Internada para tratar o segundo câncer, a comerciante Francisca Cesário de Almeida, de 62 anos, caminha pelo corredor do hospital segurando o suporte do soro, para em frente à janela e fica ali olhando a movimentação: “Está sendo mais difícil agora”, suspira ela, com os pulmões comprometidos. De volta ao quarto onde dorme, um beijo do capelão ecumênico que a visita diariamente funciona como injeção de ânimo: “Isso me dá forças”, afirma.
Francisca está entre os mais de mil pacientes que Robson Pedroso atendeu no programa de cuidados paliativos do Hospital Paulistano, na região central de São Paulo, desde 2014. Ele ajuda num ponto nevrálgico da relação entre médicos e pacientes: a religião. Pelo menos mais dois hospitais de referência na capital adotaram o tratamento espiritual em seus programas de cuidados paliativos.
— Sempre tive fé, e só agora ela se fortaleceu. Hoje acordei triste, mas sabia que ele (Pedroso) viria, então tomei meu banho e peguei minha fé de volta — diz Francisca, que é espírita. — Vou rezar para a senhora sumir logo daqui — brinca ele.
A figura de um capelão em unidades de saúde é antiga e garantida pela Constituição, mas de forma voluntária, geralmente com cunho religioso, e quando solicitada pelo paciente. Já a presença dessa figura ecumênica junto à equipe interdisciplinar do hospital, semelhante ao que já acontece nos Estados Unidos e na Inglaterra, é mais recente por aqui, explica o diretor da Associação de Capelania do Brasil (ACB), Kennedy Passos.
Nesse trabalho, o apoio espiritual é oferecido, independentemente do credo — ou mesmo quando não há crença alguma —, e o capelão vai acompanhando a evolução do paciente com os demais médicos, ajudando na relação entre os profissionais e familiares. A batina ou qualquer outro elemento religioso ficam de fora, justamente para que não haja confusão com o proselitismo.
Ex-ateu, ex-católico, ex-espírita e ex-pastor evangélico, Pedroso viveu uma “experiência de quase morte” após um acidente automobilístico, e por isso decidiu que trabalharia a parte espiritual de enfermos, “sem intenção de converter ninguém”.
— Ajudo a entender o diagnóstico do paciente sob a luz da crença dele. Sou um intermediário entre a equipe médica e o discurso religioso. Mas se o paciente for ateu, por exemplo, não tem problema: conversamos sobre Nietzsche — descreve Pedroso, citando o filósofo alemão, autor de “O Anticristo”.
De 2014 a 2016, apenas seis dos 1.123 pacientes inseridos no programa de cuidados paliativos do Hospital Paulistano declinaram de sua presença.
Com a mãe inconsciente há cinco semanas após um acidente vascular cerebral isquêmico, o microempresário Gian Zelada, de 51 anos, diz enxergar melhora em seu quadro após o atendimento do capelão.
— Ele entra e parece que acende uma luz no quarto. Mesmo inconsciente, minha mãe responde na presença dele — atesta ele, que é espírita.
Pesquisas apontam melhora
O oncologista Felipe Moraes espera ter o mesmo resultado positivo na Beneficência Portuguesa, a poucos metros do Hospital Paulistano. Há três meses um grupo de 15 profissionais da saúde, entre médicos, intensivistas e paliativistas tem se encontrado ali para debater o assunto, e espera-se ter um capelão ecumênico na unidade até o primeiro semestre de 2018. Ele se debruçou recentemente sobre várias pesquisas relativas ao tema, feitas a partir de 2001, e concluiu que 85% dos pacientes avaliados nesses estudos apresentaram melhora após a inserção da espiritualidade em seus tratamentos. O trabalho, feito com outros três profissionais, será publicado em breve.
— A espiritualidade perpassa a questão religiosa, ela deve ser uma preocupação da instituição, mesmo laica — atesta Moraes.
Um grupo de estudos formado no Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp) também avalia adotar o modelo nos próximos meses.
Na Santa Casa de Santos, no litoral paulista, a presença do capelão ecumênico é realidade desde outubro do ano passado, e até agora, segundo o hospital, houve 100% de aprovação.
No Rio de Janeiro, o Instituto do Câncer (Inca) trabalha com esse modelo há cerca de dez anos, e o capelão Bruno Oliveira diz não se lembrar da última vez que um paciente tenha recusado atendimento.
— É difícil encontrar um trabalho como esse sem proselitismos. Aqui pensamos a dor e o quadro clínico do paciente. Desde o início explicamos que a espiritualidade está relacionada à vida, ao outro, à natureza — pondera Oliveira.
O Conselho Federal de Medicina acompanha o movimento com boas expectativas, apesar de alguns registros de resistência por parte dos profissionais da saúde que preferem colocar fé e medicina em lados opostos.
— Parte dos médicos e pacientes oferece ainda resistência, mas percebemos uma mudança de paradigmas — avalia Aníbal Gil Lopes, da Comissão de Novos Procedimentos em Medicina do CFM.
— Uma situação de doença como o câncer desparafusa a família, e o capelão te coloca no centro de novo — resume a aposentada Helenice de Aguiar, de 63 anos, que perdeu a mãe em novembro último, vítima de câncer de mama.
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Redação iBahia
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