Nas encostas das favelas de Salvador, o chuá chuá das previsíveis chuvas de Outono submetem a cada ano milhares de pessoas à batalha contra os deslizamentos para continuar vivendo. Mas se “com a força da natureza a gente não pode brigar”, como canta Márcio Victor, do Psirico, cabe ao poder público intervir para zelar pela vida dos moradores de áreas de risco. A prefeitura admite, todavia, não ter dinheiro para resolver o problema. O Correio foi até três das regiões da capital onde há o maior número de casas em situação de risco de desabamento para ver de perto o drama destas famílias.
No Jardim Cajazeiras, todos os anos, quando começa a época de chuva, a rotina de dona Maria de Lourdes Lima de Jesus, 62, se transforma. Nesses dias, a dona de casa, que cria dois netos em um imóvel à beira de um barranco, passa noites acordada com medo que o lugar desabe. “Tá difícil. A casa está caindo todos os dias. O barranco vai cair e a casa vai junto, por dentro está toda rachada e daqui a pouco não tem mais onde ficar em pé”, relatou. Ela mora em uma das mais de 600 áreas com risco de deslizamento de terra mapeadas pela Defesa Civil de Salvador (Codesal). E não é a primeira vez que ela passa por isso. Dona Lourdes saiu de um imóvel em Sussuarana há seis anos porque temia o desabamento. Encontrou esta casa ainda em condições seguras, mas deslizamentos recentes lhe devolveram o medo. Segundo ela, há 15 dias, quando começaram as chuvas, pediu a ajuda da Codesal, mas as solicitações foram em vão. Com a ação da chuva, o solo se desgastou e a casa mal se sustenta. Um buraco de cerca de três metros de profundidade se abriu ao lado do imóvel e alguns pontos estão, literalmente, suspensos no ar. Até as raízes de uma jaqueira, que fica na frente da casa, já começam a aparecer no chão da sala. Chegar e sair de casa podem até ser consideradas atividades de risco, principalmente para as crianças, que brincam no local. “Já caí muitas vezes”, disse a moradora, que precisa se apoiar em galhos, arbustos e descer a encosta com as mãos no chão escorregadio. E ela não é a única nessa situação. O Plano Diretor de Encostas (PDE) de Salvador, elaborado em 2004 pela Defesa Civil, aponta 433 áreas de risco. “Não foi feita nenhuma atualização, então acreditamos que hoje sejam 600 áreas”, avaliou o diretor-geral da Codesal, Alvaro da Silveira Filho. As áreas de risco crescem na proporção em que se constrói de forma desordenada, fora dos padrões de engenharia e arquitetura. A Empresa de Limpeza Urbana do Salvador (Limpurb), que limpa as encostas da cidade com gancheamento, capinação, roçagem, corte de bananeiras e remoção de lixo e entulho, diz que as áreas com maior risco estão em 336 vias da capital. Os bairros que têm mais encostas sob ameaça de deslizamento são Paripe (29), São Caetano (21), Sussuarana (20) e Cajazeiras (19) - confira no mapa da página ao lado. Na Avenida Gal Costa, que dá acesso a alguns dos bairros em risco, como São Marcos, Pau da Lima e Sussuarana, o amontoado de construções mostra o risco iminente. Os moradores dizem solicitar vistorias técnicas da Codesal, mas a ajuda nem sempre chega. “A Codesal veio, mediu e a gente está aguardando. Mas como é que vai passar um trator aí em cima? Só se derrubar uma casa”, afirmou Raquel Jesus dos Santos, 67. Ela morava do outro lado da Avenida Gal Costa, no bairro de Sussuarana, mas o imóvel foi condenado. “Saí com uma indenização, passei um tempo na casa do meu genro e comprei essa casa. Me arrependi, porque quando chove, o barro desce”, afirmou.
Tensão A manicure Selma Souza Santos, 37 anos, moradora da Rua Agda Ferreira, em São Marcos, ficou presa em casa há cerca de cinco anos com o filho, na época um bebê de nove meses. Uma encosta desabou sobre a parede dos quartos da casa. Os tijolos seguraram a terra e evitaram o pior, mas a única porta da casa ficou bloqueada. “Fiquei em casa presa, perdi um monte de coisa. E sempre cai, todo ano. Tive que abrir outra porta e isolar a que foi bloqueada. Agora, quando chove, a gente dorme na sala”, contou Selma. Os próprios moradores colocaram uma lona para tentar conter o deslizamento. “A Codesal esteve aqui, e com a lona esse ano até amenizou um pouco”, disse. Paliativos Alvaro Filho, da Codesal, explica que as obras de contenção de encostas seriam ideais para solucionar os problemas da cidade, mas por serem intervenções muito caras, são realizadas somente nos locais de risco iminente. “Seria o ideal, mas na atual situação (financeira) de Salvador não é viável. O nosso trabalho tem sido no sentido de amenizar o problema para evitar uma tragédia”, disse. Enquanto isso, a Defesa Civil usa métodos paliativos, como a instalação de lonas. Segundo o órgão, desde o início da operação chuva, no dia 1º de abri, até ontem, já haviam sido colocados 37.900m² de lona em encostas da capital - o equivalente a 5 campos de futebol. Outra possibilidade, um pouco mais barata, é a plantação do capim vetiver nas encostas. Conforme relatório da Codesal, “as raízes apresentam sistema radicular agregante, formando um grampeamento natural estabilizante de encostas e taludes, evitando deslizamentos”. O plantio do vetiver iniciou-se com um projeto piloto da prefeitura de Salvador em 2001, mas não vingou. “Gostaria de retomar, porque seria um dos paliativos a custo mais baixo”, disse Alvaro. Matéria original Correio 24h Chuva traz de volta risco de deslizamentos para quem mora nas encostas em Salvador
Encostas de Salvador têm 616 áreas de alto risco onde famílias convivem com o medo (Foto: Marina Silva |
Selma vê encosta chegar mais próximo de sua casa há seis anos (Foto: Marina Silva) |
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