Botijão de gás, cestas básicas e até contas de água, luz e creche pagas pelo tráfico. É desta forma que as quadrilhas de Valéria compram a lealdade de centenas de famílias no bairro. É o que afirma o tenente-coronel Roberto Pinto, comandante da 31ª Companhia Independente (Valéria).
“A comunidade avisa e blinda os traficantes, que fazem o papel do Estado”, declarou o militar, ontem pela manhã, ao falar sobre a situação do bairro que vive um clima de tensão desde sábado, quando três ônibus foram queimados, em protesto pela morte do traficante conhecido como Mamano, no último dia 15. Ontem, a Unidade de Pronto Atendimento de Valéria (UPA) só abriu com a presença da polícia, e em um trecho do bairro, os ônibus só circularam a partir das 10h.
Segundo a polícia, Rodrigo Ferreira dos Santos, o Mamano, era gerente do traficante Adílson Souza Lima, o Roceirinho, 31, que, apesar de cumprir pena no presídio de Serrinha, continua exercendo influência no tráfico em Valéria. O corpo de Mamano foi encontrado carbonizado, no último dia 15, em um matagal, na Estrada do CIA.
Polícia Militar circula no bairro de Valéria, que vive dias tensos depois da morte de um traficante e da revolta da quadrilha, que no fim de semana promoveu a queima de três ônibus |
UPA funciona com as portas baixas por insegurança |
Segundo o comandante, as quadrilhas aliadas a Roceirinho têm como prática o assistencialismo. “Quando as equipes da polícia entraram nas comunidades, os ‘olheiros’, na maioria meninos’, avisam para os traficantes da área. Tem famílias que dão informações erradas e até escondem os bandidos dentro de casa. Tudo isso em troca de assistência financeira”, disse o comandante da 31ª CIPM. Em relação aos ônibus incendiados no sábado, o comandante da 31ª CIPM disse que os bandidos não agiram sozinhos. “Membros de algumas comunidades participaram das ações. Isso porque Mamano era o segundo homem no comando da facção. Como gerente da boca, era ele que distribuía a droga e também colocava em prática o método assistencialista”, explicou o comandante. De acordo com ele, quando as guarnições da 31ª CIPM chegaram a um dos ônibus queimados, os policiais foram recebidos a balas. “Foi um grupo pequeno que estava armado, junto com os demais manifestantes”. O comandante, porém, fez uma ponderação. “Sabemos que esse tipo de comportamento não é generalizado. Não são todas as pessoas das comunidades que agem dessa forma”, declarou. Efetivo Na tentativa de estabelecer a normalidade no bairro, o comandante da 31ª CIPM afirmou ter pedido reforço. “Estamos com deficiência no efetivo”, revelou o comandante, que teve o pedido atendido por outras unidades da Polícia Militar, como Rondesp BTS, Gêmeos, Graer e Apolo. Segundo o tenente-coronel, o atual efetivo é de 85 policiais, mas apenas 65 estão trabalhando, entre policiais que atuam no policiamento ostensivo e administrativo. “Temos uma área imensa para dar conta: Valéria, Palestina, Nova Brasília de Valéria, Derba, Cidade de Plástico e outras”, declarou. Procurado para se posicionar com relação ao contingente, o Comando da Polícia Militar informou apenas que “dados referentes ao efetivo empregado não serão divulgados devido a uma questão estratégica da Polícia Militar”. Clima Apesar da presença da polícia em alguns pontos do bairro e a reabertura do comércio, o clima ontem era tenso. Quem precisou de transporte coletivo na localidade de Nova Brasília de Valéria teve que penar no início da manhã. Os pontos de ônibus amanheceram lotados. Isso porque os ônibus não entravam no bairro. “Tem gente que teve que andar até o Largo de Valéria ou até a BR-324 para pegar ônibus”, disse uma manicure, por volta das 9h30, uma das 15 pessoas no abrigo de ônibus na Rua Nova Brasília. Cerca de meia hora depois, o primeiro ônibus a entrar na localidade foi o da empresa Transol (número de ordem 5647), que seguia para o Campo Grande. Questionado se era sua primeira viagem, o motorista respondeu que sim, porém não estendeu a conversar, tendo em vista que alguns passageiros não aceitavam que ele falasse com a imprensa. “Ele não vai falar nada, não!”, bradavam alguns homens do fundo do coletivo. O transporte no bairro voltou a circular com normalidade no início da noite, segundo o Sindicato dos Rodoviários. “Os rodoviários estão com muito medo, alguns só vão até o largo e não seguem (até onde os ônibus foram depredados)”, contou Cleber Maia, diretor do Sindicato dos Rodoviários. A PM, em nota, reafirmou a posição de reforçar o policiamento. “Além do efetivo estar garantido, também foi intensificado com a presença de guarnições do Batalhão de Choque, Operação Gêmeos, Operação Apolo, Rondesp BTS e da própria Companhia de Valéria”, detalhou o comando da PM. Para a PM, o clima é de normalidade na região. “Eles (os rodoviários) que estão alegando uma questão de segurança. Pelas empresas, não tem nem pode ter nenhuma restrição”, afirmou ontem Horácio Brasil, superintendente do Sindicato das Empresas de Transporte Público de Salvador (Setps). UPA O tenente-coronel Roberto Pinto disse que manterá contato com o Sindicato dos Rodoviários para garantir a normalização da prestação de serviço. “Vamos intensificar o policiamento na região, como fizemos com a UPA”, declarou. A UPA de Valéria abriu ontem depois das 10h. “O diretor me pediu uma ajuda e coloquei uma guarnição com quatro policiais lá”, disse ele. Antes das 10h, quem procurava atendimento médico, encontrava os portões trancados. “Vim aqui para retirar a sonda de meu pai, mas não estão atendendo com o medo de invadirem o local”, disse a doméstica Virgínia Anunciação, 56, que teve que levar o pai para outra unidade. A UPA está localizada na Rua Petronilha Dessa, próximo à localidade de Nova Brasília de Valéria. A Secretaria Municipal de Saúde informou que não houve interrupção no atendimento da UPA do bairro de Valéria. Segundo o órgão, a equipe médica está completa e o atendimento segue 24h, no entanto os portões da unidade estão sendo mantidos fechados para reforçar a segurança. Roceirinho disputa controle do tráfico com Cebola A região de Valéria é marcada por intensos confrontos entre dois grupos que disputam o controle do tráfico local. No controle majoritário das bocas no bairro, está o grupo do traficante Adílson Souza Lima, o Roceirinho, do qual Mamano fazia parte. Segundo a polícia, Roceirinho controla o território mais próximo da BR-324, que inclui localidades como Nova Brasília de Valéria, Bolachinha, Rua das Palmeiras, Beco 51 e Penacho Verde. Ele disputa o controle da região com Fábio Conceição Brito, o Cebola, que comanda o tráfico na antiga na Lagoa da Paixão, em Fazenda Coutos, e no Iraque, antiga Cidade de Plástico, que começa no Subúrbio e termina em Valéria. Roceirinho é considerado um dos maiores traficantes da Bahia, envolvido em assaltos a bancos e homicídios. Ele teve R$ 2,5 milhões em imóveis, veículos e dinheiro bloqueados e sequestrados pela Justiça, durante uma operação em maio do ano passado. Entre os bens estão uma casa em Jacuípe, no Litoral Norte, apartamentos em Lauro de Freitas e em Aracaju, uma fazenda no interior da Bahia e diversos veículos. Em setembro do ano passado, ele Roceirinho foi flagrado num hotel de luxo, em Ondina, com R$ 168 mil, fruto do tráfico de drogas. Ele também ordenou, em 2010, uma chacina que matou cinco pessoas da mesma família, na localidade de Barra do Gil, em Vera Cruz, na Ilha de Itaparica. Roceirinho foi transferido em outubro deste ano para o presídio de Serrinha por conta, de acordo com a decisão judicial, do “alto nível de periculosidade e capacidade de liderança de reclusos”. Já Cebola, condenado por 18 homicídios, cumpriu dois anos em regime fechado e desde março está em prisão domiciliar. Em abril do ano passado, ele foi preso, junto com mais cinco integrantes acusados de uma chacina em Valéria em março deste ano. Na ocasião, a Polícia Civil informou que o traficante confessou pelo menos a autoria de 18 homicídios em Salvador e Região Metropolitana. As cinco vítimas da chacina, Tiago Batista dos Santos, 19, Neilton da Silva Santos, 29, Larissa Santos Oliveira, 17, Jessica Maísa dos Santos Figueiredo, 19, e Joseli Nascimento dos Santos, 16, eram de Mata de São João e disputavam o domínio do tráfico de drogas da Cidade de Plástico, onde foram mortos. Os corpos foram abandonados pela quadrilha, a cinco quilômetros do local da execução, na Lagoa da Paixão, em Valéria.
Veja também:
Leia também:
AUTOR
AUTOR
Participe do canal
no Whatsapp e receba notícias em primeira mão!
Acesse a comunidade