Imagem: Vanessa Siqueira + cafepress
Por Thays Prado e Manoella Oliveira
Cada uma à sua maneira, as mães amam, cuidam, educam, ensinam, brigam e torcem por seus filhos. Querem vê-los crescer saudáveis e felizes. Querem que tenham tudo a que elas não tiveram acesso. Num exercício diário de doação, por anos a fio. Até o dia em que eles partem, por serem ou estarem em vias de se tornar “gente grande”. E elas são pegas de surpresa, por mais que sempre soubessem do velho clichê de que “filho a gente cria é pro mundo”.
Mulheres, esposas, amantes, amigas, profissionais, sonhadoras… Tantos outros papéis foram desempenhados por elas ao mesmo tempo! Mas suas identidades estão profundamente confundidas e misturadas com a função de mãe, que exerceram em tempo integral, e não sabem mais o que ser sem seus pequenos por perto. No entanto, mais cedo ou mais tarde, elas começam a se dar conta de que “ser mãe é pra sempre”. Por mais que a relação mude, que a distância geográfica seja grande e que haja tanta gente na vida daquele serzinho que, um dia, só sabia reconhecer um único rosto, um único tom de voz, um único cheiro, um único toque. E elas passam a ser “mães de gente grande”.
Nesta semana que antecede o Dia das Mães, colhemos algumas respostas para a seguinte pergunta: Sua mãe sabe ser mãe de gente grande?
Confira os depoimentos abaixo e, se quiser participar, deixe seu comentário.
“Se minha mãe sabe ser mãe de gente grande? Acho que sim, com uma pontinha de sofrimento no coração, mas sabe!
Explico: fui embora muito cedo de casa, aos 16 anos, então nós duas fomos “forçadas”, digamos assim, a amadurecermos a relação. Eu não era mais uma criança e ela não era mais a mãezona que resolvia tudo. Ela teve que se acostumar com o meu jeito de ver as coisas e, em contrapartida, eu tive que aprender a ver as coisas do meu jeito.
Acho que desde então, 11 anos depois, nós duas aprendemos muito.Creio que hoje chegamos ao ponto de equilíbrio: eu não tenho problemas com a participação dela na minha vida, mesmo quando é um assunto particular, assim como ela também está mais confortável para interferir, mesmo sabendo que posso resolver sozinha.
Claro que tudo dentro das proporções, até porque ainda tem espaço para a eventual bronquinha, especialmente quando resolvo escovar os dentes caminhando pelo apartamento. Mas…faz parte! É assim que eu sinto a presença dela, mesmo na distância, e ela se sente parte da minha vida.”
Gabriela Ruic, 27, jornalista
“Nasci, e chorei. Chorei porque se chora naquela idade, e se não chorasse seria pior. Cresci chorando, pois chorões éramos todos em casa, vô, mãe, irmã, irmã e irmã. Quando me incomodei com as lágrimas, minha mãe me ensinou como fazer pra não chorar, eu passei a sentir raiva quando era acometido por sentimentos menores, como aqueles que eu, pré-pubere, tanto me envergonhava de sentir. Cresci, e quando resolvi sair de casa, foi minha mãe quem chorou muito. Pra sorte dela, eu havia ganhado, há pouco, um celular. Então, ela me ligou em demasia. Quando me mudei do país, minha mãe chorou um pouco mais. Não ligava tanto, pois o preço não se comparava, e, no começo, nós chorávamos juntos, cada um no seu hemisfério. Quando voltei, minha mãe chorou de alegria, mas logo eu saí de novo. Dessa vez ela já não gastava tantas lágrimas. A distância era curta, e ela se sentia segura. Hoje, eu voltei a chorar pra qualquer coisa. Choro em filme, choro de amores, choro de dor e despedidas. Ela não se furta a compartilhar minhas lágrimas, e nunca, em todos os momentos que decidi partir, me pediu pra ficar. Ver um filho chorar, e respeitar seu espaço, respeitar seu limite, seu desejo é a forma que ela soube dizer que sabia que eu crescia, e que, hoje, era grande. Grande, e sentimental”.
Hugo Paiva, 28, psicanalista.
“Nunca tinha parado para pensar nisso. Primeiro achei que não. Talvez porque a relação que eu tenha com ela seja bem diferente da do estilinho “mãe=amiga”. Não acho que isso a torna melhor ou pior. É apenas uma relação de mãezona, que cuida, protege, se preocupa (até demais), com os filhos (somos três). Mas não é o perfil confidente, conselheira.
Não sei se o natural, no amadurecimento de uma relação entre mãe e filhos crescidos, seria passar para esse modelo ou se as relações são apenas diferentes, principalmente, porque as pessoas são diferentes.
Confesso que prefiro assim, “mãe=mãe”, do jeitinho que é hoje e sempre foi. Não me sentiria à vontade para conversar com ela sobre certos assuntos, por exemplo. Nem me faz falta, na verdade. A criação dela também foi na linha bem tradicional de laços maternais. Por outro lado, minha mãe consegue entender nossas individualidades. Não somos mais os filhinhos moldáveis. Ela orienta, se achar necessário, mas sabe e respeita que cada um tenha uma personalidade diferente, uma opinião, um estilo, um jeito de ser. Pensando bem, acho que do jeito dela (e do nosso jeito também, até porque relação é uma via de mão dupla mesmo), minha mãe sabe ser mãe de gente grande sim.”
Carla Alves, 34, jornalista.
“Interessante coincidência. Ontem participei de uma apresentação social-antropológica em que descobri que nós, brasileiros, somos o povo que mais se relaciona com os pais depois de adultos. Ainda vi alguns dados: no Japão são 32 minutos por ano. Mais do que isso nem pensar. Nos Estados Unidos, em datas comemorativas, como vemos nos filmes. Vi também numa revista semanal que o povo da América Latina é mais espiritualizado que europeus e norte-americanos e que isso ajuda num melhor desenvolvimento social.
Justamente o que para outros é motivo de distanciamento dos pais, protetores e controladores, independência, espiritualizar-se, encontrar motivos para viver, uma profissão, “ganhar a vida”; aqui fazemos tudo isso com facilidade e acompanhados pelos pais. Principalmente pela mãe.
Quando escuto isso, me vem à mente aquela cena da mãe te levando pra escola e a criança pedindo pra não ir até a porta: “deixa eu ir sozinho mãe, os amigos vão ver!” E ela gentilmente aceitando, mesmo que olhando de longe. E não sei até onde esta imagem é uma referência da nossa realidade ou de algum seriado ou filme.
Depois aprendemos que isso não tem nada a ver. A insegurança se torna segurança. E ter os pais por perto, em todos os momentos, é sinal de cumplicidade e orgulho. Neste ponto não posso reclamar. Meus pais sabem ser pais de adultos. Considerando que me tornei um, certo?
Minha mãe, a quem me refiro carinhosamente por Dona Sonia, estava na hora do vestibular, na hora da mudança de cidade, nas desilusões, nos momentos ruins, nos bons também, nos conselhos, nos desabafos, nas férias, nas conquistas, nas derrotas. Até nos ensaios repetitivos da banda. Nos shows barulhentos e em locais insalubres. E até hoje, esperando um netinho, quem sabe.
Até hoje, acho o almoço dos finais de semana, seguidos pelo clássico café da tarde, um dos momentos mais esperados da semana! O que posso dizer? Minha mama sabe ser mãe!”
Stefano Maglovsky, 33, designer gráfico.
“Minha mãe sempre foi uma criança. Tão criança quanto eu e meus dois irmãos, quando éramos pequenos. Demandava muita atenção do meu pai e sentia ciúmes da gente com ele. Com isso, ela deixou de ser mãe. Acho que ela nunca vai crescer, então não sei de que forma ela nos vê como adultos. Quando saímos de casa, ela tentou recuperar o tempo perdido e nos tratava com cuidados excessivos. Queria ver como estava nossa casa, comprava coisas, fazia marmita quando íamos visitá-la nos finais de semana. Quis ser mãezona justamente na hora em que estávamos loucos por liberdade, mas aí foi a nossa vez de a podarmos, porque a gente não precisava mais daquilo. Acredito que ela ficou frustrada, porque não queríamos receber o que ela tinha para oferecer. Hoje, ela tem uma relação supermaternal com os netos, de abraçar, de apertar, de dar amor. Tudo o que ela não fez com a gente, tenta compensar com eles”.
Cibele Miranda (nome fictício, porque não quero que minha mãe fique triste), 29, atriz.
“Minha mãe tem uma preocupação excessiva com minha segurança. Sempre alerta para eu tomar cuidado com motoristas embriagados e assaltantes. Por exemplo, quando saio à noite, ela pede que eu informe quando devo voltar. Ela jamais impõe horário, o que seria absolutamente esdrúxulo e inaceitável, mas, muitas vezes, se demoro, ela liga e pergunta se está tudo bem. É um resquício da época em que eu era criança (com algum traço de ciúme haha). Além disso, quando viajo, ela faz inúmeras recomendações e gosta de receber notícias todos os dias.
Por outro lado, quando se trata de vida pessoal, minha mãe tem ciência da necessidade de respeitar a minha privacidade e o meu espaço. Portanto, não procura se envolver ou dar palpite, pois entende que não devo satisfações a ela e que já estou grandinho o suficiente para tomar decisões. É evidente que ela tem liberdade para fazer alguma brincadeira sobre o assunto, o que é normal e não me incomoda.Quanto à vida profissional, ela sabe que não deve interferir diretamente e sempre apóia minhas decisões, ao mesmo tempo em que procura saber qual o meu grau de satisfação no trabalho, comportamento que considero adequado.”
Rafael de Mendonça, 28, estudante (nem jornalista nem advogado).
“A maior prova de que minha mãe me criou para o mundo e não para ela foi quando me deixou fazer intercâmbio para os Estados Unidos, quando eu tinha 16 anos e eu era muito, muito menina. Ela borrifou o perfume dela em um colar de cedro (para que seu cheiro ficasse impregnado na madeira) e pendurou no meu pescoço ao se despedir, no aeroporto, dizendo: ‘Eu não sabia que te dar asas ia doer tanto em mim’. Essa frase me marcou muito, tanto pela dor que ela estava sentindo, quanto pela coragem. Ela ficou com uma tosse crônica durante um ano, desde o dia em que eu viajei até o dia em que voltei pra casa.
Logo me mudei de cidade para fazer cursinho e, depois, faculdade. Moro sozinha há seis anos e sei que o que mais ‘pega’ para a minha mãe é ela não ter tanto controle sobre mim quanto já teve um dia. Às vezes, implica com algumas coisas sem a menor necessidade só para ter a sensação de que ainda está no controle. Mas, mesmo assim, acho que ela sempre conseguiu acompanhar minhas mudanças de fase. Hoje, vejo minha mãe como uma superamiga, de um modo que meus amigos ainda não veem as suas. Eles ainda brigam com as mães. Eu e minha mãe, a gente sempre conversa e eu nunca consigo fazer nada de importante sem dividir com ela, mesmo quando sei que ela não vai aprovar minha decisão. E ela também se abre comigo, divide suas coisas. Existe uma troca”.
Camila Caligari, 23, designer gráfica.
“Já faz quase 10 anos que não moro com minhã mãe e, de certa forma, a distância a faz perceber que levo uma vida adulta fora de casa, tendo que me virar e resolver meus próprios problemas. Acho que ela se acostumou com a ideia, mas não perde a chance de me perguntar o que eu quero pra sobremesa e não entende quando não quero comer aquele doce, afinal, eu gostava tanto quando era pequeno! Quando vou visitá-la ou conversamos por telefone, nunca escapo de perguntas como ‘já almoçou hoje?’, ‘vai sair? não fica até tarde na rua e leva uma blusa de frio porque vai esfriar à noite’. Quando conto meus problemas, ela sempre vem com a mesma reação de quando eu era criança, dizendo que aquilo não tem importância e que já já passa. E nesse sentido, talvez ela ainda esteja certa!”
Rodrigo Moreira, 28 (carinha de 23), designer gráfico.
“Eu sempre recebi toda atenção e carinho da minha família, que é muito unida. Sempre estivemos juntos e sempre fui muito bem educada e paparicada, não apenas pela minha mãe, mas por todos os familiares por parte de mãe. No entanto, depois que me tornei adulta, percebi que existe um conceito bastante arraigado na minha família de que ‘filho não cresce’. Eu ainda recebo um tratamento especialmente carinhoso por ter sido a primeira neta e, por isso mesmo, vez ou outra me tratam como se eu ainda tivesse cinco anos, o que me irrita pro-fun-da-men-te. Acredito que minha mãe cumpriu maravilhosamente bem a função de mãe enquanto eu era criança (e ela sabe disso) e ela ainda é muito atenciosa e companheira, mas não só ela como nenhuma das minhas tias entendeu que, hoje, eu sou uma mulher de quase 30 anos. Aí o tratamento oscila entre falar comigo como se eu fosse boba e despreparada para a vida e a cobrança por marido e filho. É uma bizarrice e, dependendo do meu humor, soa como uma afronta.”
Manoella Oliveira, 27, jornalista.
“Sabe que eu não sei? Por um lado, ela tem dentro dela esse tal amor de mãe que só elas dizem saber o que é. Mas também ficamos muito tempo sem nos ver e nos falar, me deixando livre pra conquistar meu espaço e fazer o que quiser. Será que ser mãe de gente grande é isso?
No final, acho que mãe é mãe e pode ser de gente grande, de gente pequena, de gente boa, de gente má e de gente que nem devia ser chamada de gente. Quem sabe ser mãe sabe ser mãe e aquilo deixa uma marca eterna. Eu sei que a minha já soube ser mãe. O mais difícil mesmo é saber se sou filho gente grande.”
Raphael Martins, 24, operador de fotocopiadora (risos).
“Minha mãe conta que sempre quis ser mãe. De uma menina, um menino e uma menina, nesta ordem. Exatamente como foi. Pediu a seu Deus católico que eles fossem inteligentes e perfeitos (leia-se: saudáveis). Como somos. Mas exigiu mesmo de nós – especialmente de mim, sua primeira experiência – uma espécie de perfeição. Assim, desde que me entendo por gente, me entendo por gente grande. Me lembro de brigar com meu pai aos 4 anos de idade, por ele afirmar que eu era criança. Vivi minha infância e adolescência levando tudo muito a sério, sendo responsável além da conta e não aprendi muito bem a brincar. Quando eu tinha 19 anos, escrevi uma carta bem brava para minha mãe, a culpei de muitas das minhas dores e ela sofreu. Mais tarde, quando eu me tornava adulta de verdade, percebi que só estava repetindo com ela o comportamento que ela tinha tido comigo: eu estava exigindo uma mãe perfeita. Amor, tempo e terapia vêm dando um jeito em tudo. Hoje, há centenas de quilômetros de distância, ela me chama de “bebê”, pergunta se estou comendo bem e brinca que é saudade dela o motivo de eu estar triste às vezes. Mas também se orgulha das minhas conquistas profissionais, me ouve com total acolhimento sobre minha relação homoafetiva, desabafa comigo, vê em mim uma amiga. A amiga que ela sempre quis ter, desde quando eu era pequena. Me diz que a vida é muito boa, que é leve, que o importante é a gente ser feliz. Aprendi com ela a ser gente grande, quando era criança. E agora, ao ouvir seus novos conselhos, tento aprender a relaxar e a me divertir com a minha pequenez diante desse mundo gigante. Para mim, essa é a lição mais difícil, mas nem eu e nem ela vamos me exigir perfeição desta vez”.
Thays Prado, 26, terapeuta jornalista.
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