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ENTRETENIMENTO

Apaixonados, casal se veste com as mesmas cores há 17 anos

O hábito começou quando uma doença o deixou cego. Colorir-se virou uma forma de enfrentar o problema e celebrar o amor e a vida

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12/10/2014 às 13:10 • Atualizada em 27/08/2022 às 20:49 - há XX semanas
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Casal se veste com as mesmas cores há 17 anos
(Foto: Marina Silva)

Pouco importa se o dia está cinza ou se o azul do mar se confunde com o do céu. Pouco importa se flores buganvílias exalam rosa-choque nos muros das casas ou se a palha dos coqueiros exibem um marrom seco. Pouco importa se os girassóis estão cabisbaixos ou se procuram o amarelo do sol. Pouco importa com que coloração o dia se apresenta. O que importa, ao menos entre ele e ela, é que o amor tem as cores vibrantes da Primavera. Jaime Nery da Silva, 70 anos, e Maria Dalva dos Santos Silva, 67, transferem para as roupas a pigmentação de seus espíritos alegres. Há 17 anos, tempo em que o mundo de Jaime escureceu de repente, o casal desfila seu amor multicromático pelas ruas de Salvador, especialmente do bairro da Barra, onde moram.
Impecáveis, vestem-se sempre com a mesma tonalidade. Do pink ao black, do verde e branco ao cenoura, escolhem uma cor predominante a cada manhã. Na verdade, a escolha é feita na noite anterior. "Eu arrumo tudo de noite. Dá uma trabalheira danada, mas faço com o maior prazer. Arrumo a minha roupa e a dele. No dia seguinte, a gente sai para brilhar", afirma dona Dalva, que gosta mesmo é do jeito cintilante que Jaime a chama: Estrela Dalva.
No arco-íris amoroso que se tornou a vida de Jaime e Dalva, não há restrição de cores, apesar de o cinza, o bege e o azul bebê não terem muita chance no guarda-roupas. "Admito que sou uma árvore de Natal ambulante. Gostamos de cores fortes e berrantes. Mas tudo é uma questão de atitude. Tem que ter personalidade para se vestir assim, né", diz Dalva, mais falante que Jaime, sempre aprovando a fala da esposa com o balançar da cabeça e um elogio. "Ela é linda, né", repetiu inúmeras vezes.
O guarda-roupas dos dois impressiona. Tem mais opção de cores que cartilhas da Suvinil. Só de suspensórios dele são mais de 15 diferentes. "A gente faz tudo para combinar. E eu adoro suspensório", explicou seu Jaime, que tem uns 20 "sapatos de deputado", 15 ternos e blazers e 10 boinas coloridas. "Gravatas, impossível saber quantas são", brinca. Os sapatos dela são quase todos forrados de tecidos. Os mesmos tecidos das roupas dele e dos vestidos. "Meus vestidos e sapatos nunca tive coragem de contar".

Casal se veste com as mesmas cores há 17 anos (Foto: Marina Silva)

Se os dois brilham no dia a dia, imagine em ocasiões especiais. Jaime e Dalva param qualquer festa. Sábado passado, em uma formatura, escolheram vermelho e preto. Ela de vestido de paetês vermelho e detalhes pretos. Ele de terno preto, lenço e gravata vermelhos. Em casa, costumam ficar mais à vontade. Mas, quando se deitam para dormir, voltam a ajustar os matizes. Combinam pijama, camisola e sonhos.
Não há traje preferido. Mas há preferências. Não é incomum vê-los desfilando de uva nos shoppings e supermercados da vida. Ele: terno branco, sapatos e calça uva, gravata branca, boina e lencinho de bolso uva. Ela: vestido, sapato e carteira uva. Como toque especial, bijuteria branca. E então, naquele dia, em uma trivial manhã de visita ao médico ou rápida passagem na Farmácia Sant’Ana, o amor é uva.
Preto As roupas de Jaime e Dalva não se acham ali na esquina. Se for preciso, vão a São Paulo buscar novas peças. "Tenho que suar muito para achar", diz ela. Mas, como isso começou? De onde veio a tinta que deixou essa mancha de paixão supercolorida? Acredite: veio do sofrimento. Tudo começou em 24 de outubro de 1997. Seu Jaime, que tem diabetes, não estava muito bem das vistas. Eis que, durante um exame oftalmológico, perdeu a visão dos dois olhos. Nos próximos dias, completam-se 17 anos que tudo escureceu. Inabalável, ele não deixou de enxergar o colorido da vida. "Foi um momento difícil, mas resolvemos enfrentar com alegria. A felicidade está na maneira como nos colocamos diante dos problemas", afirma o servidor público aposentado. Para ajudar o marido, Dalva resolveu inovar. Queria criar uma unidade visual, fazer Jaime imaginar a vida com a beleza das cores.

Casal se veste com as mesmas cores há 17 anos (Foto: Marina Silva)

Dali em diante seriam almas gêmeas coloridas a vagar juntas. "Achei que se a gente vestisse roupas iguais, Jaime estaria mais seguro, mais protegido. Somos um só. Mas também é uma forma de provocar a imaginação dele", explica a professora aposentada. A imagem é sempre a mesma. Ela na frente e ele apoiado em um de seus ombros. "Ele é cego mas não usa bengala. Eu sou a bengala dele", brinca.
A seu Jaime resta fantasiar, vislumbrar no seu mundo íntimo o colorido das roupas, mas também dos carros, das árvores, dos prédios. "Pergunto a ela com que cores estamos vestidos e consigo imaginar cada detalhe". Assim, Jaime e Dalva experimentam as cores que um amor de verdade pode oferecer. Pouco importa com que tons a vida se apresenta.
Baila rendeu 50 anos de casamento No tempo de seu Jaime e dona Dalva não existia amizade colorida. Pegou na mão era casamento. E assim, nos idos de 1961, em um baile na zona rural de Miguel Calmon, no Centro-Norte baiano, os dois se conheceram. Ela tinha 13 anos. Ele, 17. Escolhida para ser a princesa do baile, Dalvinha usou salto alto pela primeira vez. "Eu era uma criança. Me levaram para um quarto para me arrumar. Antes da festa, abri a porta do quarto para dar uma caminhada e amaciar o sapato. Dei de cara com ele, que me soltou o primeiro elogio. 'Menina, você está lindíssima'. Me derreti", recorda. Mas Dalva era novinha demais para aquele tocador de clarineta da banda que iria animar a noite regada a muita "gasosa". "Não tinha maldade. Depois da festa, tirei minha roupa de rainha e fui dormir", conta. Somente quatro anos depois, em novo baile na casa de um fazendeiro, Dalva e Jaime se reencontraram. Ela mal lembrava dele." Tinha tanta gente naquele salão e a primeira pessoa que vi foi aquele músico do coreto. Mas não lembrava dele. Tanto que pensei: 'Que rapaz bonito aquele'". Aí começou a paquera. Horas depois, debaixo de uma gameleira, o pedido de namoro. A resposta dela? "Está certo e Deus tome conta". Ele ainda pediu um beijo. "Não! Se contente em pegar na minha mão". Estavam casados nove meses depois, em 6 de fevereiro de 1965. "E como Deus tomou conta, hein? Fomos e somos muito felizes", atesta dona Dalva. Tiveram três filhos, todos crescidos e formados. No início do ano que vem, Jaime e Dalva fazem bodas de ouro. São 50 anos juntos. "Nos nossos 40 anos, escrevi uma carta sobre a gente e gravei para ele ouvir. Toda vez que ouve, chora", entrega. Verdadeiro conto de fadas As ondas do mar da Barra parecem embalar a história de amor incondicional deste casal das mil cores. Na vizinhança, quem conhece Dalva e Jaime fica encantado. "É um conto de fadas. É tão difícil ver isso hoje em dia. O que a gente vê por aí é o pessoal casando hoje e descasando amanhã", afirma Nádia de Jesus, 30, balconista de uma farmácia frequentada pelo casal. "Um amor desse é lindo de ver. Um tal de 'bem' pra lá e 'amor' pra cá. E ainda com a mesma cor. Quero ficar velhinha assim com meu namorado", deseja. Quem ouve a história pela primeira vez fica incrédulo. Mas a história deles é mais do que fantasia. Para alguns, também é uma história para se inspirar. Santiago Santos, 52, administrador do prédio onde mora o casal, sofre de glaucoma. Tem dificuldades para ler ou ver as pessoas nas ruas. Há três anos não sabe o que é dirigir. Apesar disso, não reclama da vida. "Seu Jaime e dona Dalva têm tanta alegria que nem sei qualificar. Nunca vi eles tristes. Bato palmas para eles. É uma inspiração", elogia. Matéria original: Correio 24h Casados há meio século, casal se veste com as mesmas cores há 17 anos

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