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PRETA BAHIA

De São Marcos a Cannes: saiba quem é a afrofuturista Ana do Carmo

Com apenas 24 anos, a cineasta coleciona premiações nacionais e internacionais

Redação iBahia • 26/03/2022 às 8:00 • Atualizada em 27/08/2022 às 6:35 - há XX semanas

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Roteirista, diretora, empreendedora, Ana do Carmo acumula mais de 20 premiações com apenas 24 anos. O Preta Bahia deste sábado (26) apresenta a soteropolitana que luta por um “afrofuturo”, com mais pessoas negras em posições de poder no cinema.

Nascida e criada no bairro de São Marcos, Ana era aluna 'CDF' que iria fazer engenharia, sem nunca sonhar em ser o que viria a se tornar na vida adulta: uma cineasta premiada nacional e internacionalmente.

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"Cinema nunca foi um sonho de infância, sobretudo porque, convenhamos, a gente não tem referências de pessoas negras que fazem cinema e audiovisual, inclusive na sua própria família. Então, o audiovisual sempre esteve pra mim num lugar de hobbie e de me expressar", contou ao iBahia.

Foi por incentivo do pai Ivan, músico e historiador, que Ana passou a investir em algo que desde a infância já era sua potência, a arte.

Foto: Acervo Pessoal

"Por incrível que pareça, quando eu falava que iria fazer engenharia, meu pai falava não, que eu iria fazer algo direcionado às artes", contou a roteirista, que fez Bacharelado Interdisciplinar de Artes na UFBA.

Foi durante o curso que ela se descobriu e passou a encarar as disciplinas de audiovisual como ferramenta para criar filmes e exportá-los para fora da Universidade.

Mesmo com tanto talento para o audiovisual, a falta de referências negras no cinema fez com que essa carreira não estivesse no horizonte de Ana durante muito tempo. Atualmente, o trabalho da artista vem mudando essa realidade, pois a cada passo na sua carreira Ana atua como um farol de esperança para outros jovens negros, encorajando-os a trilhar esse caminho.

"Eu quero um afrofuturo onde pessoas negras vejam a carreira de roteirista e cineasta não só como um sonho distante, mas como uma possibilidade concreta, o que não foi uma realidade na minha infância. Se para mim foi um sonho que eu nem pensava em ter, eu quero que seja um sonho palpável para as próximas gerações. Esse é o futuro que eu quero ver", reflete a diretora.

Já na infância, Ana não perdia a oportunidade de registrar momentos em fotos e vídeos. A grande motivação era guardar memórias para que nada se perdesse. Esse medo do esquecimento ainda motiva a artista a produzir ficções inspiradas em tudo que a cerca.

"Querendo ou não, a ficção é um desdobramento da minha trajetória, é uma tentativa de materializar a vida como ela é, com um toque de fantasia. Então, até hoje isso me inspira muito, ainda mais quando eu vou criar personagens que são, em maioria, pessoas negras e mulheres negras que estão ao meu redor. Mulheres da minha família, mulheres que acompanharam meu desenvolvimento", conta a roteirista.

Premiações identitárias

Em 2018, Ana fez a primeira viagem para fora do Brasil. Foi o Festival de Cannes, em que ela participou em uma categoria não-competitiva, que funciona como um catálogo aberto para novos realizadores.

"É uma responsabilidade muito grande quando a gente acessa certos espaços, porque a gente está levando toda uma ancestralidade junto com a gente. Para minha família foi muito significativo", contou a cineasta.

Infelizmente, nem tudo foi positivo durante a viagem para premiação. Na passagem por Paris, Ana sofreu racismo e xenofobia. "Existe um lugar das pessoas acharem que quando você é brasileira e esta indo para o exterior, você está indo em um lugar de prostituição. Então, para mim foi um choque de realidade", relatou a roteirista.

Apesar das situações, sair do país para uma premiação tão importante não foi apenas gratificante para Ana. Ela destaca que, no retorno, a recepção dos colegas de sala foi muito significativa.

“O mais significativo foi voltar para faculdade e ser recebida pelas pessoas ao meu redor, inclusive pessoas negras, falando: 'caramba, quando eu te vi lá, eu percebi que agora é possível'. Isso foi interessante porque as pessoas puderam conhecer mais sobre as possibilidades que o mercado têm para oferecer para quem está chegando”, afirmou a roteirista.

Outro ponto destacado pela CEO da Saturnema Filmes foi o fortalecimento da valorização das produções e premiações locais. "Viajar para fora do país foi só uma confirmação de que precisamos valorizar ainda mais o que é daqui, o que é produzido por nós, os festivais que nós produzimos, que acontecem aqui no Brasil e inclusive em Salvador. Então, para mim foi uma confirmação e uma reafirmação identitária", refletiu Ana.

Em 2021, Ana retornou à premiação em uma nova categoria, com o primeiro projeto de longa metragem, ‘Sol a Pino’. "Cada passo do caminho tem sido uma jornada muito pessoal e coletiva", afirmou. No mesmo ano, foi vencedora do Prêmio ABRA – Abraço em Excelência, premiação da Associação Brasileira de Autores Roteiristas voltado para novos talentos, no mesmo ano também participou do 2º Colaboratório Criativo da Netflix Brasil.

Empreender para sobreviver

Além de ter transformado a potência artística em trabalho, Ana, juntamente com Ariel Ferreira e Rubian Melo, fundou a Saturnema Filmes, produtora de cinema baiano, preto e independente. A iniciativa se deu pela necessidade de abertura de mercado audiovisual em Salvador, e de se criar novas oportunidades para profissionais negros do setor.

Foto: Acervo Pessoal

"Na minha cabeça, empreender era sinônimo de sobreviver. E a gente precisa cada dia mais desatrelar essas duas palavras e humanizar o empreendedorismo. Ainda é muito difícil se afirmar enquanto uma empresária jovem porque é aquela realidade: falam que a gente precisa ter experiência, mas ninguém dá oportunidade para que a gente tenha a primeira experiência”, disse.

“Quando criamos a produtora, foi com o intuito de proporcionar mais contratações dos nossos, sem perder a nossa autonomia criativa. Coisa que a gente não tem quando trabalhamos em empresas em que a maioria é formada por pessoas brancas," relatou a roteirista.

Apesar de ser um caminho promissor, Ana elenca duas principais dificuldades: a questão financeira e a falta de informações sobre noções básicas de como começar a empreender, noções estas que ela e os sócios foram aprendendo de forma autodidata.

A diretora e roteirista destaca também o acúmulo de funções como uma grande dificuldade do início da Saturnema Filmes, e conta que o apoio dos sócios foi essencial para sair da precariedade.

Ao contar sobre os objetivos ela afirma: "nós pretendemos contribuir para que o Nordeste seja um polo criativo. Para que muitas pessoas que estão chegando agora no mercado não precisem migrar para São Paulo para tentar alçar um voos no mercado audiovisual", contou ao iBahia.

Ana acredita profundamente no potencial de oportunidades que a Bahia tem a oferecer para o mercado de audiovisual. "Muitas pessoas têm observado Salvador como esse lugar próspero, a ponto de virem morar aqui. O mais interessante é que essas pessoas estejam dispostas a criarem junto com a gente também, porque nada vai ser criado sobre a gente sem a gente!", disse.

Afrofuturismo

Ana vem escolhendo contar novas narrativas protagonizadas por pessoas negras. Histórias que trazem a perspectiva de um futuro mais humano e possível para pessoas que durante séculos foram aprisionadas na narrativa do racismo. As produções da cineasta são guiadas principalmente pelo Afrofuturismo, corrente que, segundo a roteirista, entende o corpo negro não só no passado, ou no presente, mas também no futuro.

"Estamos cansados de falar de racismo, porque é algo presente nas nossas vidas todos os dias. A gente quer ser livre para só ser artista e contar outras narrativas, que não só de dor. Queremos contar narrativas de afeto, de amor. O foco da gente é trabalhar com afrofuturismo e com narrativas de gênero. A gente quer usar todas as possibilidades que qualquer artista pode usar", explica a roteirista.

Para Ana, Afrofuturismo é uma corrente cultural, filosófica e política que nos leva a olhar para a ancestralidade afro-diaspóricas como base para criação de narrativas futuras, nas quais, pessoas negras consigam olhar o passado buscando entender o presente, para que desta forma escrevam o próprio futuro.

"Que a gente possa fazer parte do mundo e possa sofrer de questões universais. Porque para além do racismo nós sentimos tudo que o mundo tem para nos oferecer", conclui.

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