Caminho das Árvores, meio-dia. Motoristas buzinam à espera que os carros abram passagem. Os pedestres, acuados nas calçadas, tentam chegar ao outro lado. O povo não se entende no cruzamento das ruas Alfazema e Cipreste, e aguarda que um sinal venha do alto. Do alto de um semáforo, mas a luz tão aguardada não acende. A saída é atravessar na marra. É o cotidiano nessas ruas onde sinaleiras não funcionam. E o problema, relatam motoristas e pedestres, é antigo.
“Não funciona há anos. O pessoal não respeita quem sai de uma rua para a outra e a locomoção é praticamente impossível. Os pedestres se aventuram entre os carros e correm o riscos de atropelamento. É um mangue”, conta a ambulante Vânia Lúcia, que passa o dia no local. O titular da Superintendência de Trânsito e Transportes de Salvador (Transalvador), Renato Araújo, admite que os semáforos são antigos. “Boa parte está envelhecida. O parque tem mais de 20 anos de uso e os equipamentos precisam ser renovados”, explicou o novo superintendente. De novo mesmo, só os 14 radares instalados pela Transalvador em novembro passado. No total, são 64 equipamentos em bom estado fazendo a fiscalização eletrônica na cidade. O órgão de trânsito arrecada, em média, R$ 3 milhões por mês com a aplicação de multas de cobranças como taxas de guincho e diárias de pátio. R$ 18 milhões de janeiro a junho. RevoltaQuem recebe multas, queixa-se que o dinheiro não retorna em melhorias para o trânsito. É o caso do funcionário público Silas Santos, 25. “É constrangedor, vergonhoso. A gente não vê o dinheiro retornar em benefícios. A sinalização é precária, semáforos vivem quebrados e o resultado é o caos no trânsito”, afirmou ele, que recebeu multa de R$ 85 em maio. O CORREIO percorreu diversos pontos da capital baiana - Barra, Pituba, Itapuã, Paralela, Costa Azul –, e, em todos esses locais encontrou equipamentos com algum tipo de defeito. São 1.113 semáforos e 437 controladores (caixas que programam o funcionamento da sinaleira). Quando um semáforo apaga ou fica intermitente, por exemplo, é porque também deu pane no controlador. “Do total, 16 controladores quebraram acima de dez vezes só este ano e precisam ser substituídos”, diz Araújo. Enquanto os equipamentos não são trocados, a cozinheira Elinalva Pereira, 44 anos, diz correr o risco de ser atropelada toda vez que precisa ir ao supermercado. “É uma dificuldade incrível. Quando tem a boa vontade de um motorista, que é raro, consigo passar. Caso contrário atravesso assim mesmo, pedindo a Deus e olhando para os lados”, lamentou. OrlaOs semáforos que mais apresentam defeitos, segundo o superintendente, são os da orla. A poucos metros do Circo Picolino, em Pituaçu, o casal Daniel Moraes, 21 anos, e Taili Rodrigues, 18 anos, penou para atravessar a pista. Com as botoneiras (aparelho usado pelo pedestre para acionar o fechamento do sinal) quebradas, eles aguardavam o fechamento automático do semáforo. “A situação é complicada. Desde dezembro do ano passado é assim. Nunca vi ninguém da prefeitura aqui. Se foi colocado aqui um equipamento para diminuir a espera do pedestre, é porque tem utilidade”, desabafou Daniel. Na entrada do Bairro da Paz, nem sinal de sossego. Além das botoneiras, o contador da sinaleira não funciona. “O sinal demora de fechar e a gente não tem noção de quanto tempo falta. Por isso, muita gente acaba atravessando e acaba atropelada”, disse a operadora de caixa Lidiane Bispo da Silva, 21. No local, muitas crianças, lembrou ela, se arriscam para jogar bola no canteiro central. Os contadores, segundo Araújo, não são obrigatórios. “Com os contadores, aumentou em cerca de 30% a obediência dos usuários aos semáforos. Mau usoO titular da Transalvador atribui a quebra dos equipamentos a fatores climáticos. “É como computador que precisa ser renovado, mas só que está nas ruas, recebendo vento, chuva, sol, e com isso as placas eletrônicas entram em curto e queimam”. Além disso, ele argumentou que o mau uso dos equipamentos pelos pedestres, principalmente, também provoca danos. “O cidadão aperta 30 vezes (as botoneiras) e quebra. A gente faz a reposição e os usuários quebram de novo. A população aperta e não espera. É um problema”. De acordo com ele, a manutenção é feita regularmente. “É feita todos os dias com cinco caminhões. Além disso, três viaturas e duas motocicletas fazem as inspeções diariamente”. Ontem pela manhã, técnicos da Transalvador repararam um dos semáforos da rua Carlos Gomes, Centro, cuja lente do equipamento estava para cair. ‘Falta sincronia a semáforos’O parque semafórico de Salvador é visto como “do século passado” para o especialista em trânsito Elmo Felzemburg. “As sinaleiras funcionando já são um problema porque elas não são modernas. Além disso, os equipamentos não estão em sincronia com um sistema geral de controle de tráfego por área. Já existem softwares que globalizam o sistema e otimizam a circulação em algumas áreas da cidade. Isso já é feito em São Paulo e Curitiba”. Segundo Felzemburg, quando um equipamento dá defeito, a Transalvador não tem como identificar o problema com rapidez. “Nessas cidades, a gestão planeja a implantação de semáforos em uma área e monitora por computador esses equipamentos. Se um dá defeito, eles sabem na hora e controlam as outras sinaleiras para não bloquear o trânsito. Como a Transalvador sabe que uma sinaleira está quebrada? Quando um agente ou usuário avisa? Isso é do tempo medieval”. Segundo o superintendente Renato Araújo, a sincronia das sinaleiras é feita a partir da circulação de veículos. “Os tempos de abrir e fechar são diferentes porque a gente se baseia nos diferentes fluxos de veículos. Analisamos cada região e verificamos quantos carros passam, por exemplo”. Sobre investimentos no sistema, assegurou Araújo, a Transalvador fará melhorias.
Multas geram R$ 18 miO contraste entre o bom funcionamento dos 64 radares e a deficiência dos semáforos revolta quem recebe em casa aquele papel da Transalvador com a palavra “multa” grafada. Em média, a superintendência arrecadou de janeiro a junho R$ 18 milhões com o pagamento de multas, segundo a assessoria de comunicação do órgão de trânsito. A verba, diz a Transalvador, é também aplicada na manutenção dos conjuntos semafóricos. O estudante de Odontologia Renan Oliveira, 22, indigna-se com a falta de retorno do valor pago pelas infrações de trânsito. “A gente comete uma, eles cometem outra infração. A arrecadação com as multas seriam suficientes para que a cidade tivesse semáforos novos, de qualidade, assim como toda a sinalização”, disse. “A sensação é que a preocupação prioritária não é com o cuidado com o motoristas ou pedestres e sim com o faturamento”. O analista de sistemas Erivan Barbosa, 32, recebeu duas multas esse ano e se recusou a pagá-las. “Eu não pago em dia devido à má prestação de serviço do órgão de trânsito. Só no período da renovação é que quito a dívida. Os agentes, às vezes, deveriam ter o bom senso antes de aplicar as multas”, avaliou. O especialista em trânsito Elmo Felzemburg concordou: “Com o que se arrecada apenas com multas, seria possível modernizar o sistema de semáforos da cidade”. Matéria original Correio 24h Com mais de 20 anos de uso em média, semáforos quebram com frequência
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