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O empresário Roque Anderson Andrade de Souza, 33 anos, é um especialista. Ultimamente, ele parece ter se tornado mestre em destruir sonhos. Dono de uma empresa de bufês e cerimoniais para casamentos, transformou-se em um dos nomes mais procurados por noivos e noivas de Salvador. Não pela qualidade dos seus serviços, mas pelas dezenas de golpes que é acusado de praticar. As vítimas do proprietário da Anderson Andrade Cerimonial e Buffets são facilmente encontradas. Pelo menos seis delas — noivos que não tiveram suas festas realizadas ou reclamam da deficiência do serviço — já deram queixa na 1ª Delegacia (Barris). Além disso, sete processos cíveis contra o empresário e sua empresa correm em juizados especiais do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA), quase todos baseados na defesa do consumidor. Outros três processos estão em andamento na 17ª e 23ª varas de relações comerciais, com pedidos de indenizações acima de 20 salários mínimos. Dois deles são de uma empresa financeira, mas o outro é contra sua empresa de bufês. Isso sem falar nas dezenas de relatos e manifestações nas redes sociais — a reclamação de uma noiva no facebook, por exemplo, já teve 180 compartilhamentos. Anderson é acusado de desrespeitar contratos, adulterar datas de cheques, debitar quantias indevidamente e de desaparecer sem deixar rastros. Por enquanto, é impossível saber quantas pessoas foram lesadas e o tamanho do calote atribuído a Anderson. Até porque o prejuízo maior para quem investiu no sonho de casar é psicológico. “Minha noiva teve que tomar remédios. Não se brinca com os sonhos dos outros desse jeito”, afirma Gustavo Santos, que chegou a pagar, com um ano de antecedência, R$ 6,5 mil para ter a festa organizada no dia 15 de dezembro do ano passado. Gustavo e a noiva Ticiana jamais tiveram a festa organizada. Não por Anderson Andrade. Muito menos viram novamente a cor do dinheiro, sacado através de três cheques. “Cerca de 20 dias antes do evento, ele simplesmente desapareceu. Fui de surpresa no escritório, na Pituba, e vi que estava tudo escuro. Tinham cortado a luz”.
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Shopping onde ficava o escritório de Anderson Andrade, na Pituba. Sala foi esvaziada em plena madrugada |
Naquele dia, Gustavo percebeu que havia sido enganado. “Conheci outras pessoas que também o procuravam revoltadas. Tive certeza que era um golpista”, afirma o recém-casado, que contratou outra empresa às pressas. Noivos que têm casamentos marcados já pediram cancelamento de contrato. A dentista Camila Araújo, com casamento marcado para setembro deste ano, perdeu a confiança quando viu dois dos três cheques (cada um de R$ 1 mil) serem debitados sem autorização. “Pedi cancelamento de contrato e ele se recusou a assinar. Agora não atende mais às ligações e sumiu com o dinheiro”, acusa Camila. Mas, independentemente das quantias perdidas, nada deixa as vítimas mais indignadas do que a ousadia do homem que elas chamam, entre outros adjetivos, de “golpista”, “trambiqueiro”, “picareta” e “cara de pau”. “Engraçado é que no primeiro contato ele é supersimpático. Promete mundos e fundos. Depois, desliga os telefones”, diz Camila.
Sem BensAlém dos processos que correm nos juizados especiais e nas varas, há outros que já foram concluídos. Juízes já deram ganho de causa para casais como Taiana Pinheiro e Jorge Augusto, que pagaram sua festa de casamento com 16 cheques. Em julho de 2012, pediram cancelamento de contrato quando perceberam que R$ 3,3 mil foram debitados antes da hora. “Sustei os outros cheques e, como ele não devolvia o dinheiro pago, a gente entrou na Justiça”. Taiana conta que Anderson não compareceu a nenhuma das audiências e o caso foi julgado à revelia. Ganhou a causa, mas não o dinheiro. “Não existem bens no nome de Anderson. Na conta dele só tinha R$ 0,50. Ficou impune”, lamenta Taiana. “A decepção é enorme. Para quem trata o casamento como um sonho, como nós, é revoltante”, diz a bancária, que adiou o casamento para outubro e já contratou outro cerimonial. O último casamento que seria organizado pela Anderson Andrade Buffet e Cerimonial estava marcado para o dia 12 de janeiro, no Quartel de Amaralina. Algumas noivas prejudicadas souberam e, na semana do evento, chegaram a ligar para a noiva que subiria ao altar. “Liguei e ela não acreditou. Pelo que soube, não foi Anderson que fez a festa. Acho que ela se convenceu”, conta Taiana. O CORREIO não conseguiu localizar a noiva. Além de indicações de casais, o cerimonial aparece até em publicações especializadas. Também costuma montar estandes em feiras de noivas. “Tem contatos em guias para noivos. Um conhecido também me indicou. Parece que ele faz alguns casamentos para enganar”, diz Camila.
EscritórioAs próprias donas do imóvel onde funcionava o escritório do cerimonial, no Shopping Praia Bela, na Pituba, tiveram prejuízos. A jornalista Renata Carvalho diz que Anderson desapareceu depois de deixar uma dívida de cerca de R$ 8 mil, referentes a aluguéis, taxas de condomínio e IPTUs. No dia 18 de novembro, o escritório amanheceu vazio. “Se mudou na calada da noite. Tirou tudo lá de dentro de madrugada”, conta Renata, que tem uma loja de convites e fotografia infantis no mesmo shopping. “Todo dia aparecem casais de noivos aqui revoltados. Até o dono do restaurante aqui do lado disse que ele deve R$ 500. Duas pessoas já vieram aqui armadas atrás dele”, conta.
Fornecedores Mas não só noivos foram vítimas do rapaz. “Trabalhei nove meses para ele e meu prejuízo foi de R$ 2,5 mil. Até hoje não vi meu dinheiro”, afirma a salgadeira Carmelita Bispo. “Para dona Regina, a salgadeira que eu substitui, ele deve R$ 14 mil. Só fiquei sabendo disso depois”, explica Carmelita, citando quase uma dezena de pessoas prejudicadas. “Ele deve até a boleira”. A fornecedora de mobílias, cortinas e cadeiras Ana Meireles disse que também foi enganada. “Só trabalho com pagamento antecipado. Anderson me apresentou um boleto bancário e liberei a mercadoria. Quando vi, em vez de R$ 2,7 mil, ele só tinha depositado R$ 5”.
Dor de cabeça Quem teve a festa efetivamente realizada pela Anderson Andrade Buffet e Cerimonial relata dores de cabeça. Em outubro do ano passado, um casal pagou ao cerimonial nada menos que R$ 32 mil para ter o casamento dos sonhos em Ilhéus. “Para começar, ele depositou o cheque antes do combinado. No dia da festa, a mobília veio trocada, o cardápio também não foi o contratado, além de outros vários detalhes”, conta a noiva, que preferiu não se identificar. Entre esses detalhes, o tapete vermelho pedido pelo casal veio com a cor trocada. “Ele trouxe um tapete verde. Minha mãe teve que correr atrás de outro tapete”. Não satisfeito, diz a noiva, Anderson levou embora o tapete vermelho como se fosse seu. No facebook, um rapaz chega a dizer que Anderson roubou o bolo de casamento. “O meu casamento foi dia 14 de dezembro e esse canalha simplesmente não apareceu para arrumar a festa. Até o bolo que ganhei, ele roubou no dia que esteve no espaço. Levou para Ilhéus para fazer outro casamento”. Literalmente, deu bolo.
'Devo. Dever não é crime', defende-se empresárioDepois de tentar localizar Anderson Andrade através de quatro celulares diferentes, indicados por noivas, o empresário finalmente atendeu o CORREIO. Ele admite que tem dívidas, mas nega ser estelionatário. “Dever não é crime. Eu devo algumas pessoas? Devo. Mas não sou estelionatário. Não matei ninguém”. Anderson diz ainda que está sofrendo ameaças de morte e garante que vai processar todos os que lhe acusam. “Eu não fugi de Salvador. Estou recebendo várias ameaças e vi comentários de várias pessoas na internet. Vou entrar com ação judicial contra todas. Essa história de que não faço eventos é uma grande mentira”, garante Anderson, sem revelar onde estava “por questão de segurança”. O dono do bufê diz que passou a ter prejuízos depois que as proprietárias do imóvel em que seu escritório funcionava divulgaram a dívida que ele acumulou com aluguéis. “Elas criaram um ciclo vicioso contra mim. As pessoas começaram a cancelar contratos”.
'É estelionato', diz delegadaBrasília, Rio Grande do Norte, Ilhéus e até o interior do Mato Grosso do Sul. Na tentativa de conhecer o paradeiro de Anderson Andrade, noivos e noivas já tiveram a indicação de diversos locais em que ele pode estar. A própria polícia não sabe onde Anderson pode ser encontrado. “Precisamos ouvi-lo primeiro. Só conhecendo a versão dele para saber se vamos indiciá-lo ou não”, diz a delegada Elza Bonfim da Silva, da 1ª Delegacia (Barris), onde estão concentradas as queixas, já que a Delegacia de Repressão ao Estelionato e Outras Fraudes (Dreof) está em reforma. Mas, explica a delegada, tudo leva a crer que se trata de um caso de estelionato. “Fazer dívida não é crime. Mas, a depender dos meios utilizados, pode ser estelionato. Pelo que vi dos depoimentos, ele usou de artifícios para enganar os clientes”. Se assim se confirmar, Anderson responderá pelo Artigo 171 do Código Penal, que prevê punição entre um e cinco anos de prisão.
Em 2011, bufê deu golpe de R$ 120 milNo dia 16 de março de 2011, o escritório onde funcionava o bufê Antonius, no Matatu de Brotas, amanheceu fechado. O promotor de festas Antônio Carlos Assis Costa e o sócio José Dirceu Alves dos Santos, que deixaram o local, foram acusados de aplicar golpes em formandos, noivas e debutantes de Salvador. A estimativa é de que o calote tenha sido de R$ 120 mil. Entre as várias vítimas dos dois sócios da Antonius estavam 16 alunos de uma turma de formandos do curso de Engenharia da Unifacs. A cerimônia marcada para o dia 25 de março daquele ano seria realizada pela empresa, que cobrou cerca de R$ 4,2 mil para cada estudante. “O preço deles era só um pouco menor do que o de outros bufês. Não era o caso de pensar que eles cobravam tão abaixo do mercado que levaria a gente a desconfiar. Era um preço competitivo”, contou, à época, o estudante Geovani Santana.
Matéria original do Correio Dono de bufê é acusado de dar calotes em dezenas de noivos e até de roubar bolo de casamento