Ninguém tem dúvida de que o baiano Dorival Caymmi (1914-2008) é um dos músicos mais populares e prestigiados da MPB. Marancangalha, João Valentão e Marina se tornaram tão conhecidas e ganharam vida própria a ponto de, às vezes, esquecermos que elas não são de domínio público. Mas o caminho até o reconhecimento do público e o prestígio da crítica, ao contrário do que a maioria dos registros aponta, foi muito complicado. E isso fica muito claro no livro O Que é Que a Baiana Tem? - Dorival Caymmi na Era do Rádio (Civilização Brasileira/R$ 40/294 págs.), da jornalista carioca Stella Caymmi, 50 anos, filha de Nana. Neta do compositor, ela sempre foi muito interessada na vida dele, tanto que em 2001 lançou a biografia Dorival Caymmi - O Mar e o Tempo (Editora 34). “Nos anos 90, entrevistei o vovô muitas vezes para preparar a biografia e numa das conversas, ele falou que não reconheciam devidamente a importância dele para o sucesso de Carmen Miranda (1909-1955)”, diz Stella. Embora o desabafo de Caymmi tenha sido feito sem tom de ressentimento, aquilo chamou a atenção de Stella. RejeiçãoMas, como o assunto não teve muito destaque na biografia de 2001, só agora, neste segundo livro, que a autora o tratou mais profundamente. A rejeição a Caymmi aconteceu no período em que ele estava chegando ao Rio de Janeiro, em 1938, no começo da Era do Rádio, que vai dos anos 30 até parte dos 50, época em que o livro se concentra. Quando o baiano desembarcou no Rio, David Nasser (1917-1980), Ary Barroso (1903-1964) e Vicente Paiva (1908-1964) eram alguns dos compositores de maior prestígio no país e Carmen Miranda a cantora mais popular.
Na ocasião em que Caymmi chegou ao Rio, Carmen estava gravando o filme Banana da Terra (Ruy Costa/1939), que teria na trilha sonora o samba-jongo Na Baixa do Sapateiro. Mas seu autor, Ary Barroso, pediu um valor bem acima da média para liberar a canção. Foi aí que Mário Lago (1911-2002) e Braguinha (1907-2006), que cuidavam da trilha sonora do longa, sugeriram que o samba de Ary Barroso fosse substituído por outro que se tornaria um clássico nacional: O Que é Que a Baiana Tem?, do então desconhecido Dorival Caymmi, na época com 25 anos. Foi o bastante para gerar uma crise de ciúmes no grupo de compositores que reinava no Brasil. “David Nasser criticava o vovô publicamente. E alguns artistas, para diminuir o sucesso dele, chegaram a dizer que Carmen Miranda estava emburrada enquanto gravava O Que é Que a Baiana Tem? porque estaria contrariada. E, na verdade, ela gostava muito da música”, revela Stella. A ciumeira foi tão grande que mereceu um capítulo especial, com mais de 30 páginas na publicação. Despeito Mesmo quem leu O Mar e o Tempo vai encontrar novidades e muitas razões para se deleitar com esse segundo livro, que se aprofunda nos bastidores da Era do Rádio sob o olhar de Caymmi, como ressalta Stella: “Na biografia, eu não parei para analisar o rádio e toda a indústria musical da época. E, como o vovô viveu intensamente aquele período, há testemunhos muito fortes dele. Então, este livro é sobre o rádio através das suas experiências. Muitas histórias que aparecem nele contrariam aquela imagem glamourizada que temos da Era do Rádio”. Segundo Stella, outra briga que Dorival Caymmi precisou enfrentar nessa época foi pelos direitos autorais. Há, no livro, fotos que mostram o compositor em congressos na América Latina onde discursava em favor dos direitos dos músicos. Embora engajado na questão dos direitos autorais, Caymmi nunca foi dono dos seus sucessos mais emblemáticos, que sempre pertenceram às editoras musicais. Stella diz que ele recebia um percentual irrisório sobre as músicas, assim como os herdeiros ainda recebem até hoje.
“Até para citar trechos das músicas de Caymmi, precisei pedir autorização por escrito às editoras, porque se não fizesse isso corria o risco de ser processada”, revela Stella. O absurdo é maior ainda: os direitos das canções passam para os herdeiros das editoras. “Nos anos 70 e 80, muitos compositores recorreram à Justiça contra as editoras, mas vovô não entrou na briga”, diz Stella, que, além de ter revelado os bastidores do rádio, revela um segredo que só quem conviveu perto de Caymmi é capaz de saber: ele, ao contrário do mito que se criou, não era muito chegado a deitar numa rede. Preferia mesmo uma boa cadeira de balanço. Matéria original do Correio Neta de Dorival, Stella Caymmi lança novo livro sobre seu avô
Caymmi é o personagem central da obra que revela histórias da Era do Rádio com base nas experiências vividas por ele entre os anos 30 e 50 |
Livro escrito por Stella Caymmi resulta de uma tese de doutorado |
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