Ser discriminado pela cor da pele, credo e até mesmo pelo peso pode parecer uma realidade distante a alguns profissionais. Mas, acredite, perder uma vaga por sua aparência acontece com uma frequência maior do que os olhos desatentos conseguem enxergar.
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Por lei, a empresa não pode ter restrições de gênero, raça, idade ou qualquer tópico que fira ou gere discriminação, conforme a Constituição Federal. Por isso, a injustiça na seleção é geralmente velada.
Entretanto, há situações em que a exigência sobre a aparência é justificável. Em suma, não diz respeito ao que o funcionário é mas à sua apresentação na hora de exercer suas atividades. Por exemplo, não se pode exigir que o candidato tenha cabelo curto, mas pode ser uma regra ele ter que prendê-lo quando se trabalha em uma cozinha. Não se pode descartar uma candidata a babá por sua cor ou peso, mas pode exigir que a mesma não use brincos pequenos ou qualquer peça que a criança possa engolir.
A linha entre o que discrimina e o bom senso pode ser tênue e nada clara.
Como a prática discriminatória ainda é muito comum e algumas exigências causam polêmicas, o Boa Chance conversou com advogados e especialistas em recrutamento e seleção para esclarecer o que as instituições podem ou não exigir na aparência de seus candidatos e funcionários.
Regina Nakamura Murta, sócia responsável pela área trabalhista do escritório Bueno, Mesquita e Advogados, explica que legalmente não há nenhum impeditivo de uma empresa solicitar ao empregado adequações na aparência, desde que não seja de forma discriminatória, vexatória ou excessivamente rigorosa.
— A rigor, as empresas não podem fazer exigência quanto ao peso, idade ou gênero, sob pena de caracterizar um ato discriminatório. Quando falamos em peso, precisamos analisar o embasamento, por exemplo, se coloca em risco à saúde do candidato ou colaborador, mediante comprovação médica — explica Regina.
Situações vexatórias
De acordo com ela, se o pedido for discriminatório ou colocar o funcionário em uma situação vexatória, ele pode se recusar a atender e o empregador pode ter que pagar indenização por danos morais.
O contrário também vale. Se o pedido tiver sentido e for ligado à segurança do trabalhador, mas houver recusa, ele pode ser demitido por justa causa.
O também advogado trabalhista Nelson Tomaz Braga, do N. Tomaz Braga & Schuch Advogados e ex-presidente do Tribunal Regional do Trabalho da Primeira Região, acrescenta que a CLT veda a publicação de qualquer anúncio de emprego que faça referência ao sexo, idade, cor ou mesmo situação familiar, exceto quando a natureza da atividade a ser exercida exija de maneira inquestionável.
Por exemplo, diz, uma empresa que anuncia vagas para modelos acima de 100 quilos para uma marca de roupas para obesos ou a proibição de unhas postiças na área de saúde, de bigode e barba na indústria de alimentos. Segundo ele, são alguns casos em que a legislação permite a exigência do contratante.
— A legislação só permite exigências do tipo se houver um motivo que descaracterize totalmente a possibilidade de discriminação. Se não houver uma justificativa clara e inequívoca relacionada à atividade do funcionário, não é permitido — afirma Braga.
Ele acrescenta: — Lamentavelmente ainda vemos casos de discriminação de todo o tipo. Empresas que deixam de contratar um profissional porque ele mora longe e vai demandar um custo maior de vale transporte, ou porque é homossexual.
Regina conta que também já viu casos de homofobia e de a empresa criar restrições à roupa do funcionário por razões religiosas. Por outro lado, despeito do que é discriminatório, ela destaca há exigências dependem do ambiente de trabalho.
— Em um ambiente militar, sim, é possível a exigência do corte, em razão do regulamento interno e dos usos e costumes da profissão. Já em um ambiente escolar, a exigência de um determinado corte pode configurar um ato discriminatório.
Segundo os especialistas, o ideal é que para esses casos em que não há discriminação, a empresa tenha um código de vestimenta com as regras claras.
Posição política, exames de sangue e tatuagens
Outras situações que causam polêmica e podem configurar discriminação são sobre posição política e crença. A não ser que o profissional esteja se candidatando para trabalhar na campanha de um determinado político, não faz sentido saber qual é a sua bandeira.
— Há grandes chances a perguntar ter cunho discriminatório, assim, recomenda-se que o empregador evite este tipo de pergunta e se o empregado sentir-se discriminado, deve procurar um advogado para analisar o caso em concreto — analisa a advogada Regina Nakamura Murta.
Ruslan Stuchi, do Stuchi Advogados Associados, explica que não é pertinente ao entrevistador questionar a pessoa entrevistada quanto a sua fé ou partido político, a não ser quando a pessoa é da religião adventista, onde tem a questão da folga no sábado.
— São questões pessoais e crenças de cada grupo social, não intervindo no ambiente de trabalho.
Segundo ele, uma situação em que caberia ao empregador intervir é se o empregado trouxer estes questionamentos ao ambiente de trabalho e começar a deixar o ambiente de trabalho desconfortável com tais assuntos.
Stuchi lembra ainda que a empresa não pode exigir a abertura de conta corrente em banco específico ou a consultar o nome do empregado nos dados do SPC Serasa. Mas pondera que o candidato tem que estar atento às regras gerais da profissão e da empresa escolhidas.
— Os profissionais devem seguir o bom senso da área que escolheu para seguir, pois muitas vezes exigem requisitos básicos. No caso do Exército, polícia ou Corpo de Bombeiros é exigido muito esforço físico e psicológico para desempenhar a função e nem todos têm esta disposição. No caso das aeromoças, a questão do peso precisa ser analisada por uma questão de segurança. Estas exigências do empregador não são anormais quanto alguns funcionários pensam que são — considera Stuchi.
Um outro caso que também causa desconforto é a tatuagem. Segundo o advogado Nelson Tomaz Braga e Milena Bizarri, da Mazars, a empresa pode pedir para esconder a tatuagem, porém o funcionário pode discordar.
— É preciso bom senso na hora de expor a tatuagem, principalmente quando existe contato com o cliente. E a empresa deve ter cuidado para não ser preconceituosa — explica Braga.
— A empresa pode e deve ter um código de vestimenta e conduta que obedeça aos padrões que ela entende que atendam ao seu público-alvo. O código pode deixar claro que tatuagens não podem estar à mostra. Porém, ninguém pode ser discriminado por tê-las — acrescenta Milena.
Braga destaca que os editais de concurso público não podem barrar candidatos aprovados apenas por terem tatuagem, embora isso ainda aconteça, e que o funcionário não pode ser demitido por tatuar o corpo.
— Todavia, alguns editais continuam a vetar candidatos por isso. E, se um empregado faz uma tatuagem, isso não pode ser motivo para ser demitido. Infelizmente, sabemos que na prática a causa da demissão pode estar camuflada por outro motivo qualquer. Visando evitar esse tipo de situação, existe um projeto de lei como adição à Lei 9.029 de 1995 que pretende proibir a discriminação de pessoas com tatuagem e piercing no ambiente de trabalho — esclarece Braga.
E, por fim, há ainda a dúvida sobre a solicitação de exames de sangue ou gravidez. Todos os especialistas são enfáticos ao afirmar que em hipótese alguma a empresa pode exigir saber se a funcionária está grávida antes de ser contratada. Isso pode render um processo trabalhista discriminatório.
— A empresa não pode fazer distinção de funcionários entre mulher e homem ou entre um funcionário sadio ou com alguma doença que não o impeça de trabalhar, como o portador de HIV. Este tipo de discriminação também pode acarretar ao empregador um processo trabalhista discriminatório — pontua Ruslan.
Milena inclui na lista de perguntas mal vistas a famosa: “Quando pretende ter filhos?” — que, diga-se, nunca é questionada a um homem.
— Perguntas não relacionadas às habilidades técnicas do candidato, voltadas unicamente para seu caráter pessoal, e que não tenham qualquer relevância para a atividade a ser exercida, podem, sim, ser consideradas como discriminatórias — explica.
Quanto aos exames, Regina pondera que há situações em que o teste de sangue pode ser solicitado. Por exemplo, afirma, quando o candidato ou funcionário é exposto a agentes químicos ou a contaminação por patologias infectocontagiosas, que podem trazer risco à saúde.
— Neste casos, é permitido a exigência de exame de para acompanhar os riscos.
Caso o profissional se sinta discriminado, segundo eles, deve buscar uma resolução com a própria empresa, amigavelmente.
— Caso não obtenha êxito, deve recorrer à justiça, buscando os serviços de um advogado ou, se não puder pagar os honorários e tiver como comprovar a hipossuficiência, procurar a Defensoria Pública — diz Braga.
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Redação iBahia
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