A Polícia Federal (PF) cumpriu cinco mandados de busca e apreensão em Curaçá, no norte da Bahia, e em Brasília, no Distrito Federal, no âmbito de uma investigação sobre o vírus letal que afeta as ararinhas-azuis, espécie ameaçada de extinção nesta quarta-feira (3). Segundo as investigações, empresas responsáveis pela reintrodução dos animais à natureza na Bahia teriam descumprido protocolos sanitários.

O circovírus é um patógeno altamente grave e potencialmente fatal. Conforme o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) informou ao g1, ainda não se sabe como as espécies brasileiras reagirão ao vírus, uma vez que, até então, não havia registros de casos em animais de vida livre no Brasil. O vírus afeta os bicos e as penas das ararinhas, mas não é transmissível para seres humanos nem para aves de produção.
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A situação ganhou atenção em 27 de novembro, quando o ICMBio divulgou que todas as 11 ararinhas-azuis que estavam em vida livre na Bahia testaram positivo para o circovírus. Na terça-feira (2), o ICMBio atualizou o número, informando que, além das 11 aves, outras 20 também foram diagnosticadas com o vírus.
Porém, a gestão do Criadouro Ararinha Azul contestou os dados do ICMBio, alegando que apenas cinco aves apresentaram o circovírus, conforme demonstrado em pelo menos um exame. O criadouro também destacou que as outras 98 aves mantidas no local testaram negativo para o patógeno.
A instituição afirmou que trabalha há mais de 15 anos na conservação da espécie, segue rigorosos protocolos de biossegurança e considerou as acusações infundadas.
Em resposta ao caso, a PF deflagrou a operação Blue Hope para investigar as alegações. Durante a operação, foram apreendidas aves e dispositivos eletrônicos nos locais vistoriados.
A PF também informou que o criadouro investigado resistiu às medidas emergenciais determinadas pelo ICMBio, como o isolamento sanitário, a testagem contínua das aves e a coleta dos animais em vida livre.
Os responsáveis podem ser processados pelos seguintes crimes:
- disseminação de doença capaz de causar danos à fauna;
- matar animais da fauna silvestre;
- obstrução de fiscalização ambiental.
As penas, se somadas, podem chegar a até oito anos de reclusão, além de sanções administrativas.
Multa de R$ 1,8 milhão
Após a detecção de circovírus em uma ararinha-azul, em maio deste ano, o ICMBio instaurou o Sistema de Comando de Incidente para gerenciar a emergência e evitar a propagação do vírus entre as aves da região.
Durante as vistorias realizadas em conjunto com o Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema) e a Polícia Federal, foi constatado que o criadouro responsável pelo Programa de Reintrodução da Ararinha-Azul não estava seguindo os protocolos de biossegurança exigidos para fins científicos.
Como resultado, o Criadouro Ararinha-Azul, localizado em Curaçá, foi multado em cerca de R$ 1,8 milhão.
Entre as medidas de biossegurança não cumpridas, destacam-se a falta de limpeza e desinfecção diária das instalações e utensílios, incluindo os comedouros onde era fornecida alimentação às aves de vida livre. Esses comedouros estavam extremamente sujos, com acúmulo de fezes ressecadas.
Além disso, foi observada a ausência de equipamentos de proteção individual (EPIs) pelos funcionários, que estavam utilizando chinelos, bermuda e camiseta durante o manejo das aves, quando o uso adequado de EPIs é essencial para garantir a segurança tanto dos animais quanto dos trabalhadores.
O que diz a empresa
"O Criadouro Ararinha-azul, localizado em Curaçá (BA), rejeita com “veemência” as acusações de negligência, desleixo e condições insalubres nas instalações, onde mantém 103 ararinhas-azuis, sendo 98 negativas para o circovírus. A instituição afirma seguir protocolos rígidos de biossegurança e bem-estar animal e conta com instalações e equipamentos adequados ao manejo das aves.
A instituição privada, sem fins lucrativos, não utiliza recursos públicos e é mantida principalmente com capital estrangeiro. A equipe de trabalho é formada por profissionais brasileiros e estrangeiros de alto nível, como médicos-veterinários, tratadores aviculturistas e consultores especialistas em manejo e reprodução de ararinhas-azuis, que trabalham há mais de 15 anos para a conservação dessa espécie, 24 horas por dia, 7 dias por semana, durante todo o ano, em um espaço de mais de 2,6 mil metros quadrados.
A direção do criadouro explica que as aves recebem alimentação balanceada, vivenciam um conjunto de práticas que melhoram o bem-estar físico e psicológico dos animais em cativeiro, têm assistência veterinária permanente e o manejo é feito em ambiente limpo e seguro. O sucesso reprodutivo da espécie, com o nascimento de filhotes em cativeiro, é apontado como um dos indicadores da qualidade da empresa no cuidado oferecido às ararinhas.
A instituição contesta ainda a informação de que “as últimas ararinhas-azuis na natureza” estariam sob risco iminente em razão do circovírus. Até 2019, não havia nenhuma ararinha na Caatinga. Com a construção do criadouro, 101 aves foram trazidas para o bioma. Hoje, segundo o criadouro, há 103 ararinhas-azuis sob seus cuidados, sendo 98 com exames negativos para o vírus e 5 com detecção de circovírus em ao menos um exame.
Quanto às 11 aves de vida livre capturadas, os exames mais recentes identificaram vírus detectado em 5 aves no total (3 do plantel e 2 das recapturadas), com divergência entre metodologias laboratoriais. Testes realizados com técnicas convencionais, inclusive pelo laboratório do governo, apontam para 3 aves positivas, em contradição a outro teste que detecta o vírus para as 11 araras. Essas aves estão isoladas, e estão sem contato com outras araras, com separação de utensílios e profissionais. O criadouro mantém ainda duas maracanãs, ambas com exames negativos.
Em vez de atuar em cooperação para enfrentar um problema sanitário que existe no Brasil há mais de 30 anos, o Estado prefere transferir a culpa e buscar punições contra uma entidade privada que investe recursos próprios na conservação de uma espécie ameaçada. Até o momento, o criadouro não teve acesso ao laudo técnico completo que fundamenta a multa de R$1,8 milhão aplicada pelo ICMBio. Diante desse cenário de acusações consideradas infundadas e sem a apresentação dos laudos, a direção do criadouro informa que pediu acesso ao processo e uma reunião técnica com laboratórios e autoridades para reavaliar os exames. A empresa reafirma que responsabilizar o estabelecimento sem análise técnica aprofundada, ignora a complexidade do caso e desestimula iniciativas que contribuam para a proteção da ararinha-azul.
A instituição lembra ainda que a primeira ave detectada com circovírus estava solta na natureza, destaca que o vírus, no Brasil, foi registrado há cerca de 30 anos em feiras, centros de reabilitação de fauna e em comércio de animais."
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