Pipoca do BaianaSystem (Foto: Cartaxo / Divulgação)
Participar do Carnaval de Salvador é fundamental para qualquer artista que busca construir relevância na cidade. É justamente por isso que nomes da atual cena da música pop reivindicam um espaço na festa, mas não no formato estabelecido pelo mercado dos blocos e do Axé Music, com seus abadás e cordas. A opção é pelos trios independentes e palcos abertos, o que aponta para uma visão de Carnaval mais igualitária, em que o poder econômico pessoal não se transforme em privilégios na ocupação do espaço público na festa.
A posição tomada por artistas e bandas como Afrocidade, ÀTTØØXXÁ, BaianaSystem e Aya Bass (projeto formado pelas cantoras Larissa Luz, Luedji Luna e Xênia França) marca um distanciamento e, ao mesmo tempo, uma disputa dentro do Carnaval. É uma conta que tem se equalizado da seguinte forma: os grandes investimentos privados focam suas ações nos camarotes, enquanto a rua passa a ser ocupada por atrações viabilizadas pelo poder público.
Em 2022, a impossibilidade de colocar os trios nas ruas, por conta da pandemia, gerou um processo bastante peculiar: a corrida pelo Carnaval Indoor. Uma série de produtoras de eventos tentaram se antecipar e propor um formato de festa num ambiente possível para estabelecer protocolos. A discussão que gerou foi: e o Carnaval de quem não pode pagar? Nenhuma solução se apresentou e, no final das contas, apenas festas privadas para até 1,5 mil pessoas vão acontecer.
De volta ao século 19
O mais interessante desse arranjo, tanto no que vinha se formando antes da pandemia, quanto o que se tentou fazer em 2022, é que ele remonta às origens do Carnaval de rua em Salvador, ainda no século 19. Até mesmo a divisão racial se repete. Enquanto a elite branca brincava a festa em salões de clubes fechados, a população negra montava suas entidades carnavalescas para ocupar as ruas. Se trocar os salões pelos camarotes ou pelas festas privadas de 2022, percebemos que a estrutura é a mesma.
As entidades que se formaram no início do Carnaval de rua, no século 19, refletiam o grande contingente de africanos que ainda havia na população negra de Salvador. Eram pessoas que chegaram aqui traficadas em navios negreiros. Com isso, grupos como A Embaixada Africana, Filhos da África, A Chegada Africana e Pândegos da África transformaram a festa de origem europeia em um espaço para manifestações da estética afro.
Quem brincou o Carnaval de rua em Salvador nos últimos anos em que foi possível, sabe que essa é a marca até hoje. A estética afro, representada pelos afoxés e blocos afros, se juntou às criações da periferia, principalmente o pagodão, e dão a cara, o som e a dança das ruas. Não é à toa que são esses elementos que marcam as produções da cena de música pop de Salvador, pois elas são as inspirações para singles, EPs, álbuns e videoclipes. É um movimento que cria identificação com o público, ocupa a cidade e forma a cena.
A ausência do Carnaval em 2021 e agora em 2022, além de todo o impacto econômico, também tem esse impacto estético, digamos assim. Perdeu-se muito tempo pressionando para a realização do Carnaval como se fazia antes da pandemia, depois veio a reivindicação da festa indoor, mas em nenhum momento tentou-se construir um formato que fosse acessível e possível nesse contexto. No final, perdemos todos – até quem vai curtir os bailes em salões de clubes fechados como no século 19.
Marcelo Argôlo*
Jornalista e pesquisador musical que acompanha o cenário musical baiano desde 2012. Mestre em Comunicação pela UFRB, ele é autor do livro Pop Negro SSA e mantém ainda o Instagram @popnegroba sobre a música pop negra da Bahia.
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