Roda durante show do Afrocidade na última sexta (11) na Audio, casa de shows em São Paulo (Fotos: Reprodução / Instagram)
Neste mês de março, alguns compromissos me trouxeram para São Paulo e aqui pude observar in loco a demanda do público por bandas e artistas da Bahia. Afrocidade, Luedji Luna, Josyara, Jadsa, Baco Exu do Blues e RDD, do ÀTTØØXXÁ, fizeram alguns dos shows mais concorridos na agenda cultural da capital paulista, que volta aos poucos a ser diversa e numerosa com a saída gradual da pandemia.
Pude ir nos shows do Afrocidade, que aconteceu na última sexta (11), e de RDD, no dia 05. É perceptível que o público paulistano sabe exatamente o que está acontecendo ali, acompanha a apresentação sem estranhamentos e até dança e abre rodas como nos shows em Salvador. Inclusive, de cima do palco é esse o apelo que se faz: “São Paulo, vamos fazer como se a gente estivesse no Pelourinho!”.
Não que o público paulista esteja buscando emular uma experiência baiana, mas há uma espécie de autenticidade que se busca alcançar. Entendo isso mais como uma forma de reconhecimento do valor da atual geração de bandas e artistas da Bahia, do que como uma tentativa de imitação. É como se naquela hora de show, enquanto dançam groove arrastado, samba-reggae e ijexá, o objetivo seja se conectar simbolicamente com a Bahia.
Essa demanda também é explorada pelo Queremos! Festival, que acontece no Rio de Janeiro e anunciou na última semana a edição 2022 recheada de atrações da Bahia. Dos 13 nomes da programação, 5 são baianos: ÀTTØØXXÁ, Baco Exu Do Blues, Luedji Luna, Majur e Gilberto Gil, que, apesar de ter ganho um prêmio de Carioca do Ano em 2021, nosso bairrismo sempre vai fazer alarde e dizer que ele é da Bahia!
Brincadeiras à parte, uma questão que surge com a observação dessa presença constante de nomes da Bahia, pois é necessário notar que estamos falando de uma fatia específica do mercado da música: o midstream. Usei essa palavra aqui na primeira edição da coluna para falar sobre essa geração que dialoga com uma ideia mais tradicional do que é a música baiana, mas com uma renovação, tanto do ponto de vista musical quanto no discurso.
O midstream se define muito mais pelo que ele não é, do que pelo que de fato ele é: nem mainstream, nem underground. Ou seja, nem uma estratégia de grande alcance midiático, nem uma tentativa de buscar fugir do grande público e das lógicas comerciais da indústria musical. Essa dicotomia, que por muitos anos marcou o mercado da música, cada vez faz menos sentido, justamente porque vemos se consolidar uma faixa do meio que as redes sociais e o diálogo direto com o público ajudou a fortalecer. Nela, estão bandas e artistas, festivais, casas de shows e mais uma série de agentes da cadeia produtiva da música que consolidaram público, têm retorno financeiro, mas estão inseridos em um nicho específico e não alcançam os números exorbitantes do mainstream.
A Audio, casa de show que abrigou a apresentação do Afrocidade que assisti em São Paulo, e o Queremos! Festival estão nessa faixa intermediária do mercado musical, assim como a maior parte das bandas e artistas baianos que estão ocupando essas programações. Assim, o midstream da Bahia, que economicamente ainda é muito restrito e dependente das políticas públicas, consegue ampliar seu alcance.
Esse processo pode ser extremamente benéfico para a música baiana, pois possibilita o desenvolvimento de carreiras musicais e de outros agentes da cadeia produtiva no Estado. Produtoras, selos, festivais, estúdio e mais uma série de iniciativas que atuam no processo de produção, circulação e consumo musical na Bahia podem se fortalecer sem precisar abrir mão da autonomia criativa. Uma consequência nítida desse processo é a grande diversidade artística da nova geração, tão rica que não há rótulo capaz de embalá-la.
Assim, a música baiana que desconstrói estereótipos e disputa o entendimento sobre o que é a baianidade ganha mais competitividade, tanto econômica quanto discursiva. É um processo que, articulado com ações de outros campos, pode resultar no estabelecimento de uma outra imagem para a Bahia, em que a ideia da preguiça e outros adjetivos que usam para nos diminuir sumam das representações sobre nós.
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Marcelo Argôlo*
Jornalista e pesquisador musical que acompanha o cenário musical baiano desde 2012. Mestre em Comunicação pela UFRB, ele é autor do livro Pop Negro SSA e mantém ainda o Instagram @popnegroba sobre a música pop negra da Bahia.
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