Um estudo recente da agência de comportamento Talk Inc. mostrou que um em cada dez usuários de inteligência artificial (IA) no Brasil a procura para desabafos, conselhos e pedidos de ajuda emocional. Em outras palavras, mimetizam a terapia. A estimativa é de que mais de 12 milhões de brasileiros estejam recorrendo a chatbots para ocupar o lugar de um psicólogo.

Como psicólogo, não me surpreende esse número. A oferta é tentadora: alguém sempre disponível para ouvir, sem custos, sem julgamentos, pronto para responder de forma rápida e até aparentemente empática. Quem nunca desejou ter esse tipo de presença na palma da mão? Mas será que estamos realmente cuidando de nós mesmos ou apenas buscando conforto imediato?
Leia também:

A terapia de verdade não é feita só de acolhimento, ela também precisa incomodar. Precisa tocar em feridas, em silêncios, em contradições. É como a febre que insiste em aparecer no corpo: tomar antitérmico alivia, mas a infecção continua lá, exigindo cuidado. A inteligência artificial, nesse cenário, funciona como esse antitérmico. Ela pode até acalmar, mas dificilmente alcança a raiz do problema.

Outro risco é o da bolha de reafirmação. O chatbot, por estar treinado para nos agradar, devolve versões mais organizadas do que já pensamos e sentimos. Em vez de nos confrontar, ele nos conforta. E se ficamos apenas nesse círculo, a dor pode até parecer menor, mas segue intacta, esperando o momento de se manifestar de forma ainda mais intensa.

Isso não significa que a IA seja inimiga. Ela pode ser útil como ferramenta auxiliar: registrar emoções, organizar pensamentos, ajudar a lembrar de compromissos. O problema está quando confundimos esse apoio com um processo terapêutico. Uma conversa digital pode aliviar a solidão, mas não substitui a presença real de um encontro humano, onde há escuta atenta, interpretação de nuances e coragem de fazer perguntas que não queremos ouvir.

A questão que fica é esta: estamos usando a tecnologia para nos cuidar de verdade ou apenas para evitar enfrentar o que nos incomoda? Estamos nos permitindo atravessar o que é difícil ou buscamos apenas respostas prontas para nos sentir melhor por alguns instantes?
Participe do canal
no Whatsapp e receba notícias em primeira mão!

