"(...) E entre os dois a morada de Iemanjá, numa pedra do mar. A areia guarda restos de cascos de saveiros. Conchas de várias cores brilham à luz da Lua. Ao fundo, a rua fracamente iluminada. As vozes que chegam de longe cantam: “É a Sereia! A sereia vem brincar na areia..." É a noite de festa de Iemanjá. Por isso, o povo a chama, para ela vir brincar na areia. Se vê a sua loca, bem por baixo da Lua, toda contornada pelos cabelos de Iemanjá, que se espalharam no mar. Se ela não vier, então eles irão até lá, buscá-la. Hoje é noite da sua festa, é noite de Janaína brincar: "Sereia do mar levantou...Sereia do mar quer brincar".
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Os versos acima são de "Mar Morto", obra de 1936, do escritor baiano Jorge Amado. Passados 80 anos, a alegria e devoção se mantêm vivas pelas ruas do Rio Vermelho, em Salvador. Alvorada, ambulantes vendendo colares, o cheiro suave da alfazema toma conta do bairro, turistas e baianos passeiam entusiasmados com sua câmeras fotográficas na esperança de fazer o clique perfeito. A areia é tomada por pescadores com imensos balaios de flores na cabeça, adeptos do candomblé, umbanda, devotos e curiosos.
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Nem a chuva fina e persistente da manhã deste 2 de fevereiro fez com que os devotos desistem de saudar a Rainha do Mar. E não foi diferente para a nutricionista Lilian Machado, uma das primeiras pessoas a integrar a fila do presente principal, oferecido pela Colônia de Pescadores do Rio Vermelho. Animada, Machado explicou a história da sua oferenda. "Eu trouxe um bolo de agradecimento, porque é meu presente de aniversário de 50 anos, que vai ser no dia 7 e aproveitei para homenagear meu pai também que é marujo", revela. Para o secretário de Cultura do Estado, que caminhava pelas ruas do bairro, a festa oferece a população uma oportunidade importante de conhecer a história dos baianos. "Para algumas pessoas estamos apenas em uma festa, para outras hoje trata-se de um ritual religioso fundamental. Eu já trouxe meus presentes, fiz meus pedidos e agradeci mais do que pedi. É uma celebração ímpar da cultura e da expressão da Bahia. Hoje estamos diante de uma oportunidade de conhecer o nosso passado e saudar o futuro que está por vir", reflete.
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Jorge Portugal, em entrevista ao iBahia |
O misticismo em torno da figura da Iemanjá atravessa as religiões de matrizes africanas e está, na maioria das vezes, atribuída ao feminino e à maternidade, como explica o historiador Marcos Rezende "Iemanjá representa o sentimento familiar, está presente no nascimento humano que recebe a nova vida e entrega ao orixá regente. Aos seus filhos são atribuídos à força, o amor maternal, o rigor nas suas ações e tratos, protetores e de grande altivez. Maternagem e seriedade são marcantes dos que trazem está Iyabá como dona de seu ori", revela.
Confira a galeria da festa de IemanjáQuestionado sobre as oferendas dedicadas à divindade, Rezende destaca o cuidado com os presentes que sejam biodegradáveis e não poluam o meio ambiente. "Fava e arroz bem como peixes, flores, ervas finas e perfumadas. No entanto, sendo esta a Rainha dos Mares, reconhecemos a necessidade de zelarmos de sua casa, propondo a todos que em suas oferendas não lancem aos mares objetos ou produtos que não sejam biodegradáveis. Nos últimos anos, os adeptos do candomblé e a sociedade de forma geral vem apresentando esse debate", reflete. Para a estudante e cantora Mirceia Felix, o 2 de fevereiro ganhou significado especial em 2015. "Eu vim para a festa pela primeira vez no ano passado, me senti muito bem, gostei, me dediquei e acabei criando uma música. Hoje eu vim cantar e gravar um clipe aqui, na beira do mar", conta a jovem emocionada.
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Estudante Mirceia Felix |
A festa da Rainha do Mar foi o local escolhido pela jovem pernambucana Marina Didier para celebrar os seus 30 anos ao lado das primas e amigas. " Lá em Pernambuco a gente sabe que tem a devoção, mas não é como aqui em Salvador. Não tem essa tradição. Se você quiser saber algo sobre Iemanjá, você tem que ir pesquisar. E eu hoje estou aqui comemorando os meus 30 anos, um novo ciclo, um novo momento de uma maneira diferente", diz.
Presente De acordo com a Colônia de Pescadores, o presente principal sai às 15h30, numa galeota seguida por outras 300 embarcações, que levam entre 600 e 800 balaios com presentes que foram depositados pelas pessoas ao longo desta terça-feira (2). A casa de Iemanjá será fechada às 18h.
Festas Além dos rituais sagrados, a
festa também contará com seu lado profano. O cantor Carlinhos Brown subirá ao palco montado no novo mirante do Rio Vermelho, na Praia da Paciência, a partir das 14h. Ele estará acompanhado da Bateria Sustentável, composta por 100 percussionistas.
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Marina Didier entre primas e amigas |