Para quem gosta de discutir o significado de uma família, os filmes de Hirokazu Kore-eda são essenciais. O diretor segue uma tradição do cinema japonês em retratar dramas familiares com a contemporaneidade como distinção. Kore-eda lida com diversas formas de amor e suas consequências, compondo tramas nada óbvias com o intuito de levar o espectador aos questionamentos sobre os sentimentos que exalam de seus personagens.
“Ninguém pode saber” (2004), por exemplo, acompanha um garoto de 12 anos na função forçada de cuidar dos irmãos após o sumiço da mãe. “Pais e filhos” (2013) é focado num casal que descobre que o filho de uns 5 anos havia sido trocado na maternidade e que precisa decidir sobre destrocá-lo ou não. “Depois da tempestade” (2016) mostra um homem ferrado de grana na tentativa de se reconectar com a ex-mulher e o filho.
Já o novo filme de Kore-eda, “Assunto de família”, que venceu a Palma de Ouro no Festival de Cannes, é dos mais instigantes em especular sobre a natureza do amor familiar. A história gira em torno do que parece ser uma família bastante unida em cometer pequenos golpes, principalmente furtos em mercados, para sobreviver. À primeira vista, há um casal, um filho pré-adolescente , uma avó e uma tia — o grupo aumenta quando uma outra criança é “resgatada” de uma casa de pais ausentes e que a maltratam.
Com a delicadeza característica de seu cinema, Kore-eda vai construindo cenas que desmontam a ideia de família existente, para depois reforçá-la. Ninguém ali é exatamente parte da mesma família, todos foram parar na mesma casa por circunstâncias sociais fora do controle, mas isso não quer dizer que não possa haver uma espécie de amor gerada a partir da convivência.
O diretor põe a razão e a emoção em conflito, sem procurar apontar um vencedor. Ele cria uma empatia com os personagens — apesar da certeza inicial de que eles são trambiqueiros pois, no mínimo, furtam comida do supermercado —, para depois acender um alerta de que tem mais coisa errada naquela casa.
O pano de fundo, de um Japão a que estamos menos habituados, ajuda nessa confusão de sinais oferecidos por Kore-eda. Como já retratou em outros filmes, seu Japão é um país de pessoas humildes, que lutam diariamente por sobrevivência e que até são capazes de exercer um tipo de malandragem — nociva, como toda a malandragem — que deixaria os cariocas morrendo de inveja.
“Assunto de família”, assim, sugere que a construção familiar é feita por um tipo de contrato necessário frente à opressão social, em que cada membro oferece o que pode em troca do apoio coletivo de se viver sob o mesmo teto. A gente tem 519 anos para, a partir de Kore-eda, refletir sobre o tema.
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Redação iBahia
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