Não é de hoje a criação de remakes de filmes de terror; desde as atualizações de exemplares do gênero exploitation que ganharam certa permissividade depois da onda do torture porn como A Vingança de Jennifer (1978) que ganhou versão em 2010, ou até pegando carona em sucessos fora da estrutura americana como O Chamado (1998) e O Grito (2002), que ganharam seus versões respectivamente em 2002 e 2004. Por que esse fenômeno no gênero? Simples: o custo de produção é relativamente baixo, sendo facilmente reposto na exibição.
Porém, os roteiros originais são auxiliados pela liberdade cinematográfica existentes nos países de origem, diferente dos pasteurizados no cinema americano, o que enfraquece – e muito – a adaptação (por muitas vezes desnecessária).
E é o que acontece com Martyrs, dirigido pelos irmãos Goetz, produzido pela Blumhouse, uma das responsáveis pela nova onda de filmes de terror de boa qualidade; e pela Wild Buch que, curiosamente, participou da produção do primeiro – e podia impedir a bomba em forma de película desse segundo.
Foto: Divulgação |
Se você não assistiu a nenhum dos dois (a coprodução francesa/canadense de 2008 que se passa na década de 70 ou o remake de agora) pare por aqui.
Na trama, Lucie (Troian Bellisario) é uma garota de 10 anos que consegue escapar de um grupo de torturadores que infringia os maltratos sem motivo aparente. No orfanato católico onde é abrigada, conhece Ana (Bailey Noble) uma interna pela qual desenvolve uma grande amizade. Dez anos depois, Lucie incide uma violenta vingança sobre seus captores, entrando em uma espiral de loucura sem fim.
O grande problema do filme de 2015 é a falta de urgência no roteiro que é extremamente necessária para transmitir a mensagem religiosa/filosófica existente, que transborda para direção de arte: no filme de 2008, o gore é meio, e não fim. Já no remake, o debate sobre o pós-vida fica em segundo plano, usando a amizade como premissa.
Essa mudança fica mais evidente ao compararmos os dois filmes, onde algumas cenas e diálogos são análogos: a situação física em que Lucy foge nos de 2008 e 2015 é gritante; no primeiro, a atriz está destruída, reforçada pela fotografia escura e sem cor. Já o segundo, a pequena Lucie não apresenta as agruras sofridas a não ser por algumas manchas escuras no corpo e uma roupa suja – detalhe para o close nas amarras novíssimas, que atrapalham na suspensão de descrença.
Por falar em suspensão de descrença, durante o segundo ato descobrimos que os captores pertencem a uma seita que tortura mulheres até chegarem ao limiar, forçando-as a apresentarem um tipo de “êxtase” no qual elas tem acesso a vislumbres do pós-vida, podendo relatar o que vêem nesse breve momento que antecede a morte. Por isso é necessária a percepção de um grande sofrimento que desafie, que faça o espectador espantar-se dos traumas sofridos, o que não acontece de maneira alguma. A única referência nesse aspecto estão nos flares espalhados que denotam “algo” celestial.
As costuras no roteiro para a criação de um filme similar ao original também auxiliaram nos furos: uma Lucie extremamente traumatizada e instalada em um hospital psiquiátrico – que seria o mais razoável e está no primeiro filme – acaba em um orfanato aparentemente sem auxílio mental algum. Não só o desenvolvimento de Lucie é bagunçado: no francês, a família que brevemente é assassinada pela co-protagonista tem um pouco da sua rotina evidenciada, que cria uma rápida ligação com o espectador pelo momento de descontração. Já que o sofrimento causado pela seita aparenta ser menor que o sofrido, a chacina só contribui para reduzir a empatia por Lucie. Detalhe para a mudança de afazeres dos pais, onde a mãe no original é a responsável pelo conserto do encanamento; no americano é o pai. Até a relação com Anna, que apresenta uma certa tensão sexual – por parte da mesma – é abolida.
Martys é um remake sem coesão, que não traz nenhuma novidade para o original e soa como um caça-níqueis covarde e desinteressante.
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Redação iBahia
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