Cena 1: interior de um carro. Fim de tarde. O disco começa a rodar. Das caixas de som, a música começa a fluir fácil. Surgem imagens na mente, permeadas por um universo onírico, estradas, vento no cabelo... Cena 2: a cantora e compositora paulista Céu, 31 anos, sai correndo de casa. Está atrasada, precisa pegar um voo. Trajeto aeroporto - avião – passagem-de-som–show–hotel. No meio disso, olha pela janela e vê a paisagem polonesa. As duas cenas, baseadas em fatos reais, são importantes para explicar a concepção e a existência de Caravana Sereia Bloom (Urban Jungle/Universal). O terceiro álbum de Céu foi composto na estrada, o outro lar da artista desde que começou a cantar profissionalmente, dez anos atrás. Uma década on the road. Céu vem sendo festejada como um dos melhores nomes da nova geração de cantoras de MPB. Fala-se de uma novíssima cena paulistana – termo que ela acha confuso e pouco preciso.“Acho que não é um movimento: é mais uma movimentação”, afirma, apontando diferenças de estilos e de desejos entre artistas enquadrados na cena.
RolideiCéu prefere falar em trabalhos coletivos, parcerias. Para coproduzir Caravana Sereia Bloom, chamou o marido, o produtor e agora cantor – lançou o primeiro disco solo no ano passado, Memórias Luso Africanas – Gui Amabis. Nas participações especiais, uma lista de gente bacana, como gosta de frisar Céu. O compositor baiano Lucas Santtana assina Contravento – em parceria com Gui Amabis – e Streets Bloom. A faixa, aliás, contribuiu para o nome do disco. “Quando estava produzindo o álbum, ia guardando tudo – gravações, sons, referências – no computador, em uma pasta chamada Estudos na Estrada”, conta. Ela pensou em manter o nome para batizar o produto, mas achou burocrático. Numa brincadeira de colagem, Céu lembrou de Bye Bye, Brasil (1980), filme de Cacá Diegues, no qual uma trupe percorre o país a bordo de um caminhão, a Caravana Rolidei. Juntou com Sereia – nome de outra faixa – e Bloom. GrammyA lista bacana de parcerias de Céu segue com Curumin e Pupillo se dividindo na bateria. Pupillo faz parte da Nação Zumbi e também do coletivo Sonantes, que junto a Céu e outros artistas, gravou um disco homônimo em 2011. Céu percebe a olhos vistos sua evolução musical. “O primeiro disco é sempre uma página em branco, são muitas coisas para mostrar. O segundo é uma afirmação. Já o terceiro é o começo de uma carreira”, diz. A boa penetração no mercado internacional começou já com o primeiro e homônimo álbum, de 2005: vendeu cem mil cópias nos EUA e foi indicado ao Grammy 2007 na categoria world music. Céu faz uma média de três turnês europeias por ano. Ela, obviamente, comemora o êxito. Diz que os estrangeiros estão cada vez mais atentos e informados sobre o que acontece fora de suas fronteiras: “Mas ainda existe aquela curiosidade pelo exótico”. A caravana de Céu, em todo caso, passa. Nova turnêE é para a Europa que a trupe de Céu vai – ah!, e Céu não é um nome artístico inventado, não. Está lá no passaporte supercarimbado da moça: Maria do Céu Whitaker Poças. A turnê começa sábado, no Sesc Vila Mariana, em São Paulo. Dez dias depois, já está em Paris. Além da França, fará shows na Alemanha, República Tcheca, Suíça, Inglaterra e Escócia. Em maio, volta ao Brasil, onde segue fazendo shows, e em junho se apresenta nos EUA e Canadá. Ainda não há data na Bahia. Em Salvador, aliás, encontra-se um dos locais favoritos de Céu para cantar : a Concha Acústica do Teatro Castro Alves. O espaço divide o posto no coração da artista com o Circo Voador, no Rio. FamíliaSe tem algo sobre o que a cantora pensa muito atualmente é a memória, a lembrança, devidamente traduzidas em Caravana Sereia Bloom. A história de Céu começou em 1980, no hoje elegante bairro da Vila Nova Conceição, em Sampa.“Nós éramos supersimples, vistos como a família excêntrica da rua”, lembra. Filha da artista plástica Maria Carolina Whitaker (musa do samba-rock Carolina Carol Bela, de Jorge Ben Jor & Toquinho) e do maestro Edgard Poças (produtor da Turma do Balão Mágico), a garota cresceu em um ambiente rico em estímulos e novos olhares. Foi para ver o que tinha além do muro que ela embarcou para Nova York, nos EUA, quando fez 18 anos. “Queria entender o jazz”, afirma. De volta ao Brasil, começou a cantar na noite. Na época, as jam sessions estavam em alta em São Paulo. Foi a sua grande escola musical. Mãe de Rosa Morena, 3 anos, Céu tenta levar uma vida sem deslumbre. Tímida e noveleira, admite não levar jeito para celebridade. Nessa estrada por vezes vagarosa, por vezes highway, essa artista especial vai trilhando seu próprio caminho - que deve ser longo. Crítica por Hagamenon Brito: O que já era bom ficou melhor aindaCéu gravou dois dos melhores álbuns brasileiros na primeira década da era 2000: Céu, em 2005, e Vagarosa, em 2009, numa viajante atmosfera de dub, reggae, soul, samba de raiz e Jorge Ben. Os trabalhos lhe deram prestígio entre o público da moderna MPB e a crítica, além de bom posicionamento nos mercados americano e europeu. Mesmo assim, Céu resolveu mexer no time que estava ganhando, experimentando outros estilos e trocando o coprodutor Beto Villares por Gui Amabis, seu marido e que já havia colaborado no disco anterior. A essência não foi mudada, como seu gosto pelos ritmos caribenhos, vide Asfalto e Sol (Céu e Gui Amabis) e a deliciosa regravação do rocksteady You Won’t Regre It (anos 60, dos jamaicanos Lloyd Robinson e Glen Brown. Contudo, o firmamento sonoro da cantora ficou mais pop, ensolarado. Exemplos disso são Baile de Ilusão (Céu) e Retrovisor (Céu), ambas influenciadas pela música brega. A programação do tecladinho da primeira parte de Retrovisor, que já tem clipe no YouTube, é prima-irmã do arrocha baiano, por exemplo. Em um trabalho bem inspirado e com sabor road song, também são destaques a regravação de Palhaço (Nelson Cavaquinho), Amor de Antigos (Céu), Streets Bloom (Lucas Santanna) e o rock setentista Falta de Ar (Gui Amabis). É disco para Top 10 de melhores da temporada 2012.
Céu lança o seu terceiro disco, Caravana Sereia Bloom, com produção do marido, Gui Amabis, e participações de Lucas Santtana, Curumin e Pupillo |
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