprendi diferentes conceitos de família, como utilizar ferramentas simples e de resposta complexa como como a dança, o futebol e o cuidado de outros como forma de sublimar uma dor.

nunca consegui entender por que uma mulher é encarada como menos valia, como fraca, como algo a ser violado"
Débora Noal

Em todas essas andanças pelo mundo conheceu alguma mulher que te inspirou? Alguma história que tenha te tocado profundamente e que tenha mudado seus conceitos?

Eu sempre retorno de uma missão com meus conceitos cambaleantes. É sempre uma reviravolta interna, preciso sempre de um tempinho pra colocar as vísceras no lugar, é uma avalanche de mundo deslizando dentro de mim, viro um terremoto de conceitos. Felizmente meus valores mais centrais, seguem de pé! Cada escuta que faço me faz refletir sobre cada ponto do que é dito, fico me perguntando se as questões que eu estou fazendo são condizentes com os valores daquela etnia, daquela cultura, daquele ser humano. E estas reflexões, fazem sempre eu questionar que valores são estes que eu guardo comigo. Posso dizer que muita gente segue comigo, poderia dizer tantas pessoas aqui, que agora prefiro não trazer apenas uma.

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Reunida com líderes comunitários em 2009 em Guiné
Foto: Arquivo pessoal

Quando está em uma missão do MSF você costuma passar muito tempo fora de casa, longe da família. Isso prejudica sua vida familiar? Que tipo de mulher você se define? Você quer ter filhos?

Perdas sempre existem. Se ficasse apenas em casa, perderia parte da minha paixão pelo mundo humano que me faz vibrar, e se vivesse apenas fora, perderia a delicadeza que é amar uma mesma pessoa de diferentes formas. Eu acredito que ainda que eu seja uma mulher “mundana”, também sou bastante próxima de quem eu amo. Passo meses sem falar com minha mãe ou irmãs e ainda assim trago elas extremamente presentes dentro de mim. Passo semanas fora de casa e divido as delícias e agruras de criar plantas e animais com meu marido, dividimos parte do cotidiano e rimos de nossas distancias, ainda que muitas vezes tenhamos vontade de mudar as distancias. Filhos? Talvez, uma possibilidade.

Quais os seus sonhos?

Sonhos? Desejo sair na rua e não ter receio de receber uma insanidade humana, caminhar na praia de manhã bem cedinho, sem ter de ouvir o receio das pessoas próximas pela violência. Dormir e acordar com uma sensação de estar leve. Desejo um futuro pleno de vida, sem muitos sonhos concretos, mas com muitas sensações.

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