Era madrugada do dia 13 de abril quando a advogada Maria Izabel Vieira, 28 anos, começou a sentir fortes contrações. Grávida de sete meses, temia pelo bebê. No dia seguinte, foi ao consultório do obstetra, que diagnosticou o trabalho de parto e começou a ajudá-la na busca de um leito onde pudesse dar à luz. “Tentamos os hospitais privados, os públicos, e nada de encontrarmos vaga. Passei 10 horas com fortes dores, sem conseguir atendimento”, conta. Por fim, Izabel conseguiu uma vaga no Hospital Santo Amaro, na Federação. A demora no atendimento e no parto, no entanto, teve um preço: o bebê prematuro estava em sofrimento e precisou ficar internado nove dias em uma UTI neonatal. Ailton Vieira Junior, Maria Izabel e o pequeno Felipe, que ficou internado em razão da demora para achar uma vaga; peregrinação durou 10 horas A falta de atendimento gerou uma ruptura uterina, mas hoje ela pode comemorar pela primeira vez o Dia das Mães com o bebê, depois de ter conseguido superar o déficit de leitos obstétricos na capital baiana. De acordo com o presidente do Conselho Regional de Medicina (Cremeb), Abelardo Menezes, o problema é flagrante e já gerou duas reuniões com órgãos que representam os médicos (como Cremeb, Sociedade de Ginecologia e Obstetrícia, Sindicato dos Médicos), a Associação dos Hospitais do Estado da Bahia e a própria Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). “A redução nos leitos de obstetrícia é um nó difícil de desatar, porque os planos de saúde não remuneram as unidades de saúde com os valores devidos. Sem o retorno financeiro, os hospitais suspendem o atendimento”, explica Menezes. No total, a rede particular da capital baiana conta com cerca de 150 leitos obstétricos e 110 de UTI neonatal. “Só os hospitais que atuam com um mix de serviços conseguem manter os leitos obstétricos”, pontua o presidente da Associação de Hospitais e Serviços de Saúde do Estado da Bahia (Ahseb), Ricardo Costa. Costa explica que os planos de saúde costumam fazer um pacote com os hospitais e pagam R$ 3 mil por procedimento — quando o mínimo necessário, segundo ele, seria R$ 4 mil. “Os valores desses pacotes estão congelados há mais de dois anos e os planos ignoram as regras da ANS que estabelecem data de reajuste e índice para que eles aconteçam”, completa. Resposta Representante dos planos de saúde, a FenaSaúde informou que a entidade não tem ingerência sobre honorários. “Essa negociação é feita diretamente entre cada operadora e as entidades representativas dos prestadores de serviços médicos”, explicou, em nota. Quanto ao déficit de leitos, as associadas à FenaSaúde dizem que não registram deficiências estruturais de atendimento, mas a instituição reconhece que é possível que ocorram problemas localizados, em regiões onde não exista a disponibilidade imediata de uma determinada especialidade. Segundo o presidente do Cremeb, hospitais de grande porte, como o São Rafael, já encerraram as atividades na área. Atualmente, só quatro hospitais atendem com leitos obstétricos: Santo Amaro (45 leitos), Sagrada Família (41), Aliança (46) e Português (49). Segundo o chefe do Setor de Documentação e Disseminação de Informação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Joilson Rodrigues de Souza, em 2011, foram registrados 37.818 nascimentos na capital, o que dá uma média de 103 nascimentos por dia. Mês que vem, médicos, hospitais e ANS voltam a se reunir. “Essa precisa ser uma decisão nacional. A ANS precisa fazer valer suas determinações em prol dos usuários dos planos”, analisa Menezes. Denúncias A situação está fazendo com que diversas denúncias contra os planos de saúde cheguem ao Ministério Público Estadual (MP-BA). “Essa desassistência da rede privada se reflete no setor público. Hoje, mesmo com planos, muitas mulheres tentam vaga na rede pública”, denuncia o promotor Rogério Queiroz. Consciente das dificuldades de encontrar leito nas maternidades de Salvador, a médica Fernanda Pimentel agendou sua cesariana no Hospital Aliança. “Uma semana antes da data prevista para o parto, cheguei a fazer o curso no próprio Aliança”, conta Fernanda, que também realizou a consulta pré-anestésica e aguardou entrar em trabalho de parto. “Mas, quando minha bolsa rompeu, não consegui vaga no Aliança e nem em outro hospital, público ou privado”, conta, ressaltando que só conseguiu ser atendida depois que a família desembolsou R$ 8 mil para pagar o parto no Hospital Português. Procurado, o Hospital Aliança informou que só se pronunciaria na segunda-feira. Ainda com tempo para se preparar, no quinto mês de gestação, Carolina Mendonça quer parto normal, mas sabe que, se quer ter leito, precisa agendar uma cesariana. “Queremos o parto natural e humanizado, que pode chegar a durar 24 horas e, mesmo tendo plano, já acordamos que os serviços do profissional que nos acompanhará será pago por fora”, explica, sabendo que desembolsará de R$ 4 mil a R$ 9 mil. Grávida de sete meses de gêmeos, a mâitre Mirtes da Silva Borges, 29, ainda não sabe em qual maternidade vai fazer o parto. “Está difícil, até para quem tem plano. Minha médica disse que o valor repassado é muito baixo”. Médico e presidente da Ahseb, Ricardo Costa diz que, na verdade, os valores pagos para o parto cirúrgico ou natural não possuem grandes diferenças, pois ambos utilizam equipe parecida e o trabalho anestésico. “A diferença geralmente é a quantidade de fios usados para os pontos”, esclarece Costa. Segundo o Cremeb, que emitiu um parecer sobre essas questões, os profissionais da área de ginecologia e obstetrícia que não querem atender pelos planos de saúde para o acompanhamento de partos devem comunicar às suas pacientes, logo na primeira consulta, sobre a indisponibilidade desse tipo de assistência. Colaborou: Clarissa Pacheco Planos devem ressarcir gastos, diz Procon As mulheres que possuem planos de saúde e buscam atendimento nas maternidades e clínicas sem sucesso têm a seu lado o Código de Defesa do Consumidor, que garante que a saúde dela e do bebê precisa ser preservada. De acordo com o assessor técnico da Superintendência de Proteção e Defesa do Consumidor (Procon), Filipe Vieira, no caso de não conseguir médico ou leito, a consumidora deve contactar, inicialmente, o plano de saúde, para registrar a reclamação. “Desde quarta-feira, por ordem da resolução nº 323, da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar), os planos têm um prazo de 48 horas para responder sobre o não atendimento”, explica o assessor, ressaltando que o consumidor também deve registrar sua queixa na ANS (através do 0800 701 9656 ou pelo site www.ans.gov.br) e no Procon. Nas situações onde a mulher esteja em trabalho de parto ou haja risco de morte para mãe ou filho, a orientação do Procon é que a paciente se interne na unidade de saúde de sua escolha e guarde todos os comprovantes de pagamento para buscar o ressarcimento com o plano de saúde. Vieira lembra que, no caso dos hospitais, é proibida a cobrança de cheque caução para garantir o internamento da parturiente. Estado afirma que está ampliando atendimento O déficit da assistência privada vem gerando uma nova demanda na rede pública que, por determinação da própria lei, precisa atender à população. De acordo com o superintendente da Regulação do Estado, Andrés Alonso, não existe um estudo que quantifique o crescimento, mas a rede tem nítida a percepção do aumento. “O SUS tem a função de atender à população como um todo e, justamente por isso, estamos ampliando a rede de assistência, tanto na capital quanto no interior, de maneira a atender essa demanda”, explica Alonso. Nos próximos meses, o Hospital João Batista Caribé, por exemplo, terá seu perfil modificado e se transformará em uma maternidade. Na rede de hospitais estaduais na capital, houve a ampliação de 14 leitos de UTI pediátrica (nove leitos de UTI e cinco de semi-intensiva) e sete leitos de Mãe Canguru, no Hospital Geral Roberto Santos. No Hospital Geral Menandro de Faria, o Centro Cirúrgico e Centro Obstétrico, o Berçário e Lactário, além da Enfermaria de Obstetrícia, também passaram por reforma e ampliação. Na maternidade Tsylla Balbino houve qualificação das enfermarias (cenário de parto normal); com a reforma de 10 leitos para o Parto Humanizado PPP (parto, pré-parto e puerpério).
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