Demorou dois meses e meio para surgir o primeiro grande impasse entre o prefeito ACM Neto (DEM) e o governador Jaques Wagner (PT), pondo em xeque a tão comemorada sintonia entre as equipes neste início de gestão municipal. E o impasse pode adiar, mais uma vez, após 13 anos de obra, o sonho da população de ter transporte público de qualidade, com a inauguração do metrô. A indefinição passa por 45 centavos no custo total por passageiro que utilizar o sistema ferroviário e as linhas de ônibus alimentadoras, bem como quem ficará responsável por gerir estas linhas. Enquanto não se resolve o problema, permanecerá na gaveta a licitação da parceria público-privada (PPP) que vai construir a Linha 2, terminar a Linha 1 e operar todo o sistema. Uma nova reunião entre Neto e Wagner será realizada ainda nesta semana.
Cada ladoA proposta inicial do governador é a de que sejam criadas linhas de ônibus exclusivas para levar os passageiros até as estações do metrô, e depois deixar no ponto de ônibus mais próximo de casa, em um raio máximo de 5 quilômetros de cada estação. Estes ônibus, requer o Estado, ficariam sob a responsabilidade da mesma empresa que vencer a PPP que vai construir e gerir o metrô. O problema é que, pela legislação, para operar linhas de transporte rodoviário em Salvador, o Estado precisa da autorização da prefeitura e Câmara Municipal. O secretário de Transportes e Infraestrutura de Salvador, José Carlos Aleluia, descarta completamente a possibilidade de dar essa autorização. Ele teme que a existência de dois sistemas de ônibus operando simultaneamente na cidade gere prejuízo para as empresas das linhas convencionais. Segundo ele, a perda dessa demanda de passageiros poderia prejudicar 70% da população que usa transporte público e não se beneficiará com o metrô, com aumentos de tarifa e redução na qualidade do serviço. “A proposta do estado inviabiliza o sistema de ônibus. É um absurdo, é colocar um sistema dentro do outro. Vão trabalhar em concorrência, vão morrer os dois”, disse. A contraproposta da prefeitura é a de que as empresas de ônibus das linhas convencionais operem as novas linhas de integração, e repassem à gestora do metrô metade da tarifa de R$ 2,80 cobrada de cada passageiro que fizer a integração. Nesta equação, as empresas de ônibus ficariam com os outros R$ 1,40. Esta possibilidade foi descartada pelo secretário da Casa Civil do estado, Rui Costa, por meio de nota oficial. O estado pretende manter a tarifa do metrô, com ou sem integração, nos mesmos R$ 2,80 pagos hoje no sistema de ônibus convencional. Nos cálculos para a composição desta tarifa, o custo por passageiro no sistema de integração gerido pela vencedora da PPP seria de apenas 95 centavos, valor 45 centavos mais barato do que é cobrado pelas empresas de ônibus. Como a prefeitura bateu pé firme contra a criação do sistema alimentador, o estado aceitou que a integração fique com as empresas que hoje operam as linhas convencionais, desde que elas fiquem com apenas os R$ 0,95 por passageiro. A prefeitura não concordou. Nos cálculos municipais, este valor deixaria as empresas operando em prejuízo, que seria compensado com um aumento de tarifa atingindo todas as linhas, inclusive as que não se integram com o metrô. “Assumimos a responsabilidade de não deixar as linhas de ônibus concorrer com o metrô. Vamos trabalhar para alimentar, mas não podemos pagar pelo metrô”, disse Aleluia. Ontem, em evento na Governadoria, Wagner descartou aumentar os subsídios para pagar os R$ 1,40 por passageiro que usar os ônibus da integração, como quer a prefeitura, e ainda assim manter a tarifa final para os passageiros em R$ 2,80. “Só estamos assumindo despesas: há um investimento do estado de mais de R$ 600 milhões, mais R$ 150 milhões para o subsídio por ano”, disse.
PolêmicaOntem, o governador deixou subentendido que o interesse da prefeitura em deixar nas mãos das empresas de ônibus a integração com o metrô teria ligação com a licitação das linhas rodoviárias, que está prevista para ser realizada neste ano. “Isso hoje é um problema institucional da prefeitura. Minha licitação não entra um centavo no meu caixa, ao contrário. Estou fazendo uma licitação para depois buscar dinheiro no caixa. Não estou ganhando dinheiro nenhum com licitação”, disse a jornalistas, na Governadoria. Na licitação das linhas de ônibus da prefeitura, há previsão de contrapartidas das empresas vencedoras como investimentos em obras viárias. O prefeito optou por não responder o governador. Em nota oficial, apenas endossou que o repasse de R$ 0,95 por passageiro para as empresas do sistema de integração “pode levar a uma possível elevação da tarifa para cerca de 70% dos usuários do sistema de ônibus, que não vão depender do metrô e isso a prefeitura não quer e não pode aceitar”. Neto disse ainda estar “estudando junto com sua equipe técnica uma proposta para, possivelmente, apresentar ainda esta semana ao governo do estado”. Ao fim, completou: “Vamos continuar os entendimentos e chegar ao limite para o bem da população”.
Trens do Subúrbio e término da Linha 1 já entraram no acordoO acordo entre prefeitura e estado é essencial para destravar o sistema do metrô de Salvador, e é de interesse dos entes públicos. Atualmente, a prefeitura é proprietária da Companhia de Transportes de Salvador (CTS), que é responsável pela gestão dos trens do Subúrbio Ferroviário, e é dona da Linha 1 do metrô, que corresponde ao trecho já pronto de 6,5 quilômetros entre a Estação da Lapa e o Acesso Norte, além do trecho inconcluso de 5,5 quilômetros do Acesso Norte à Estação Pirajá. A prefeitura reconhece que não possui condições de operar o metrô, que precisa de subsídios na passagem para operar, e reclama de dificuldade financeira para manter-se gerindo os trens, que já recebem subsídios anuais de R$ 30 milhões. Já o governo do estado está interessado em construir a Linha 2 do metrô, de 24 quilômetros, que vai ligar o Acesso Norte ao aeroporto pela Avenida Paralela. Para tanto, assegurou R$ 1 bilhão junto ao governo federal via PAC das Grandes Cidades, além de mais R$ 600 milhões via empréstimo com o BNDES. No entanto, para tornar a obra viável, precisa que a prefeitura ceda a Linha 1 para que uma mesma empresa, a ser escolhida por licitação em uma parceria público-privada (PPP), seja responsável pela construção do que falta da Linha 1 e toda a Linha 2, bem como pela gestão de todo o sistema pelos próximos 30 anos. A prefeitura concordou em ceder a Linha 1 ao estado, desde que levasse junto os trens do Subúrbio, mais um passivo judicial com a antiga construtora do metrô, o Consórcio Metrosal, em ações que pedem o pagamento de R$ 200 milhões – as empresas alegam que o Tribunal de Contas da União (TCU) suspendeu o pagamento pelas obras após verificar indícios de sobrepreço, mas os serviços foram concluídos e as investigações não resultaram em comprovação do suposto crime. O estado concordou com todas estas condições e o acordo já estava na mesa para ser assinado, não fosse o novo impasse com relação à integração entre ônibus e metrô.