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Após mapa do chifre, sinceridade é palavra de ordem, da Boca do Rio ao Rio Vermelho

Cabula é o bairro que mais aprova a igualdade para gays

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30/09/2011 às 8:25 • Atualizada em 28/08/2022 às 20:35 - há XX semanas
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Luís Pedro Grangeon: 'Faço parte da multidão'
A pergunta não dá margem a respostas imprecisas: “Você já traiu?”. Monique Coelho, 25 anos, aperta a mão do marido, faz que vai gaguejar, joga a franja pra trás, prende o riso e se apoia na sinceridade: “Já! Já traí e já fui traída. Mas antes de conhecer ele”. “Ele” é Diogo dos Santos, 20 anos, que divide um suco com a esposa na porta de uma lanchonete. Diante do mesmo questionamento, Diogo vacila mais. Alcança os óculos escuros na mesa e começa a encobrir os olhos lentamente. Antes de esconder o olhar por completo, deixa escapar um quase imperceptível “eu mesmo não!”. Casados há um ano, Monique e Diogo moram na Boca do Rio, bairro onde a pesquisa Futura-CORREIO sobre Traição e Homofobia, publicada na edição de ontem, detectou o maior índice de pessoas que afirmam jamais ter traído (68%). Quando Monique começa a dizer que a estatística pode refletir a realidade, o marido do “eu não” logo retoma a palavra. “Oooxe, que nada! Quem é que nunca traiu, rapaz? O pessoal deixou foi as coisas debaixo dos panos nessas respostas aí”, avaliou Diogo. Em que pese o esforço da reportagem, foi mesmo difícil encontrar na Boca do Rio muitas pessoas que nunca tivessem pulado a cerca. “Logo aqui esse santos todos?”, duvidou o comerciário Emanoel Almeida, 48 anos, que já jogou nos dois times: dos chifrados e dos chifrantes. “Aqui a gente vê é o povo aprontando na rua”, completou a caixa Cleonildes de Jesus, 26 anos, traída “diversas vezes”, mas sempre andando na linha, de acordo com o próprio relato. SinceridadePouca gente, porém, aplica um virote com tanta convicção quanto Valdinéia Monteiro, corretora de imóveis de 32 anos. “Já traí muitas vezes e vou trair quantas me der vontade”, afirmou sem pensar meia vez. Em seguida, listou rapidamente fatores que podem levar a um zig: relação fria e busca por alguém com melhor perspectiva de futuro foram os aspectos mais racionais. Daí, Valdinéia penetrou no mundo das coisas palpáveis. “É sempre bom experimentar novidades. Às vezes a gente prova algo na rua e percebe que o que temos em casa é bom. Volta com mais fogo. E às vezes a gente encontra alguém que pega com mais vontade mesmo”, resumiu. LiderançaSe na Boca do Rio muita gente desconfiou das estatísticas, a galera do Rio Vermelho não se opôs à primeira colocação no índice de sinceridade: 55,6% dos moradores admitiram que já traíram, deixando para trás a turma da Liberdade (49%) e do Cabula (48,6%). Ao saber do tema da pesquisa, uma advogada de 26 anos que mora no bairro foi logo dizendo que não queria conversa. Com algum tempo de papo, admitiu já ter posto uma galha no namorado com quem está há 3 anos. Bastaram mais cinco minutos para ela dar voz ao que todos desconfiavam: “No Rio Vermelho é difícil não trair, né? Antes de chegar em casa, a gente passa num bar, encontra uma galera....”. A teoria de que o acúmulo de bares e o clima boêmio da área influenciam no comportamento também é defendida por Maurício Bahia, 38, que morou no Rio Vermelho por quatro anos e se mudou do bairro há três meses. “Isso aqui é demais, rei. Tem movimento, o pessoal bebe, fica mais fácil”, diz ele, que como a maioria, admite já ter traído e tem consciência de que já levou chifre. Medo Com mudança marcada para o antigo imóvel de Maurício, Flávio Oliveira, 31, achou os números temerosos. “Peraí, rapaz! Eu estou vindo pra cá e aparece essa história de que aqui traem mais. Vou cancelar o negócio”, disse ele, que está noivo. Foi o que bastou para o ex-morador da área encerrar o papo: “Deixe disso, rapaz! As coisas são assim mesmo. As pessoas traem, são traídas... toca a vida!”. Barra dos traídos Assim como o Rio Vermelho, a Barra está repleta de bares e casas de show, mas ali a atmosfera boêmia não causou o mesmo efeito que causou nas bandas do Largo de Santana. Enquanto a pesquisa do Instituto Futura apontou que o Rio Vermelho tem o maior percentual de pessoas que admitem a traição, 79% dos entrevistados na Barra afirmaram que já levaram corno - e têm consciência disso. Flagrado com um exemplar do CORREIO na mão no momento em que comentava a pesquisa, o cabeleireiro Luís Pedro Grangeon, 36 anos, soltou uma gargalhada quando questionado a que grupo pertenceria. “Aaahhhh menino, eu faço parte da multidão, claro! Já fui traído. É um inferno essa Barra, todo mundo pega todo mundo”, assegurou, em meio a clientes e colegas do salão onde trabalha, na Marques de Leão. Mais contido, mas igualmente sincero, o rubro-negro Paulo Maia bota mais fé na subida do Vitória que na monogamia. “Quem é que nunca foi traído ou nunca traiu? Se disser isso, pode ter certeza que está mentindo”, afirmou, com a experiência de quem já completou 62 anos. “Só não dá é pra perdoar se descobrir”, emendou Paulo. Como além de trabalhar num salão – onde as notícias correm -, Luís Pedro mora na Barra, ele se considera um expert nas relações dos casais do bairro. Então, dotado de vasto conhecimento, o cabeleireiro conclui: “Já cansei de ver homem casado e mulher casada com outro por aqui. Pior que eles não dão nem o truque de ir pra outro lugar”. E aí ele caiu no papo sobre “truques” para pular a cerca. Como a conversa é longa, melhor deixar pra próxima. Cabula é o bairro que mais aprova a igualdade para gays Na pesquisa sobre Traição e Homofobia realizada pelo instituto Futura e publicada ontem pelo CORREIO, 37,3% dos entrevistados afirmaram ser a favor do relacionamento entre pessoas do mesmo sexo, enquanto 26,3% são contra e 36,1% ficaram indiferentes à questão. O levantamento apontou ainda que 54,6 % das pessoas apoiam a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de reconhecer os mesmos direitos dos casais héteros para casais gays. Um total de 38,8% das pessoas disse que é contra a decisão e 6,7% não souberam ou não opinaram. O maior índice de aprovação à decisão dos ministros da Suprema Corte foi detectado entre os moradores do Cabula, onde 65,7% dos entrevistados se disseram favoráveis. Em segundo lugar aparece o Rio Vermelho, com 64,4%, e depois Brotas (63,5%). Viva o Cabula, por Oscar 'Marrom' MartinsO meu querido bairro do Cabula nunca me decepcionou. Nem nunca me enganou. É por isso que eu falo em alto e bom som que sou “cabuleiro”. E a pesquisa realizada pelo Instituto Futura e publicada pelo CORREIO me deixou ainda mais feliz. Entre os soteropolitanos que aprovam a união civil homossexual, 66% dos moradores do bairro disseram sim. Abaixo o preconceito. Respeito aos direitos do cidadão. Não à homofobia. Isso tem tudo a ver com a atmosfera do Cabula. Um dos poucos bairros da cidade que ainda mantêm algumas chácaras, apesar do crescimento vertiginoso com a chegada dos condomínios de luxo. E de quebra ainda temos uma unidade do Exército, o 19º BC, um verdadeiro pulmão com sua extensa área verde que liga o Cabula às avenidas Luis Eduardo e Paralela. Claro, também tem muita gente no bairro que não concorda. É um direito dessas pessoas. Mas o simples fato de demonstrar o mínimo de tolerância já é um avanço em meio a tantos preconceitos contra o homossexual. Principalmente se ele for preto e pobre e morar num bairro popular. E fico mais satisfeito ainda em perceber a compreensão por parte dos moradores que a comunidade LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Trangênicos) apoia a decisão do Supremo Tribunal Federal de reconhecer os mesmos direitos dos casais héteros para os casais gays. Ao contrário daqueles que por preconceito ficam espalhando que os gays querem se casar de véu e grinalda, como homem e mulher. Tudo intriga e má-fé para confundir as pessoas de boa índole que sabem conviver com a diversidade. Afinal, como escreveu Caetano Veloso na bela canção Estranho Amor: “Não importa com quem você se deite/ que você se deleite seja com quem for/ apenas te peço que aceite/o meu estranho amor” - hoje não mais tão estranho assim.

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