Quando a arquiteta Lina Bo Bardi (1914-1992) começou a idealizar o projeto do Museu de Arte Moderna da Bahia - MAM, em 1959, seu maior desejo era transformar o espaço também em um ponto de convergência para que arte, educação e cultura popular pudessem se encontrar.
Hoje, 54 anos depois da fundação do museu, o paulista Marcelo Rezende, 44 anos, diretor da instituição há apenas quatro meses, quer resgatar esse ideal: “Temos que trazer as pessoas e devolver o MAM para o povo. Não existe hierarquia para frequentar e todo mundo pode vir, seja para uma exposição ou para ver o pôr do sol”, convida.
Marcelo, que também é jornalista, curador e escritor, foi editor de conteúdo do Programa Cultura e Pensamento do Ministério da Cultura (MinC), entre 2006 e 2011, período em que conheceu Gilberto Gil e Juca Ferreira e se aproximou da Bahia. Antes, morou quatro anos em Paris, onde conciliava o trabalho como correspondente internacional e os estudos em Filosofia. À frente de um acervo com mais de duas mil peças e dirigindo o museu mais importante da cidade, ele diz que deseja ver a produção local se efetivar. “Salvador pulsa criatividade e vamos dar espaço a isso”, revela.
Como surgiu o convite para vir trabalhar em Salvador?
Quando estava no MinC, participei de um projeto chamado Cultura e Pensamento, que atua na área de debates e algumas vezes vinha avaliar projetos na Bahia. Com isso, minha relação foi se estreitando. Já conhecia o MAM, inclusive participei de algumas atividades na gestão anterior. Quando Albino (Rubim, secretário estadual de Cultura) me convidou, comecei a me debruçar sobre o projeto para encarar o desafio.
Você nasceu em São Paulo, trabalhou como jornalista e curador. Como foram essas experiências antes do MAM?
Sou formado em Jornalismo pela PUC-SP e Filosofia, na Faculdade de Ciências Humanas da USP. Em 1998, me mudei para Paris, onde fui aprofundar os estudos de filosofia. No jornalismo, trabalhei nos cadernos Mais e Ilustrada, da Folha de S. Paulo, mas nos últimos sete anos estava me dedicando à curadoria de arte, quando fui chamado para o MAM.
Qual você considera o seu maior desafio ao dirigir uma insituição com essa importância?
Acima de tudo, eu defendo um projeto coletivo em que uma das plataformas é conseguir transformar esse espaço numa usina de conhecimento. Queremos reunir todos os tipos de linguagens artísticas. Aqui, por exemplo, na sala do diretor, tem espaço para realização de uma exposição. Nesta sala, o artista plástico Arthur Scovino (que trabalhava no momento da entrevista) está preparando mais uma peça para sua exposição, O Caboclo dos Aflitos, que reúne vídeo, cultura popular baiana e textos em pequenas mídias de DVD.
A ideia seria atrair mais a população de Salvador para o espaço?
Queremos devolver o museu para todos. Não existe uma hierarquia e ele deve pertencer a todos, seja para ver uma exposição ou o pôr do sol. Vamos fazer com que os projetos sejam discutidos dentro de uma experiência coletiva. Entre uma das ações, por exemplo, está a criação do Museu Móvel Volante, que consistirá em visitar bairros mais afastados do centro de Salvador, como Plataforma, por exemplo, e deixar o MAM por uma semana, dentro de um carro disponível para visitação.
Então, sua intenção é quebrar um paradigma? Você acha que todos esse anos o MAM funcionou apenas “para dentro” de si mesmo?
Não seria uma quebra de paradigma, porque essa aproximação popular está na base da criação desse espaço. Quando Lina Bo Bardi criou o projeto, ela, inclusive, previa a criação de um Museu Popular aqui. Com o passar dos anos, o museu se afastou dessa característica e agora vamos voltar à origem. O espaço tem que ser de todo mundo.
Como tem sido a experiência de morar e trabalhar em Salvador?
No início, foi um pouco tenso, porque sentia um questionamento pelo fato de eu ser paulista e vir dirigir o órgão aqui na Bahia. Mas, com o passar do tempo, fomos abrindo ao diálogo e a coisa está fluindo muito bem. Salvador parece um pouco com Roma, em alguns aspectos. Existem linguagens e códigos próprios que você não entende muito bem o porquê, mas vai funcionar sempre assim...
Essa característica da cultura soteropolitana impede, por exemplo, que ela absorva conceitos de arte contemporânea?
Vamos estrear, no próximo mês, uma exposição chamada Esquisopólis, que vai tratar dessa necessidade de Salvador de criar um centro moderno para o lado da Paralela e Pituba. O professor de Arquitetura da Ufba Isaias de Carvalho define que em Salvador há uma associação esquizofrênica entre o passado e o presente. Acho que há um desejo de construir esta cidade para frente. Dentro desse contexto, surge a arte contemporânea que está sendo produzida todos os dias. O papel do museu é mostrar isso e criar espaço para os acontecimentos artísticos desse tempo.
Qual seria a diferença entre arte moderna e contemporânea? Há quem defenda que não exista uma separação entre os conceitos.
Acho que a arte moderna surge para dar conta de um determinado período da história, enquanto a contemporânea é livre e não está separada, e sim mergulhada num grande caldo. Necessariamente, não quer dizer que nela exista apenas tecnologia.
Qual é o orçamento anual do MAM?
Houve um pequeno incremento do ano passado para 2013, e agora temos R$ 1,3 milhão. Se você me perguntar, claro que acho pouco, digo que sim, mas também quero tentar viabilizar uma espécie de grupo de ‘Amigos do MAM’, que poderá contribuir com os projetos. Mas acredito que o orçamento baixo não é desculpa para apatia. Podemos realizar as atividades dentro desse limite de dinheiro.
Como parte do projeto do museu, também há espaço para um intercâmbio nacional entre obras de arte contemporânea?
O MAM não pode ser apenas um receptor. É preciso pensar nos próprios projetos mas, sobretudo, mostrar outras ideias, criando um clima de diálogo. É absolutamente possível que alguém do outro lado do mundo tenha uma realidade que seja muito parecida com a nossa e isso pode ser apresentado em todas as linguagens artísticas, como música, poesia e visuais.
Em conjunto com a nova gestão, a estrutura física do MAM também passará por intervenções este ano. O projeto prevê novos espaços, ampliação e qualificação do setor de guarda do acervo, entre outras ações, totalizando um investimento de quase R$ 16 milhões, através de recursos do governo estadual por meio do Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia (Ipac).
Dentre as novidades estão a instalação de livraria, loja, estúdio para residência artística e abertura diária da biblioteca. Outras ações previstas são o uso de equipamentos para controle da umidade, da radiação solar e dessalinização. Os espaços vão ganhar climatização, iluminação, além de novo mobiliário e equipamentos. “São melhorias necessárias, que nunca foram feitas desde a criação do museu”, explicou Marcelo.
Atualmente, o MAM tem um acervo com duas mil peças, sendo que apenas 300 delas conseguem ter abrigo no próprio espaço. As outras estão guardadas em salas no Palacete das Artes. “Nosso ideal é criar uma exposição a cada estação do ano com um recorte do nosso acervo”, disse. Entre as peças estão o quadro O Touro, da pintora ícone do modernismo Tarsila do Amaral (1886-1973).
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