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SALVADOR

Hospital de Custódia está com estrutura precária

Vistoria recente do CNJ constatou graves problemas estruturais, déficit de médicos e técnicos e a permanência no local de presos que tiveram suas medidas de segurança cumpridas há tempos

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02/09/2012 às 10:25 • Atualizada em 26/08/2022 às 23:07 - há XX semanas
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Ninguém sabe o que se passou na cabeça de Almerindo. Pegou a primeira pedra que encontrou e atingiu aquele rapaz em cheio, sem nenhum motivo aparente. A vítima, que passava de bicicleta, caiu sangrando. Devido ao ato insano, ocorrido em 1981, Almerindo foi preso por lesão corporal leve. O fato é real e está na curta ficha criminal de Almerindo Nogueira de Jesus. Além desse delito, ele cometeu apenas outra lesão corporal na vida inteira. A sua prisão teria sido algo aceitável não estivesse detido até hoje, 31 anos depois do crime. Pior. Está jogado num lugar sem qualquer condição de abrigar um ser humano.
Invisível aos olhos do mundo, Almerindo é apenas um entre os 122 internos do Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico (HCT) da Bahia. A unidade prisional, localizada na Baixa do Fiscal, em Salvador, foi alvo de uma vistoria recente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que resultou em um relatório ao qual o CORREIO teve acesso.Na vistoria, realizada em julho, a equipe do CNJ constatou graves problemas estruturais, déficit de médicos e técnicos e a permanência no local de presos que tiveram suas medidas de segurança cumpridas há tempos. Além de contar com fotos que expõem a precariedade física do HCT, o relatório chega a listar o quadro penal de alguns internos.
“Estive no HCT em 2011 e voltei agora em julho. Só piorou. A estrutura está péssima. A situação dos pacientes é totalmente inadequada. Defino como um cenário de horror. Inadmissível”, avalia o juiz Luciano Losekann, auxiliar da presidência do CNJ e coordenador do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário.Insalubre O problema mais evidente do HCT é de ordem física. Um incêndio ocorrido em maio destruiu a Ala-E, no segundo andar, onde funcionava a enfermaria. A estrutura está comprometida e ninguém pode entrar ali. Sem manutenção, o telhado do prédio está deteriorado. O relatório do CNJ destaca que o primeiro andar vive com o piso molhado devido às chuvas. As infiltrações provocam curtos-circuitos e as lâmpadas queimam com frequência. “Não tem manutenção hidráulica, tem pouca manutenção elétrica e o telhado praticamente não existe”, confirmou um antigo agente penitenciário em conversa com o CORREIO, dentro da unidade. A reportagem não teve acesso a pacientes, mas conversou com funcionários e parentes de internos. De acordo com o levantamento do CNJ, as tentativas de fuga são constantes. Oxidadas, as grades das janelas não resistem às serras improvisadas pelos internos. Mas, em vez de trocar as grades, a administração do HCT assenta tijolos no vão das janelas, fechando as entradas de luz e de vento. “Só não tem mais fuga porque os internos vivem dopados”, observou um agente.
Pessoal Para além do desgaste do prédio, faltam médicos, enfermeiros e técnicos de enfermagem. Há apenas um psiquiatra por turno para atender os quatro pavilhões. O único médico clínico do HCT é responsável pelos 122 internos. Um funcionário disse que há só uma enfermeira por turno para todas as alas. “O número de profissionais, médicos e técnicos, é insuficiente. Teria, no mínimo, que triplicar. O diretor do HCT e quem trabalha com ele são uns abnegados. Mas falta pessoal para dar conta”, afirma Losekann. “A culpa não é dos médicos ou enfermeiras. Quem está lá faz o que pode”, completa a irmã de um paciente. Segundo o juiz Luciano Losekann, as informações colhidas pelo CNJ foram repassadas para a Secretaria Estadual de Administração Penitenciária e Ressocialização (Seap). A proposta do CNJ é que, após o cumprimento das penas de reclusão, os pacientes tenham acesso a atendimento psiquiátrico na rede pública de saúde. “O prazo é este mês. Se até o final de setembro as coisas não melhorarem, o CNJ vai voltar à Bahia. O problema é que, na Bahia, as coisas demoram muito de sair do papel”, define o juiz. Ações De acordo com a assessoria de comunicação da Seap, após o recebimento do relatório, a pasta já assegurou R$ 500 mil para obras no HCT, incluindo a reforma da ala incendiada e intervenções nas celas/quartos com problemas. A previsão é que as obras comecem este mês. Também segundo a assessoria da Seap, 170 profissionais da área de saúde serão contratados “em breve” para todo o sistema prisional do estado, via Regime Especial de Direito Administrativo (Reda). Assim, serão incorporados, por exemplo, médicos, psicólogos e enfermeiros. Uma quantidade não especificada de profissionais seria destinada ao HCT. Por fim, a assessoria informou que o superintendente de Gestão Prisional estava viajando, por isso não poderia conversar com o CORREIO.
Abandonados Sexta-feira foi dia de visita no HCT, mas quase ninguém apareceu. Prova de que muitos internos também são esquecidos por suas famílias. “As visitas costumam ser para apenas 20% dos internos”, disse outro agente. Por outro lado, muitas famílias vivem longe. “A maioria mora no interior. O Estado poderia criar formas de as pessoas poderem se deslocar”, sugere a parente de um interno. Talvez assim, Almerindo, que jogou a pedra no ciclista, não estivesse no HCT há mais de 30 anos. Sua trajetória está no documentário Casa dos Mortos, da antropóloga Débora Diniz. Condenado por lesão corporal, deveria ter deixado o hospital em 1983. Isolado de tudo, de certa forma, foi privado de viver: “Almerindo já morreu”, diz ele próprio durante consulta de rotina. Talvez não esteja morto. Mas invisível, com certeza. Falta de agentes penitenciários favorece violência no hospital Aconteceu há mais ou menos seis meses. Um interno da Ala-C brigou com um grupo de pacientes. Foi o suficiente para ele ser morto. E de forma bárbara. “Pegaram ele e botaram no micro-ondas. Quando socorremos, já estava com queimaduras de terceiro grau”, narrou um agente penitenciário. Micro-ondas é a expressão usada quando uma pessoa é amarrada e queimada viva. Segundo o relato do carcereiro, não havia qualquer agente no pavilhão. Isso porque, à noite, devido ao déficit de funcionários, os dois vigilantes ficam na parte externa do HCT. “A gente só entra quando ouve alguma coisa. No caso, sentimos o cheiro”. Durante o dia, diz ele, ficam entre seis e oito agentes por equipe. “Precisaria de, no mínimo, 12”. O próprio relatório do CNJ confirma os casos de violência e acrescenta que alguns internos já agrediram funcionários da unidade.
Matéria original: Correio 24hAlvo de vistoria do CNJ, Hospital de Custódia está com estrutura precária

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