Assunto complexo, o suicídio, que espelha fatores biológicos, genéticos, psicológicos, sociais e também culturais, tem sido desvendado, nos últimos quatro anos, pela campanha Setembro Amarelo. Neste ano, como de costume, as atividades de prevenção e sensibilização incluem caminhadas, veiculação de materiais da campanha por figuras públicas que abraçam a causa e a decoração e iluminação de prédios públicos, praças e monumentos com luzes e itens amarelos.
As ações foram iniciadas pela Associação Internacional para Prevenção do Suicídio (Iasp) e trazidas ao Brasil pela Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), pelo Centro de Valorização da Vida (CVV), referência no atendimento – inclusive remoto – a pessoas em crise, e pelo Conselho Federal de Medicina (CFM). O Setembro Amarelo caminha junto com a campanha Janeiro Branco, que, em um mês em que as pessoas estão mais propensas a renovações, busca vivificar reflexões sobre saúde mental e valorização da vida.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que ocorram, no Brasil, 12 mil suicídios por ano. No mundo, são mais de 800 mil ocorrências, isto é, uma morte por suicídio a cada 40 segundos, conforme o primeiro relatório mundial sobre o tema, divulgado pela OMS, em 2014. Em geral, a vontade de acabar com a própria vida é provocada pela falta absoluta de perspectiva e uma enorme sensação de desamparo e angústia. O que não se destaca é que, na maioria dos casos, o radical desejo é gerado por um quadro de transtorno mental tratável, como depressão, transtorno bipolar afetivo, esquizofrenia, quadros psicóticos graves e transtornos de personalidade, como o borderline.
“Somente 3% não têm diagnóstico desses transtornos. Há um alto índice também de histórico de drogas, álcool e outras substâncias”, diz a psicóloga Fabíola Rottili Brandão. Fabíola esclarece ainda que, embora prevaleçam os casos em que preexiste um distúrbio mental, há situações em que o suicídio pode ser um impulso desencadeado por um infortúnio pontual, mas que, ainda assim, a pessoa já tem um processo de desorganização interior. “Em 10% das ocorrências podemos observar essas questões. Pode ser, sim, um caso de súbita desesperança.”
Para o psiquiatra Régis Barros, fortalecer-se emocional e mentalmente é como o ser humano resiste às decepções e contrariedades, comuns a todas as pessoas. “Viver não é uma tarefa simples. Viver é fabuloso, mas somos sistematicamente testados, colocados à prova, sofremos com as frustrações do viver. A resiliência é importante para construir uma habilidade social para a vida”, diz.
Suporte
Barros defende que a sociedade contemporânea, além da violência, do estresse, da instabilidade econômica e social, vive um momento de competitividade cada vez maior, que favorece o adoecimento mental. “O que se vê são relações muito voláteis, famílias desorganizadas, um mundo social virtual em que o contato e as construções de relações são muito empobrecidas. Há, cada vez mais, jovens que se frustram mais precocemente, uma epidemia dos que se automutilam”, explica.
Por isso, poder contar com uma rede de apoio e, consequentemente, com o acesso ao diálogo é fundamental para que as pessoas com a chamada “ideação suicida” conquistem o equilíbrio e a estabilidade emocional garantidos pelo tratamento de psicoterapia e de medicamentos. Os remédios prescritos por um psiquiatra são essenciais para que o paciente recobre a ordem neuroquímica, e a terapia, por sua vez, auxilia o paciente a saber trabalhar suas emoções.
Há alguns sinais que podem ser identificados por familiares e amigos como sendo de risco, auxiliando no diagnóstico e, portanto, na assistência. Eles devem compreender que a depressão e o suicídio não são uma estratégia infantil da pessoa para chamar a atenção, nem frescura.
Desinteresse pelas atividades que sempre foram prazerosas, sentimento de inutilidade e de culpa, cansaço extremo, irritabilidade, dificuldade de concentração e de tomar decisões e até mesmo falta de higiene com o próprio corpo são comportamentos de alerta. A pessoa tende também a achar que é um fardo para seus amigos e sua família, pode ter baixa qualidade de sono e, ainda, perder ou ganhar peso.
“Há isolamento social, quebra no vínculo familiar, um grande sofrimento psíquico. Mas, às vezes, a pessoa esconde, coloca uma armadura e se esforça para não parecer doente”, complementa Fabíola. Tanto as pessoas mais próximas como desconhecidos são capazes de acolher e mesmo encaminhar a pessoa suscetível ao tratamento com os profissionais adequados. De acordo com a psicóloga, as unidades de saúde do Sistema Único de Saúde (SUS) carecem de investimento em medicamentos e psicoterapia. “O tratamento de crise precisa ser imediato e nem sempre os dispositivos estão preparados para atender o paciente”, diz Fabíola.
Essa conscientização da família, denominada psicoeducação, evita, inclusive, a repetição de episódios suicidas. “As doenças mentais têm componentes biológicos e não biológicos. Você tem famílias em que o componente é replicado. Mas há uma dificuldade em definir o que é fator ambiental, o que é herança genética, já que temos o mesmo ambiente, com as mesmas questões emocionais, que podem retroalimentar o desejo de se suicidar. O ato de se suicidar não será o ato primário, o primeiro, outros já aconteceram e podem ser evitados”, esclarece Barros.
Colegas de trabalho também podem e devem representar um ponto de socorro. “As empresas não estão preparadas para lidar com essa demanda. Quando tem afastamento do trabalho, existe preconceito. Os empregadores precisam buscar informações e achar formas de acolher. O profissional fica estigmatizado. A gente se dedica tanto ao trabalho e não encontra apoio ali”, pontua Fabíola.
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Redação iBahia
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