A história da mulher oriunda da favela do Jacarezinho, na Zona Norte do Rio, que acolheu de uma única vez 37 crianças que escaparam de um ataque a tiros na Central do Brasil, ficou famosa há duas décadas. Com o passar dos anos, Flordelis dos Santos de Souza chegou a 55 filhos — quatro biológicos e 51 adotivos e teve a vida retratada em filme. O início da trajetória da hoje deputada federal, pastora e cantora gospel, no entanto, foi conturbado e com problemas até mesmo com a Justiça. Em 1994, Flordelis precisou fugir da comunidade onde nasceu após a Vara da Infância e Juventude ter determinado a busca e apreensão das crianças que viviam com ela. Há uma semana, o marido da pastora, Anderson do Carmo de Souza, foi executado na casa da família. Um filho biológico da pastora e outro adotado pelo casal estão presos suspeitos de participação no crime.
Foi no Jacarezinho, em 1993, que Anderson e Flordelis se conheceram. Na época, a deputada, nascida em uma família evangélica, já fazia cultos numa pequena igreja na Rua Santa Laura, na comunidade, e tinha três filhos biológicos do primeiro relacionamento — Flávio dos Santos Rodrigues, suspeito da morte de Anderson, além de Simone e Adriano.
No ano seguinte, o casal acolheu as 37 crianças que tinham sobrevivido ao ataque na Central. As mais de 40 pessoas moravam numa casa com dois quartos, cozinha e banheiro no Jacarezinho. Como a situação com a Justiça não estava regularizada em relação às crianças acolhidas , já em 94 a pastora começou a ter problemas com a Vara da Infância e Juventude, que chegou a determinar a busca e apreensão dos menores. Além da falta de regularização, a Justiça entendeu que a deputada não tinha condições ideais para abrigar todas as crianças.
Já hoje deputada fugiu para Irajá, na Zona Norte do Rio, e conseguiu regularizar a sua situação com a Justiça com a ajuda do empresário Pedro Werneck, que alugou um apartamento para a família. Cinco anos depois, em 99, a pastora fundou a Comunidade Evangélica Ministério Flordelis, no bairro do Rocha, também na Zona Norte. A igreja do casal em São Gonçalo, e que existe até hoje, foi fundada em 2002.
MP questionou a adoção de menina
Dos 51 filhos não legítimos de Flordelis, nem todos foram formalmente adotados. Em relação à parte deles, a pastora conseguiu a guarda legal, ou seja, era responsável pelas crianças, mas elas não deixaram de ter vinculação com os pais biológicos. Dos quatro filhos biológicos da pastora, apenas um, Daniel dos Santos de Souza, de 21 anos, é fruto do relacionamento com Anderson.
Em 2001, Flordelis chegou a ser alvo de uma representação feita pelo Ministério Público estadual do Rio, que a acusava de não ter dado “o devido andamento ao processo de adoção” de uma menina. O processo acabou sendo extinto anos depois, com a efetiva adoção da criança pela pastora.
Na casa onde Anderson foi morto, em Pendotiba, Niterói, além do casal, moravam cerca de 30 filhos, metade deles menores de idade. Todos, atualmente, são formalmente adotados. Além dos dez quartos do imóvel principal, foram construídas, no mesmo terreno, duas casas para filhos morarem com suas esposas.
Na política, Anderson quem dava as cartas
Em vídeos publicados em seu canal no Youtube, Flodelis mostrou um domingo na casa da família. Em uma das filmagens, aparece Lucas Cezar dos Santos Souza, que está preso sob suspeita da participação na morte de Anderson. “Lucas gosta de trabalhar no som e vídeo da igreja. Ama, faz com amor algo que ele ama demais”, afirma a pastora no vídeo, referindo-se ao filho.
Lucas e quatro irmãs biológicas foram os últimos filhos adotados por Flordelis e Anderson, há seis anos. Os cinco moravam na favela da Reta Velha, em Itaboraí. Quando foi acolhido pelos pastores, Lucas tinha 12 anos. Ele completou 18 no último dia 12, quatro dias antes da morte de Anderson. Atualmente, o rapaz já não morava mais na casa da família, em Pendotiba, mas circulava pelo local com frequência.
O rapaz acabou inicialmente preso pela Delegacia de Homicídios de Niterói e São Gonçalo, que investiga a morte do pastor, pelo seu envolvimento com o tráfico de drogas na comunidade da Fazendinha, em Niterói. Havia contra ele um mandado de busca e apreensão da época em que ainda era menor de idade. Segundo pessoas próximas a família, ele era a grande frustração de Anderson, que lamentava por não tê-lo recuperado.
Já Flávio possuía um bom relacionamento com Anderson, que era seu padrasto. Recentemente, o rapaz estava morando com os pastores em Brasília, onde ambos permaneciam parte da semana em virtude do mandato de Flordelis na Câmara dos Deputados. Ela foi eleita ao cargo no ano passado.
Flordelis arriscou-se na política pela primeira vez em 2004, quando concorreu ao cargo de vereadora por São Gonçalo, mas não foi eleita. No ano passado, a tentativa foi mais ousada: pleiteou uma vaga na Câmara dos Deputados. A pastora foi eleita pelo PSD com quase 200 mil votos, a quinta mais votada no Rio. Ela tomou posse este ano.
Apesar de sempre ter figurado como protagonista em sua história de vida, não foi assim na política. Uma fonte ouvida pelo GLOBO e que pediu para não ser identificada relatou que Anderson tomou a frente do mandato. Antes disso, em todo o planejamento da campanha, já era ele quem dava as cartas:
— Anderson assumiu o mandato como se deputado fosse. Ia toda semana a Brasília, fazia reuniões sem que a Flordelis estivesse presente. Virou até mesmo secretário-geral do PSD e começou a reorganizar o partido no estado. Colocou diversas pessoas ligadas a ele.
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Redação iBahia
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