A empresária F. já passara dos 40 anos quando começou a ouvir o “barulhinho para ser mãe”. Ela e algumas amigas tinham papos constantes sobre maternidade até que um dia uma delas telefonou para contar como fora a experiência em uma clínica de reprodução: “fiz uns exames, e meus óvulos estão ruins. Estou ligando para incentivá-la a congelar os que ainda lhe restam”. F. estava exatamente com 41 e seguiu o conselho. A situação também não era das melhores, mas, graças a essa atitude, foi capaz de guardar as poucas células reprodutivas que ainda tinha e ser mãe de gêmeos, aos 44.
Decisão parecida foi tomada por J., quando tinha 36 anos. Além de trabalhar demais, o tal barulhinho ainda não tinha “soado”, mas ela pensava constantemente na possibilidade de um dia querer ficar grávida e não conseguir. Para evitar arrependimentos e frustrações, também se submeteu ao congelamento de óvulos. Acabou tendo bebê naturalmente no ano passado, aos 39, mas ainda mantém suas células guardadas para caso um dia queira dar um irmão ou uma irmã a sua menina.
A iniciativa de F. e J. tem sido cada vez mais comum entre uma geração que coloca como prioridades o sucesso profissional e a estabilidade financeira e psicológica antes de começar uma família. A tecnologia veio para ajudar a resolver a crueldade do tempo, que passa veloz quando o assunto é a capacidade de reproduzir.
— Hoje, mulheres de 40 anos parecem ter 30. Elas estão cada vez mais jovens de cabeça e de aparência, por causa da medicina estética e das atividades físicas. Só que, reprodutivamente, elas são mulheres de 40, e os ovários estão envelhecendo, independentemente do que façam — explica o especialista em reprodução humana Mateus Roque, da clínica Origen.
O congelamento tornou-se uma prática médica de sucesso desde 2012, quando as sociedades de medicina ao redor
do mundo passaram a avalizar uma técnica inventada por cientistas japoneses, chamada vitrificação. Segundo Roberto Antunes, um dos diretores da Sociedade Brasileira de Reprodução Assistida e sócio da clínica Fertipraxis, esse método consegue manter a eficiência do óvulo independentemente do tempo em que ele fique armazenado.
— Antes, usávamos a técnica do congelamento lento, que reduzia a temperatura da célula de forma gradual. Acontece que, desse jeito, a água de dentro do óvulo virava cristais de gelo, que danificavam o material celular — explica Roberto. — Com a vitrificação, a água passa de líquido para gel rapidamente, sem formar cristais.
Apesar de toda tecnologia envolvida, o procedimento (cujos custos variam entre R$ 15 mil e R$ 20 mil) não é certeza absoluta de que a mulher vá engravidar. Por isso, os médicos aconselham que ele seja feito entre 30 e 35 anos, quando a quantidade e a qualidade dos óvulos são maiores. Para se ter uma ideia, uma menina, ainda na barriga da mãe, tem entre seis e sete milhões de folículos (de onde saem os óvulos). Quando ela nasce, o número cai para dois milhões. Na puberdade, sobram 500 mil, e o corpo da adolescente “joga fora” cerca de 500 folículos por dia, sem que nada possa ser feito para que esse número seja diferente. Quando chega próximo aos 50 anos, a mulher tem 2,5 mil folículos, muitos deles sem utilidade.
— A partir dos 35 anos, a qualidade e a quantidade de folículos começa a cair, porque o consumo diário continua acontecendo e sobram os de menor potencial. Isso influencia na qualidade genética do embrião que será formado posteriormente — explica o ginecologista Eduardo Dale.
A analogia é simples: pense num pacote de biscoitos. Quando abrimos a embalagem, o alimento está em perfeito estado. No dia seguinte, ele já não estará tão gostoso assim. Uma semana depois, estará completamente murcho. Com os óvulos, acontece algo parecido numa escala de tempo maior.
Por causa da idade, F. quase não teve sucesso com o congelamento. Quando se submeteu ao primeiro tratamento, aos 41 anos, conseguiu guardar apenas três óvulos saudáveis. Meses depois, mais três. Ela sabe que sua gestação de gêmeos teve dedo do destino, pois o risco de todos esses seis não conseguirem se desenvolver em seu útero era grande.
— Fiquei aguardando por muito tempo uma relação legal. Agradeço minha amiga até hoje por ter me dado força, mas sei que tive sorte em engravidar — diz F., que fertilizou os óvulos com esperma doado.
Mais jovem que F. quando procurou uma clínica, J. conseguiu, de uma vez só, nove células.
— O tempo passa muito rápido. Hoje, você está com 30 e amanhã está com 35. Tenho amigas que deixaram passar e agora não têm mais o que fazer — diz J. — E ninguém falou para elas antes sobre a possibilidade de armazenamento.
Os especialistas em reprodução costumam ser categóricos com os colegas ginecologistas: é preciso conversar com as pacientes sobre planejamento familiar e lhes mostrar como pode ser difícil engravidar naturalmente no futuro.
— A fertilidade não é infinita. Costumo brincar que o homem tem uma fábrica, está o tempo todo desenvolvendo espermatozoides. A mulher tem apenas um “saquinho” de óvulos, que não se renova — diz Roberto.
A falta de informação, no entanto, não é o único entrave para que o procedimento se torne sistêmico. O fator dinheiro também é algo que pega, pois nem toda mulher pode arcar com a alta despesa do congelamento, que, na maioria dos casos, é bancada única e exclusivamente pela interessada em ser mãe. Além de a medicação que estimula a múltipla ovulação ser extremamente cara, existe uma taxa de manutenção do “freezer”, que pode chegar a R$ 1,5 mil por ano.
No Brasil, há quatro grandes laboratórios autorizados a comercializar a gonadotrofina, hormônio que induz os folículos a liberarem óvulos. Diferentemente de países como Índia e China, não há genéricos ou similares que forcem o barateamento dos remédios. E nem adianta contar com a cobertura de planos de saúde ou da rede pública.
Por isso, mais do que nunca, é necessário planejar com cautela o futuro. Afinal, a vida reprodutiva é como uma ampulheta: uma vez virada, não dá para voltar atrás.
COMO É FEITO
Antes de congelar
Para iniciar o estímulo à ovulação, o médico encaminha a paciente para uma bateria de exames de sangue. Com os resultados em mãos, os especialistas calculam a dose necessária de medicação.
Estímulo hormonal
A aplicação subcutânea do hormônio gonadotrofina, que incita os folículos, é feita entre oito e dez dias. A medicação pode ser injetada pela própria paciente, como se fosse uma insulina. A cada dois dias, é feita uma ultrassonografia para acompanhar a evolução ovariana. Entre os efeitos colaterais, pode haver retenção de líquidos, dor de cabeça e outros sintomas próprios da tensão pré-menstrual, que cessam ao final das injeções.
Aspirando os folículos
A captura dos óvulos dura em torno de 30 minutos e é feita por uma agulha fina, guiada por um aparelho de ultrassonografia transvaginal até a entrada de cada um dos folículos. Uma sedação deixa o procedimento indolor, e em poucas horas a paciente já sabe quantos óvulos maduros foram aspirados e poderão ser congelados por anos, sem perda de qualidade. Se a mulher tiver mais de 50 anos e quiser implantar embriões vindo desses óvulos, ela precisa, segundo o Conselho Federal de Medicina, de autorização de mais de um médico antes da fertilização.
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Redação iBahia
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