No país que mais mata transexuais no mundo, uma mãe tatuou em seu braço um coração e as cores do arco-íris com a frase "Love is love" (Amor é amor, em português). Uma das três filhas dela, que é uma mulher transexual, publicou a foto da tatuagem, feita no dia anterior, em um grupo voltado para a comunidade LGBTQ no Facebook e deixou internautas emocionados com a atitude carinhosa.
"Somos em 3 irmãs. Fernanda, eu e Bruna. Fernanda e eu somos MULHERES TRANSEXUAIS. E a nossa mãe sempre nos apoiou. Sempre esteve do nosso lado e sempre nos disse que amor é amor acima de qualquer coisa. Que a nossa felicidade é o que importa. E hoje não somente pra mim e minha irmã, mas também pra todas as pessoas LGBT+ ela fez essa linda tatuagem. Provando mais uma vez que o amor é amor acima de tudo. Acima de todos. Foi a primeira tatuagem dela. A primeira vez que ela entra em um estúdio de tattoo. Ela aguentou firme, sem reclamar de dor. Assim como fez, e faz todas as vezes que as pessoas apontam o dedo pra minha irmã e eu. Assim como ela sempre ouve palavras maldosas e as engole. Assim como ela sempre vê olhares tortos e disfarça", registrou Rafaella Mendes, de 25 anos, na rede social.
A mineira Maria Mendes, de 52 anos, fez sua primeira tatuagem em um estúdio na pequena cidade de Paraopeba, a 100 quilômetros de Belo Horizonte. Em entrevista ao GLOBO, ela ressaltou que acredita em "toda forma de amor".
— É amor e pronto. Eu falei para minhas filhas: "Se vocês vão ficar felizes, eu vou ficar também". Há muitas mães e muitos pais com preconceito com os próprios filhos. Esse é o pior preconceito, aquele que ocorre dentro de casa — afirmou.
Maria contou que Rafaella, sua filha do meio, demonstrava traços de personalidade feminina desde criança e que a transição de gênero dela ocorreu de uma forma muito natural, assim como aconteceu com sua filha mais velha, de 27 anos. Rafaella assumiu sua identidade de gênero aos 12 anos, e não a surpreendeu.
— Percebi que a Rafaella não era muito masculina. Gostava de brincar com minha maquiagem e usar meus sapatos. Os olhos dela brilhavam. A transição foi acontecendo tão natural. A gente percebe, sabe? — disse.
A mineira explicou que decidiu fazer a tatuagem como uma demonstração de amor para suas filhas. No entanto, para Rafaella, a atitude vai muito além do amor materno. Por telefone, ela relatou ao GLOBO que sua mãe tem muitos amigos da comunidade LGBTQ. A filha enxergou na atitude dela uma maneira de apoiar, de uma forma mais ampla, esse grupo de pessoas de sua convivência.
— E ela foi contra a vontade do marido! Ele é meio conservador com relação à tatuagem, mas depois que viu o resultado acabou gostando — disse Rafaella, acrescentando que sempre foi "muito bem aceita" por toda a família. — Fui criada só por mulheres, mãe, avó, tia. Não tive uma criação paterna e me espelhei muito nas mulheres da minha família, que são mulheres independentes, nunca precisaram de homem para alguma coisa. Sempre foram muito carinhosas e deram liberdade para fazermos nossas escolhas sem prejudicar ninguém — contou.
Preconceito que vem de fora
Apesar de não sofrer com preconceito na família, Maria disse que Rafaella já sofreu um ataque transfóbico na rua. O episódio ocorreu há cerca de oito anos, quando ela estava indo para a escola de ônibus.
— Um estudante do mesmo colégio a xingou muito. Contamos o que aconteceu para a diretora, que nos apoiou. Todo mundo ajudou e Rafaella se sentiu mais protegida, mas no início, nem queria voltar para a escola. A gente ficou com medo — relatou.
Para Rafaella, o apoio de sua mãe em sua transição de gênero foi fundamental. A jovem, que atualmente mora em São Paulo, disse admirá-la muito por demonstrar tanto amor e carinho a todo momento.
— A minha mãe é uma pessoa muito iluminada. Ela tem um trabalho voluntário para cuidar de animais abandonados na rua. No quintal grande que ela tem, construiu um canil com o dinheiro do próprio bolso e adotou 26 cachorros e 12 gatos. Sou muito abençoada de ter a mãe que tenho. Essa tatuagem foi o melhor presente que poderia nos dar, foi incível.
De acordo com uma pesquisa realizada pela Transgender Europe (TGEU) de 2017, em dez anos, nos 71 países monitorados, foram assassinadas 2.609 pessoas trans e gênero-diversas. Desse total, 1.071 foram mortas no Brasil — o país em que mais pessoas trans e gênero-diversas são assassinadas. Enquanto dados da OMS e do IBGE colocam a média da expectativa de vida da população em geral em torno dos 72 e 75,8 anos respectivamente, 74% das vítimas estão na faixa etária entre 20 e 39 anos.
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Redação iBahia
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