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Preta Bahia

De aluna sem livros a Pós-doutora em Educação: conheça Mabel Freitas

'A educação é a alavanca para pessoas pretas ascenderem', destacou a baiana Mabel Freitas

Lucas Sales • 25/05/2024 às 8:00 • Atualizada em 25/05/2024 às 16:17 - há XX semanas

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Quando menina, Régia Mabel da Silva Freitas se encantava por cada descoberta feita no processo de alfabetização. Para ela, estar dentro da escola era um vislumbre em abundância. Não é à toa que começou a estudar aos 2 anos, foi alfabetizada aos 5 e se sentia totalmente à vontade e segura dentro do espaço de ensino.


				
					De aluna sem livros a Pós-doutora em Educação: conheça Mabel Freitas
'A educação é a alavanca para pessoas pretas ascenderem', destacou a baiana Mabel Freitas. Foto: Acervo pessoal

Agora, a então Pós-doutora Mabel Freitas tornou-se uma referência nacional em Educação Antirracista. No entanto, a trajetória não foi fácil. Ela encarou diversas dificuldades nas andanças escolares e o primeiro susto aconteceu quando ainda cursava o Fundamental II.

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Em entrevista ao iBahia para a editoria Preta Bahia desta semana, a pesquisadora relembrou quando uma professora da matéria de Religião a classificou com uma sigla que não lhe cabia.

"Eu era uma criança preta, numa escola particular, que não tinha todos os livros, e, por causa disso, tomei um 'NFT' [sigla criada por uma professora para registrar que os alunos 'não fizeram a tarefa']. Mainha e Painho já pagavam uma mensalidade cara, não tínhamos condições de comprar todos os livros novos e eles priorizavam Português, Matemática, Ciências, História, Geografia [...]. Muitos livros já tinham sido utilizados por alguém antes e eu apagava as respostas antes de iniciar meu ano letivo", relatou.

Embora a pesquisadora tivesse explicado à professora que não possuía o livro ainda, a educadora manteve o posicionamento e foi pega de surpresa pela postura de um colega de classe.


				
					De aluna sem livros a Pós-doutora em Educação: conheça Mabel Freitas
'A educação é a alavanca para pessoas pretas ascenderem', destacou a baiana Mabel Freitas. Foto: Acervo pessoal

"Essa sigla que eu tomei foi um fato muito marcante. Um colega ficou muito revoltado [com a situação] e eu tinha explicado para a professora que eu não tinha feito a tarefa, porque eu não tinha o livro. Ele surpreendeu e disse: 'Dê NFT para mim, a partir de hoje ela não vai tomar mais o NFT, ela é a melhor aluna da sala'. Ele pegou o livro dele novo de Religião e me presenteou. Fiquei sem graça, mas muito agradecida", lembrou.

O episódio marcou a memória de Mabel e é por isso que ela faz questão de doar uma cota das obras que produz. Na trajetória educacional, a Pós-doutora tem um livro publicado ("Bando de Teatro Olodum: uma política social in cena"), 25 capítulos em obras de projeção nacional, mais de 15 textos publicados, em revistas nacionais e internacionais, como artigos, cordéis, poemas e afins e também já organizou mais de 10 coletâneas. O segundo livro já está em fase de publicação.

A mais recente obra da baiana é o “Educação Antirracista com gosto de dendê e cheiro de pitanga: orí-entações pedagógicas negrorreferenciadas”. O livro foi lançado pela Assembleia Legislativa da Bahia (Alba) e foi distribuído gratuitamente para os 417 municípios da Bahia, todas as bibliotecas estaduais e também para universidades públicas e privadas nacionais.

"Hoje, eu escrevo os livros e presenteio muitas pessoas. Eu acho que tenho obrigação de também doar livros, porque quero que muitas pessoas tenham acesso a saberes", disse ela.

Mabel Freitas e os livros barrados no aeroporto

Uma outra situação marcante na trajetória da pesquisadora envolveu o pedido de auxílio a pessoas desconhecidas em um aeroporto para trazer a primeira obra dela lançada em 2014. Mabel foi aprovada em um edital na Universidade Federal de Pernambuco, mas, por causa do excesso de bagagem, as obras poderiam não chegar em Salvador.

"Eu fui a única baiana contemplada [no edital]. Eles [a UFPE] pagaram minha passagem. Eu fui, participei do lançamento lá e a chegada desses livros aqui foi engraçada. Eu não levei nada na mala, elas foram vazias, mas, como os livros são muito pesados, teria que pagar por excesso de bagagem um valor altíssimo. Aí eu olhei para a fila, abri a mala, me apresentei, disse que estava trazendo as obras para relançar em Salvador e pedi para cada pessoa assumir uma cota do peso no momento de despachar sua bagagem. Todo mundo me ajudou e a companhia aérea ficou apavorada, alegando que não se responsabilizaria por qualquer extravio".


				
					De aluna sem livros a Pós-doutora em Educação: conheça Mabel Freitas
'A educação é a alavanca para pessoas pretas ascenderem', destacou a baiana Mabel Freitas. Foto: Acervo pessoal

Kikọ ẹlẹtan ('escrita sedutora' em iorubá)

Segundo Mabel, a versão autora dela não consegue escrever sem encantar as pessoas. Por isso, ela busca fazer com que os leitores desfrutem, de perto, a companhia dela através das letras. Apaixonada pela língua portuguesa, a baiana sempre busca trazer palavras e citações em iorubá nas obras dela, pois considera que deve origens abissais ao Continente-Mãe: a África.

"As pessoas sempre reagem: 'Parece que você está do meu lado falando'. Eu não abro mão do formalismo acadêmico, mas não abro mão das minhas firulas literárias. Gosto de brincar com as palavras e transitar pelos gêneros textuais".

A menina que iniciou a trajetória na educação dentro da Escola Parquinho, no Jardim Cruzeiro, em Salvador, alcançou a Universidade de São Paulo, considerada a melhor universidade da América Latina, e se tornou detentora de um extenso currículo.

Mabel é Pós-doutora em Educação (USP), Doutora em Difusão do Conhecimento (Ufba), Mestra em Políticas Sociais e Cidadania (UCSal), Especialista em Ensino da Cultura Afro-brasileira (Unifacs), além de outras titulações. Veja o vídeo abaixo:

'A educação é a alavanca para pessoas pretas ascenderem', destacou a baiana Mabel Freitas Vídeo: Reprodução/ Redes sociais

Os avanços antirracistas da sociedade

Segundo a pesquisadora, é com a educação que pessoas pretas podem vencer as barreiras do racismo enraizada na sociedade atual.

A educação, para mim, é a única alavanca que nos levará enquanto pessoas pretas a definitivamente trancafiar os cadeados das senzalas e criar as futuras Wakandas. Eu não consigo citar o nome de uma pessoa preta que tenha utilizado a alavanca da educação e não tenha saído do seu lugar de origem" Drª Mabel Freitas

Para a educadora, os avanços, para termos uma sociedade menos racista, existem, mas ainda é preciso ir em busca de mais.

"A sociedade avançou não só juridicamente, mas com ações afirmativas, que são frutos dos Movimentos Negros. Hoje, a gente realiza os sonhos das nossas e dos nossos ancestrais. A gente já criava estratégia de resistências dentro do navio negreiro, atualmente só mudaram as rotas e os tubarões. A gente ainda tem muito para avançar, a começar pelas atitudes de alguns dos nossos pares. A gente precisa convidar os ímpares também para ouvir, aprender conosco e se aliar à luta. Vai demorar muito para fazermos Wakandas no Brasil, portanto é preciso enxergar aliadas brancas e aliados brancos que estão ocupando cargos de poder".

A educadora ainda pondera que, embora existam diversas pessoas que façam revoluções nos quatro cantos do país, há outras que surfam no hype da luta antirracista para ganhar dinheiro de forma ilícita.

"Eu vejo também pessoas pretas ganhando muito dinheiro sozinhas, que não abrem portas para nenhuma outra igual. Isso é preocupante! Se eu sou uma mulher preta e antirracista, a primeira coisa que eu preciso fazer é ter a postura do aquilombamento. Todos os lugares que eu alcanço, eu levo as minhas e os meus comigo. Eu, inclusive, sou fruto desse movimento", frisou.

"Infelizmente, eu vejo pessoas pretas que só se autopromovem e fazem questão de não abrir portas para as demais que estão fazendo outras necessárias revoluções. Isso é lamentável e preocupante. Mesmo assim, há pretagonistas fazendo um movimento de aquilombamento em todo o país. Há trabalhos incríveis acontecendo e de maneira agregacionista", completou.

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