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SALVADOR

Jangada se despediu de Itapuã com baile em clima de saudade

Demolida nesta quarta, o bar Jangada, aberto há 40 anos na orla de Itapuã, se despediu em grande estilo. Fomos lá conversar com os frequentadores, e curtir a sofrência

• 11/03/2015 às 9:20 • Atualizada em 27/08/2022 às 12:57 - há XX semanas

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- Oi... Quer dançar, amor? - Hã? Mas eu não sei... - Enche meu copo que te ensino... Se chamava Mara, 52 aninhos, fogo no quadril e mais charme que glamour. Usava baby look verde e amarelo, calça suplex de oncinha e sandália rasteira. Não sabia, mas acabara de me convocar para a última dança, da última noite, do último reduto de tipo bem específico na orla de Itapuã...
Bar Jangada, na segunda-feira: reduto de coroas boêmios, em Itapuã, pode ter vivido sua última noite de festa após quatro décadas. Espaço será demolido para obra na orla do bairro (Foto: Arisson Marinho)
Depois do Casquinha de Siri (antes do fim, Bali Beach) e do Língua de Prata, o Jangada resistiu firme e forte nos antigos domínios do poetinha. Mas só até segunda - noite da última festa no local, demolido nesta quarta-feira (11). Quis o destino que fosse o último ponto de encontro de gente que já passou de um, dois ou três matrimônios, dos poucos locais em que pessoas com mais de quatro décadas de vida podiam trocar beijos de língua sem ninguém se incomodar. Sem falar que, ali, como em quase lugar nenhum na cidade, coroas pés de valsa (ou baladeiros mais maduros) dançavam até a última gota de suor escorrer pelas costas. Tanto que, na última noite, aproveitaram até a música derradeira.
Estrutura do Jangada começou a ser demolida na manhã desta quarta-feira (11) (Foto: Arisson Marinho)
A versão de Bruno e Marrone acertou em cheio seus corações. “Foi a última noite de amor da gente”, avisa o cantador. Um dos bastiões da liberdade seresteira prestes a cair e a pista de dança derramando feromônio. O restaurante que marcou a história de um bairro quase indo ao chão e Mara, veja você, preocupada com o meu Red Label. - Tá sabendo que vão derrubar, né? - O quê? - O Jangada. Parece que quinta vai cair de vez. Essa é a última seresta... - Conversa desse povo! Bota mais uísque pra mim, amor... Unidos A casa estava cheia para a noite de despedida - normalmente, abre de quinta a segunda. Uma saideira, aparentemente, com doses moderadas de melancolia. Assim como Mara, as outras testemunhas também estavam descrentes. Ou não queriam acreditar no pior, a exemplo do ambulante Milton Cardoso e da cozinheira Célia Dalva, ambos de 59 anos. Como o casal poderia acreditar no fim tão repentino do lugar que os uniu?
Milton e Célia se conheceram no Jangada: casal quer que bar continue (Foto: Arisson Marinho)
Frequentavam o Jangada há mais de 30 anos. Se conheceram há quatro, quando ele a chamou para uma dança. Não se desgrudaram mais. “É sério mesmo que é a última noite? Se isso for verdade, Itapuã não vai mais existir. Vai ser horrível”, lamenta Célia. “Venho aqui desde 1978. Agora que você falou, o coração chega ficou apertado”, engole a emoção Milton. A música seguia e só algo muito saboroso fez o casal Jorge Almeida, 52, e Rita de Cássia, 56, esfriar o sangue na noite de dança. Hora de abrir os botões da camisa ensopada e degustar um frango a passarinho, devidamente acompanhado com farofa e vinagrete. Moram juntos há seis anos e também se conheceram no Jangada. “Fazer o quê? O jeito é procurar outro lugar. Mas igual a esse aqui...”, deixa no ar Jorge. A última Segunda Sem Lei do Jangada era uma noite para bêbados calarem a boca, para não haver rimas de amor.
Virgínia lamenta o fim do Jangada: ‘Os outros não têm essa animação’ (Foto: Arisson Marinho)
Mas Virgínia Ferreira Santos, 63, insistia em carregar sua cesta de rosas. Há cerca de 40 anos - ou desde que o Jangada existe -, ela circula pelos restaurantes da região vendendo o amor em forma de flores. “Já vi muito noivado começar por minha causa. Muita gente se casou depois de receber minhas rosas”, garante. Por isso, era uma das poucas no salão que, às vezes, segurava o riso. “É meu ganha-pão, né. Os outros (restaurantes) por aí não têm essa animação”, explica. Figuras Na fisionomia de alguns dos 13 garçons da casa era possível enxergar certo desânimo. Um deles ainda tentou brincar. “Que nada, rapaz! A dona daqui garantiu que ia procurar a melhor mãe de santo da cidade. Vai dar tudo certo”, diz, contando com uma reviravolta no caso. Na última noite, os personagens estavam todos lá. Irão desaparecer com o fim do Jangada: o bêbado que pede desculpas antes mesmo de tropeçar nas pessoas ou o sujeito que manda bilhetinhos via garçom a três mulheres ao mesmo tempo. “Se eu te disser o quanto me dei bem fazendo isso, você não acredita”, revela este último, sem se identificar. “Se você botar meu nome, não pego mais ninguém. E não entro mais em casa”, indica. E aquela senhorita de vestido vermelho colado e enorme cinto preto que dançava de costas para o palco, como se ao mesmo tempo avaliasse o ambiente? Ela não é a única a usar essa estratégia, mas certamente é a que mais se destaca. “Só estou dando uma olhada. Chego cedo para poder ficar no meio. Gosto de ser o centro das atenções”, explica, também sem entregar a alcunha. Por décadas, o Jangada dividiu com o Casquinha de Siri e o Língua de Prata a responsabilidade de alegrar solidões, amansar dores de cotovelo e tranquilizar a avidez de coroas indóceis. “O Jangada e o Língua de Prata tiveram representatividade, mas jamais o glamour do Casquinha. De qualquer forma, os três marcaram época”, comenta o jornalista Victor Uchôa, frequentador orgulhoso dos três. Estereótipos Aos que gostam de estereótipos, acredita-se que o público das três casas era de taxistas, domésticas, rodoviários e, também, garotas de programa. Na segunda-feira da despedida, no máximo, identificamos garotas trocando arrochadas por bebidas alcoólicas. “A verdade é que vem gente de todo o tipo aqui. Inclusive, gente de dinheiro. Já vi muita coroa mandar descer a garrafa de uísque para os caras”, narrou o garçom. Acho que não dei muita sorte com Mara. Aliás, para não deixar dúvidas, a figura de Mara existe, estava na despedida. Trocava o tempo inteiro de parceiros de dança e, de cada um, ganhava uma talagada de uísque ou vodca. Mas o diálogo comigo é fictício. Sequer aceitei o convite para a dança. Realmente não sei dançar. Talvez por nunca ter frequentado um espaço como esse em plena orla de Itapuã. Um erro imperdoável.
Correio24horas

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