Imagine que você tem um quarto com espelho no teto, cama redonda, espumante gelado e até camisinhas em embalagens coloridas. Se, além disso, tivesse a companhia perfeita, o que faria? É bem provável que a resposta não fosse algo que incluísse assistir ao Carnaval de Salvador. A companhia, certamente, não seria de seus amigos e familiares. Pode soar deslocado, mas tem gente que não liga e adora curtir uma vista privilegiada para o circuito pela janela do quarto. Se durante o resto do ano, locais que funcionam como motéis no Campo Grande e Avenida Sete de Setembro servem às noites ardentes dos casais, no Carnaval viram camarote particular para toda família. Quem nunca curtiu a folia desse jeito pode achar um pouco estranho. Mas há os inveterados no camarote inusitado. O comerciante Miguel Encarnação, 40, usa o Hotel Santiago, na Rua Forte de São Pedro, há cinco carnavais. No início, ficou um pouco preocupado. Como costuma ficar no quarto com a esposa, a mãe e as duas filhas de 7 e 2 anos, ele diz que até cobre o espelho no teto com um papel durante a estadia. Nos dias de folia, no entanto, não há nem sinal de que um intenso romance pode ter acontecido entre quatro paredes. “Eles (funcionários do hotel) são muito atenciosos com isso. Qualquer coisa que tenha um conteúdo mais sexual, como canais adultos na televisão, não fica durante o Carnaval. Eles tiram e são muito profissionais”, elogiou. Hoje, já amigo do dono e dos funcionários, o comerciante diz que se sente totalmente confortável e seguro.
A camareira Nilza Maria, que trabalha em um dos hotéis da Rua Forte de São Pedro, admitiu que, embora durante o resto do ano os casais sejam os maiores frequentadores, no Carnaval, as famílias dominam. “Ano passado, veio até uma moça com um recém-nascido. Sobra pouco para quem quer vir esporadicamente, passar algumas horas, ou não sobra”, revelou. Miguel fica ainda mais tranquilo porque afirma que suas filhas ainda não têm total entendimento da situação. “Se elas já estivessem com uns 12 anos, que já não são tão crianças, talvez eu não ficasse por lá”, admitiu. No entanto, ele diz que está muito satisfeito com o serviço. “Como sou daqui, não preciso de hotel durante o ano. Mas se houver uma necessidade, o primeiro lugar seria lá”, completou. Mas não só os soteropolitanos alugam os quartos da frente para ver a folia. É o caso da administradora potiguar Raffaella Medeiros, 29, que deve chegar de Natal, na quinta-feira, para se hospedar no Hotel Campo Grande pela quarta vez. Ela conta que conheceu o hotel através da amiga de um amigo e fez todas as solicitações pela internet. SurpresaQuando chegou em Salvador, um primo já a esperava no local. “Pelas fotos, eu imaginei que pudesse ser um hotel desse tipo, mas ele ficou surpreso e falou: ‘Você já viu nosso quarto?’, e eu respondi: ‘Você quer pagar três, quatro vezes mais?’. Eu ri muito quando cheguei, mas prezo pelo conforto e segurança. E lá é confortável por um preço legal”, garantiu. Raffaella diz que vê tudo com naturalidade, mesmo também tendo afirmado ser conservadora. “No Carnaval, tudo é muito familiar ali. Não sei durante o ano, mas tendo cama, ar-condicionado e chuveiro elétrico... Não vou para ‘turistar’, vou para brincar”, assegurou. Para a administradora, a energia da festa contagia tanto que logo se esquece dos detalhes sobre o que já se passou naquele quarto. E engana-se quem pensa que só os mais jovens se divertem assim. O aposentado Alírio Lima, 74, também é frequentador assíduo dos camarotes improvisados nos hotéis do Campo Grande. “O quarto dá para ver todo mundo. Vejo desordem, vejo briga, vejo os mijadores de rua. Mas Carnaval é uma festa de todos, é isso mesmo”, opinou. O aposentado, que leva a família inteira para assistir e pular o Carnaval, fica no Hotel Santiago há cinco anos. Ele só reclama do tal do espelho no teto. “Aquele espelho é chato para caramba, mas temos que relevar, porque é um hotel para todos. Mas não sei para que serve. Deve ser para alguém no ápice sexual se deliciar com o que está fazendo”. Ainda assim, ele diz que sempre recebe seu quarto “limpo”: sem espumante, sem preservativos. Para Lima, está mais do que na hora de todos deixarem de ver isso como um tabu. “Acho que dá tudo no mesmo. Hotel, motel, é tudo igual. A gente que vive numa cidade atrasada mesmo”. Segundo o aposentado, o quarto-camarote é um ponto de encontro da família. De lá, todos vão para onde querem e, principalmente, fazem o que querem – com espelhos no teto ou não. Estabelecimentos limitam oferta de pernoites nos dias de foliaNa Avenida Sete, uma placa já anuncia aos futuros hóspedes que o pernoite não é permitido no Carnaval. “O período de Carnaval é só pra diária. Muitas famílias, principalmente daqui de Salvador, vêm. Se depender delas, trazem primo, tio, sobrinho e até cachorro”, conta Selma da Silva, recepcionista do Hotel São José. Assim como no São José, a maioria dos hotéis da região afirma que nem existe a possibilidade de pernoite ou aluguel de período para quem quiser “dar uma” no meio da festa. Por outro lado, em hotéis como o Santiago, se ainda houver quartos disponíveis nos dias de Carnaval, quem estiver precisando de um pernoite não vai ficar desabrigado — sendo casal ou não. “Não tem problema, mas o nosso foco durante os dias de Carnaval são os clientes que vêm para curtir a festa mesmo”, explicou Manoel Muiños, proprietário do estabelecimento. Hóspedes como o aposentado Alírio Lima, no entanto, não se importam, caso os frequentadores de curto período apareçam. “Sou boa praça. Se não me incomodar, cada um que cuide de sua vida. Eu só quero curtir meu Carnaval”, afirmou. Festa inflaciona preço em motéis do Campo Grande no CarnavalPara quem se interessou pela hospedagem, é bom preparar o bolso: um pacote para quatro pessoas em um quarto, todos os dias da festa, fica em torno de R$ 4 mil nos estabelecimentos da região. As diárias, que normalmente custam em média R$ 130, podem chegar a R$ 300. Apesar do preço inflacionado, a procura é alta. “Dos nove quartos que temos com vista, só dois ainda não foram alugados”, contou o dono do Hotel Santiago, Manoel Muiños. O empresário, no entanto, diz que a demanda já foi maior em outros anos. Em todo o hotel, só 60% dos quartos já foram preenchidos. Perto do Santiago, no Hotel Campo Grande, a situação também não está muito diferente. Segundo a proprietária, que não quis se identificar, o mesmo percentual de quartos que no outro hotel ainda está disponível. A empresária, no entanto, ainda tem esperanças de completar os quartos até o primeiro dia da folia. No entanto, em outros estabelecimentos como o Globo, na Avenida Sete, todos os apartamentos estão reservados para um grupo de turistas do Sul do país. Já no Hotel do Forte, dos nove quartos com vista para o circuito, apenas um ainda estava vago na semana passada. Matéria original: Correio 24h Locais que funcionam como motéis no Centro se transformam em camarotes
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