A greve de professores da Universidade Federal da Bahia (Ufba) completa 100 dias hoje. São 100 dias sem aula e – com o perdão pelo trocadilho pobre – sem entendimento entre os próprios docentes. Apesar de a categoria ter votado pela continuidade da paralisação na assembleia realizada na quinta-feira, na Faculdade de Arquitetura, parte dos professores tem se manifestado contrária nos últimos dias. De um lado, na assembleia, foram 176 votos a favor da manutenção da greve, contra 18 contrários e uma abstenção. Mas, na contramão, 112 docentes divulgaram um abaixo-assinado esta semana pedindo o fim da paralisação. No meio do furacão, os alunos também estão assumindo lados. Enquanto parte do corpo discente apoia os grevistas, outros se organizam no movimento “Queremos aula”.
Entre os professores, quem faz parte desse último bloco diz que o mérito do abaixo-assinado, entregue à diretoria do Sindicato dos Professores das Instituições Federais de Ensino Superior da Bahia (Apub), é justamente mostrar que existem vozes contrárias. “Ficou muito clara a existência de ações pelo retorno às aulas. A gente acha que a maioria dos professores deve ser favorável à volta, só que eles não estão nas assembleias, e a esfera da decisão está ali”, explicou a professora Ângela Franco, do Instituto de Humanidades, Arte e Ciências (Ihac), uma das que assinam o documento. Mas, para a vice-presidente da Apub, Lívia Angeli, as diferenças de opinião são naturais e fazem parte do processo. “Não cabe a nós fazer juízo de valor. As pessoas precisam se posicionar. O que a gente entende é que eles não vêm se manifestar, então, não nos cabe fazer interpretações”, ponderou Lívia. Na verdade, os dois lados ainda estão distantes da realidade do quadro de professores da universidade. Cerca de 2,2 mil profissionais lecionam na instituição. Estudantes Enquanto isso, os estudantes se dividem entre as duas correntes. No meio do bloco contrário à greve, o estudante de Engenharia Civil Renan Lopes, 28 anos, já tem duas propostas de emprego perdidas em construtoras diferentes – uma em Jequié, sua cidade natal, no Centro-Sul do estado, e outra no Rio de Janeiro. Para conseguir as duas, ele tinha que ter pego o diploma no mês passado. Mas o último período do curso, o semestre de 2015.1, nunca acabou. “Pelo que vi ontem (anteontem), não tenho perspectiva nenhuma de quando vou me formar”, diz Renan, referindo-se à assembleia. Mais novo de seis filhos, ele vive sozinho em Salvador. Cotista, conta com auxílio-moradia da Ufba para pagar o pensionato onde mora. “Não fui a favor desde o início, porque, com a situação que a gente está, do jeito que está, não tem possibilidade de conseguir algo no momento. Fica fácil eles fazerem greve, mas todo mês o salário deles está na conta. E o nosso?”, lamenta o jovem, que levou cartazes contrários à paralisação para a assembleia, ao lado de amigos. O estudante de Direito Adelmo Ribeiro, 20, foi um dos que lideraram o movimento Queremos Aula. “Fui contra desde o início porque, pelo jeito que o país está, não vai ter resultados. Os prejuízos são incalculáveis. Não dá para conseguir estágios, por exemplo. Estou com o 4º semestre pendente e a maioria pede a partir do 5º”, conta. Já o estudante de Biotecnologia Geisel Alves, 21, diz que ainda acredita que a paralisação seja necessária. “E, pelo que a gente tem escutado, mesmo se as aulas voltarem, vamos ter dificuldades. No meu curso, os alunos também decretaram greve porque é noturno e a segurança é um problema. A Ufba está vazia”. Para a estudante de História Rafaella Rios, 19, a maior parte dos alunos da Ufba não se mobilizou com a greve dos docentes. “As pessoas deveriam estar ocupando a universidade e não estão. Infelizmente, acho que o movimento grevista está desmobilizado”.
Cortes e reajustes Os professores que aderiram à paralisação tentam pressionar o governo federal contra os cortes anunciados para a Educação em 2015. Desde o início do ano, a Ufba anunciou um contingenciamento nas despesas, já que a instituição vinha com um déficit de R$ 25 milhões do ano passado e teve um repasse reduzido em até 40%. Já em julho, a instituição sofreu um novo baque: as atividades de pós-graduação tiveram um corte de 75% no repasse de verbas. Além disso, os professores tentam um reajuste nos salários: enquanto o governo oferece 21,3% de aumento em quatro anos, os docentes pedem 27,5%. “Sabemos que estamos vivendo um momento decisivo da greve. Estamos em negociação, então existe espaço para pressionar. Existe espaço para negociar”, avaliou a professora Sara Cortes, do Comando de Greve local, durante a assembleia. Já os que são contrários dizem que o esvaziamento da universidade devido à greve enfraquece as mobilizações contra os cortes de verba, “Nós achamos que a Ufba funcionando tem mais condições de desenvolver mobilizações de forma efetiva, além de que o prejuízo aos alunos é inequívoco. Temos problemas sérios para funcionar, sim. Mas os salários dos professores e dos funcionários foram mantidos e tem uma verba mínima de custeio garantida. Vamos ficar parados até essa crise se agravar e persistir?”, questiona a professora Ângela Franco. Em abril, a Ufba divulgou seu orçamento detalhado: do total de R$ 1,3 bilhão para 2015, pouco mais de R$ 1 bilhão são para o pagamento de professores, entre aposentados e pessoal na ativa. Reitor garante que semestre será concluído. Reunião é dia 11 Quando o fim da greve será decretado ainda é um mistério, mas o reitor da Universidade Federal da Bahia (Ufba), João Carlos Salles, garante que não há possibilidade de o semestre 2015.1 ser perdido ou cancelado. “Quando os professores retornarem da greve, um novo calendário acadêmico será formulado para a reposição das aulas que faltam para este semestre”, explicou o reitor. Também não há nenhuma chance de o segundo semestre ser prejudicado, segundo Salles. O único problema é que a data de começo das aulas só poderá ser definida com o fim do primeiro semestre e com a determinação do novo calendário. Apesar de ter completado 100 dias hoje, a greve dos docentes da Ufba este ano ainda não supera a de 2012: naquele ano, foram 108 dias. Até o dia 11 de setembro, o governo federal deve se reunir para uma mesa de negociações com o comando de greve - mas a data ainda pode ser alterada.
Estudantes seguram cartazes de ‘Queremos aula’ durante assembleia |
Renan aguarda diploma e já perdeu duas oportunidades de emprego |
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