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ÓPRAÍ WANDA CHASE

Deusa do Ébano: nesse concurso beleza não é tudo

Concurso para escolher a mulher mais bonita do Ilê foi criado pelo produtor cultural Sérgio Roberto dos Santos, morador do Curuzu

Wanda Chase • 26/01/2023 às 18:16 - há XX semanas

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					Deusa do Ébano: nesse concurso beleza não é tudo

“Quero ganhar esse título para dialogar com a minha comunidade, reverberar a cultura que existe no meu bairro, para trazer um olhar positivo e não de marginalidade”. Essa declaração potente é de Caroline Xavier, uma das quinze mulheres negras que neste sábado concorre ao título de Deusa do Ébano, aquela que vai brilhar no carnaval de 2023 do Ilê Aiyê. Esse é o sonho de muitas jovens negras. Caroline faz questão de frisar que é uma “cria da onça“, como são chamadas as pessoas do Bairro de Sussuarana envolvidas em atividades culturais e sociais.

Sussuarana é uma onça parda nativa da Mata Atlântica. No passado, segundo os historiadores, o bairro era território do Quilombo do Cabula, destruído em 1807. Há anos existe uma cena cultural, o Sarau da Onça, um dos eventos que mais mobiliza a comunidade do bairro com recitais de poesia, música, roda de conversa e o que pintar de interessante.

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Caroline participa ativamente, escreve poemas, alguns até já foram publicados fora do Brasil. Tem orgulho do lugar que mora. ”Nós não queremos só falar da nossa dor, mas das nossas alegrias também”. Pra mudar essa realidade, cansada de só ver Sussuarana nos noticiários de polícia, ela entrou para a Universidade. Notícia boa é o que não falta no bairro.

Caroline vai seguir a carreira de jornalista. A futura colega dá aulas de dança afro para crianças em escolas particulares e ainda desenvolve projetos sociais. A estudante participa de concursos de beleza negra nos vários blocos afro de Salvador. Em 2020 foi Negra Malê. Neste sábado sobe ao palco da Senzala do Barro Preto com toda garra e respeito às demais concorrentes. 


				
					Deusa do Ébano: nesse concurso beleza não é tudo

Além de Caroline outras candidatas também querem muito a coroa e faixa de Deusa do Ébano. Daiane Souza é uma delas. Vai concorrer ao título pela quinta vez. A primeira vez foi em 2014, depois em 2015. Deu uma paradinha em 2016 e 2017. Nos dois anos seguintes se candidatou, mas não passou na seleção. Por isso desta vez manteve a inscrição em segredo, não comentou com ninguém. Quando saiu o resultado colocou a notícia no grupo de whatsapp da família. Foi uma alegria só!

Assim como Caroline, Daiane também foi Negra Malê, mas ser Deusa do Ébano era um sonho da família que aos poucos se tornou também um sonho de Daiane. Ela foi conhecendo o Ilê e se apaixonou pelo mais belo dos belos. Pergunto o motivo da paixão e ela responde com altivez:

“É o primeiro bloco afro do Brasil, a magnitude do Ilê nos empolga. É um sonho de muitas mulheres negras. Os meus vizinhos sonham com isso”.

Daiane conta que as pessoas passam nos carros e gritam que estão com ela. Para a candidata, o concurso foge à regra dos concursos tradicionais porque para ser Deusa do Ébano não basta ser bonita. “É preciso ter consciência, saber, conhecer nossa história, nossa cultura. É saber do nosso papel na sociedade e a cada ano aumento a minha bagagem histórica”.

Geralmente as candidatas são assessoradas por um produtor cultural. O de Daiane é Jean Nogueira, que até a prepara para as entrevistas. Mãe de um filho de 12 anos, o menino Yago, ela conta que ele torce por ela e a incentivou, mais de uma vez, a concorrer ao título.

O idealizador

O concurso para escolher a mulher mais bonita do Ilê foi criado pelo produtor cultural Sérgio Roberto dos Santos, morador do Curuzu. Criativo, entendeu que era necessário fazer um evento revolucionário para elevar a auto-estima das mulheres negras. Em uma de nossas conversas - éramos amigos há 43 anos - ele me contou a estratégia. Domingo (22) Sergio nos deixou. Ele sempre esteve ao lado das mulheres, atento aos casos de racismo e relações tóxicas, que na época, nem tinha esse nome e era visto com naturalidade. 

As mulheres negras tinham medo de sair de casa, tinham vergonha de sua aparência. Maria de Lurdes dos Santos Cruz, mais conhecida como Mirinha, confirma essa história. Segundo ela, era um drama ir a uma festa, a um casamento, aniversario, sempre tinham medo das críticas dos brancos. Mirinha foi a primeira Deusa do Ébano, do Ilê Aiyê, em 1976. Com firmeza, ela reforça o racismo latente.

“Naquela época a gente mulher não era nada, nem usávamos batom, não tínhamos consciência da nossa beleza. Você tinha vergonha de sair de casa, com medo de ser criticada.”

Um dia tomou um susto com um convite de Sergio Roberto. Sem rodeios, convidou a amiga para ir até o local dos ensaios para desfilar. A reação dela? ”Oxe você tá doido! Eu não vou!”. Ele pegou Mirinha pelo braço e disse: “você vai, você é linda nega, você vai. Vai lá na Dete agora. Dete Lima é estilista do Ilê, (irmã do Vovô) Vai agora! “ 


				
					Deusa do Ébano: nesse concurso beleza não é tudo

Dete fez uma amarração do tecido no corpo de Mirinha, em cores verde e azul. Sergio Roberto chamou outras mulheres para participar do concurso. Não tinha palco, não tinha passarela, nem corpo de jurados. O povo escolheu Mirinha, sob aplausos. Batiam palmas e gritavam o nome dela. Mirinha lembra que chorou muito quando o nome dela foi anunciado. E nosso Sérgio Roberto falou: “isso dá uma festa”. Daí surge a Noite da Beleza Negra e a escolha da Deusa do Ébano.

Hoje Mirinha tem 64 anos e ainda tem gente na rua que lembra do tempo que ela ganhou o concurso. “Outro dia na rua um homem me disse que eu continuava linda como no tempo que fui a Deusa”. Mirinha respira fundo e continua a conversa.

- Quando chegava essa época de carnaval, eu e Roberto ficávamos lembrando de tudo e se alguém chegava aqui pra conversar comigo, fazer uma entrevista, ele dizia: Rainha é rainha. Nunca esqueça que na sua frente só tem você, você própria!!!”

Sérgio Roberto será homenageado nesta sábado, na festa que criou. Obrigada Sergio!


				
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Imagem ilustrativa da coluna ÓPRAÍ WANDA CHASE
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