Um em cada cinco bebês que nascem no Brasil tem mãe adolescente. Aproximadamente 70% dessas jovens são negras, e três em cada cinco não trabalham, nem estudam. O problema da gravidez não planejada, no país e no mundo, é considerado uma “tragédia” pelo Fundo de Populações das Nações Unidas (UNFPA), por gerar um ciclo de pobreza nem sempre fácil de ser quebrado. Só no Brasil, 46% de todos os nascimentos ocorridos nos últimos cinco anos não foram programados.
A entidade ligada à ONU divulga hoje, em Londres, o relatório “Mundos separados: saúde e direitos reprodutivos em tempos de desigualdade", que compila dados de quase 200 países e foi obtido pelo jornal colombiano “El Tiempo”, que integra o Grupo de Diarios América (GDA), do qual O GLOBO faz parte. No documento, especialistas do UNFPA analisam como a desigualdade social é causa e também resultado de desigualdades de gênero, o que é percebido de acordo com o nível de acesso de mulheres a planejamento familiar, métodos de contracepção, educação, postos de trabalho e leis contra a violência doméstica.
História Programada
Com três filhas, nenhuma delas planejada, a carioca Vanessa do Nascimento, de 30 anos, sente na pele essa realidade. A primeira gravidez, aos 17, fez a jovem parar os estudos por algum tempo. Ela retomou o ensino médio mais tarde e chegou a entrar em uma faculdade de enfermagem, mas não a concluiu. Já trabalhou como recepcionista, caixa de mercado e garçonete, mas está há um ano desempregada. Enquanto falava ao GLOBO, esperava uma senha para cadastro de emprego durante uma ação do instituto Gerando Vidas em uma paróquia de Padre Miguel, na Zona Oeste do Rio.
— Minha mãe morreu quando eu tinha 15 anos, e acho que isso comprometeu minha educação sexual, porque eu e meu pai simplesmente não conversávamos sobre isso. Tenho contraindicação para a maioria das pílulas anticoncepcionais, pois tenho nódulos no seio. Então só posso tomar algumas, que são mais caras. Depois da minha segunda filha, fui a um posto da Baixada me informar sobre colocação de DIU, mas não me receberam bem, não responderam minhas dúvidas. Fui deixando para lá, e foi aí que cheguei ao terceiro bebê — conta Vanessa, que mora em Senador Camará e tem filhas com idades de 12, 8 e 1 ano. — Hoje, falo sobre sexualidade e planejamento já com minha filha mais velha. Não quero que isso se repita com elas.
Estima-se que no Brasil a demanda não atendida por anticoncepcionais afete de 3,5 milhões a 4,2 milhões de mulheres em idade reprodutiva.
Segundo o representante do UNFPA no Brasil, Jaime Nadal, o risco de comprometer anos de estudo e acesso ao mercado de trabalho por conta de gestações não planejadas provoca um “ciclo de pobreza intergeracional” que impacta a economia dos países:
— Quando pensamos em desigualdade, pensamos em dinheiro e no que as pessoas têm ou não têm. Mas o relatório mostra que ela também está relacionada com o que as mulheres podem ou não decidir. As manifestações de desigualdade são multidimensionais e podem ocorrer de formas mais ou menos sofisticadas.
Ao exemplificar como as legislações podem desfavorecer mulheres, Nadal lembra que há países nos quais elas não têm direito a creches e licenças, o que as obriga a escolher entre sua vida profissional e sua vida reprodutiva.
— É preciso que os governos de todo o mundo estejam atentos a isso. O Brasil é um dos países que mais tem avançado nessa área, com mais unidades de saúde para atendimento à mulher e com o Bolsa Família, mas ainda falta muito — considera Nadal.
Zsuzsanna Jármy Di Bella, coordenadora da área de Ginecologia do Setor de Planejamento Familiar da Unifesp, ressalta que o fenômeno mundial das altas taxas de gravidez não planejadas tem feito com que países como os EUA realizem campanhas de incentivo aos métodos anticoncepcionais de longa duração, que podem chegar a dez anos.
— Se uma adolescente usa esse tipo de método, ela tem 20 vezes menos chance de engravidar do que se usasse um de curta duração, como a pílula, que tem adesão mais difícil.
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Redação iBahia
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