Se a polícia entra na Vila Memeia, no Nordeste de Amaralina, os traficantes revidam à base de tiros. No Campo do Areal, também no Nordeste, o futebol volta e meia é interrompido por brigas entre traficantes. Na rua Coreia do Sul, o tráfico ainda mantém as vendas movimentadas. Na vizinhança das três Bases Comunitárias de Segurança (BCS) do Nordeste e Santa Cruz, inauguradas em 27 de setembro, a pacificação ainda não é uma realidade visível. Nos primeiros dias após a instalação das bases, já houve duas tentativas de homicídios e registro de troca de tiros de traficantes com rivais e também com a polícia. A diferença do que houve após a implantação da BCS no Calabar, em abril, é uma prova de que a instalação de cada unidade terá suas particularidades. No Calabar, paira o sossego - nenhum homicídio ou tentativa foi registrado em quase seis meses. “Aqui até tem um ou outro que vende droga, mas tem seis meses que não vejo sair um defunto desse lugar”, conta uma comerciante do bairro que, mesmo dizendo estar vivendo em paz, prefere não ser identificada. “Infelizmente, não sabemos até quando isso vai durar”. O capitão Marcelo Pitta, chefe do Departamento de Imprensa da Polícia Militar, aponta a geografia e a cultura populacional dos bairros como fatores que influenciam na diferença. “O Nordeste é um desafio maior, pois compreende uma região de três bairros. O processo de implementação das bases passa por redirecionamentos, focando a interação com a comunidade. Não é algo que acontece de um dia para outro”. ExemploO comandante do Estado Maior da Polícia Militar do Rio de Janeiro, coronel Robson Rodrigues, que foi responsável pela instalação da maioria das Unidades de Polícia Pacificadora do Rio, explica que a entrada da polícia não indica o fim da violência. “Não é porque a polícia entra que a violência acaba, mas casos como tentativa de homicídio precisam ser analisados para não prejudicar o andamento do projeto”. Moradores do Nordeste de Amaralina têm se queixado sobre o tipo de abordagem empregada pelos policiais das BCS. Segundo um deles - que pediu anonimato, os PMs, que “deveriam ser amigos da população, cometem agressões física e verbal” durante os procedimentos. Semana passada, por exemplo, um episódio revoltou os moradores da rua dos Posseiros, que fica perto da 28ª Delegacia. Um frentista de 20 anos conversava com amigos na frente de casa por volta das 8h30, quando um carro (nº 2.01015) da BCS se aproximou. De acordo com uma testemunha, um policial deu um tapa no ouvido do jovem enquanto o interrogava. “O policial perguntou: está com essa cara de zangado por quê? Ele disse que estava mal porque tinha perdido o irmão. O PM deu tapa no pé do ouvido. Depois, jogaram ele no chão, pisaram no pescoço e na cabeça. Uma vizinha que tentou socorrer o menino ainda foi intimidada pelo policial, que colocou a arma na barriga dela, e perguntou: você não tem medo do que sai daqui não?”, relatou a mulher. O irmão do frentista havia sido morto pela polícia em auto de resistência dia 12 de outubro. O capitão Pitta informou que não há na Ouvidoria da corporação qualquer registro de agressão por parte de policiais na região do Nordeste de Amaralina. “Essa pessoa não registrou ocorrência”, enfatiza. Pitta lembra ainda que caso alguém seja vítima de agressão, deve registrar a ocorrência no site ou pelo telefone da Ouvidora para que a PM apure os fatos. O primo do frentista, que também prefere não se identificar, conta que ele e a família foram à delegacia, mas optaram por “não dar continuidade à denúncia por medo de represálias”. Os policiais que trabalham nas BCS foram submetidos a cursos de capacitação com foco no policiamento comunitário. À época, o major Francisco Pacheco, que coordenou o curso, explicou que a ideia das bases é aproximar a polícia da comunidade. IdentificaçãoEntretanto, a realidade tem se mostrado diferente no Nordeste de Amaralina. Uma moradora do bairro conta que, durante abordagens, quando os moradores se aproximam, muitos PMs começam a retirar a tarjeta de identificação. Na tarde de anteontem, o CORREIO avistou 36 policiais das BCS - 19 estavam sem a tarjeta. “Se isso estiver acontecendo é completamente contra o projeto. A polícia tem que estabelecer uma relação de confiança. Se o policial vai para uma ação sem identificação, deixa o recado que não quer conviver”, diz Rodrigues. Informada sobre o fato pelo CORREIO, a PM explicou que isso não é procedimento. “Inclusive, nas fardas novas os nomes vêm gravados. Vamos passar a informação para o comando”, disse capitão Pitta.
Policiais apontam zonas mais perigosasRua Coreia do Sul, Campo do Areal, Vila Memeia e Rua 11 de Novembro são apontadas por policiais civis e militares das Bases Comunitárias de Segurança (BCS) como as mais problemáticas para as operações. No início deste mês, um tiroteio entre a polícia e jovens envolvidos com o tráfico de drogas assustou moradores da Vila Memeia. Dos jovens envolvidos no tiroteio, quatro foram presos e dois adolescentes, de 15 e 17 anos, foram apreendidos. “Nessas ruas nem a polícia pode entrar a qualquer hora. Tem rua que a gente nem entra. Na Vila Memeia, a polícia civil foi recebida a tiros algumas vezes quando foi entregar intimações”, conta um PM que integra a BCS de Santa Cruz. De acordo com o capitão Marcelo Pitta, chefe do Departamento de Imprensa da Polícia Militar, o reconhecimento das zonas mais complicadas faz parte do processo de implementação. “A estratégia de ocupação é que ela aconteça de forma progressiva. Não é uma tarefa fácil. É um trabalho contínuo”, disse. Dois moradores do Nordeste de Amaralina sofreram tentativas de homicídios desde que foram instaladas as três bases comunitárias no bairro. Já na segunda-feira passada, Eduardo Barreto Costa, de 30 anos, foi esfaqueado na coxa direita e no tórax. Até as 19h de ontem ele permanecia internado no Hospital Geral do Estado em estado grave. A vítima ainda não foi ouvida pela polícia. No dia 3 de outubro, Luis Carlos Soares Campos, 20 anos, foi atingido por tiros na região do abdômen. Cada base deve se adaptar à realidade da áreaAs realidades do Calabar e do Nordeste de Amaralina são diferentes e por esse motivo as fases de adaptação também são diferentes. Essa é a avaliação do comandante do Estado Maior da Polícia Militar do Rio de Janeiro, coronel Robson Rodrigues, que foi comandante das Unidades de Polícia Pacificadora (UPP) cariocas. “Estive no Calabar (em maio) e percebi que era uma realidade. Certamente o Nordeste, que é maior, tem outra dinâmica. Cada comunidade tem uma realidade diferente e fatores distintos de promoção da violência”, explicou o coronel ontem, por telefone. As tentativas de homicídio ocorridas no Nordeste, segundo Rodrigues, são instrumentos de alerta. “O combate à violência letal tem que ser feita de forma aberta, respeitando a ocorrência desses fatos atípicos. Essas questões, assim como fizemos no Rio, tem que ser avaliadas de imediato para não aumentar a ocorrência de crimes”. De acordo com o capitão Marcelo Pitta, chefe do Departamento de Imprensa da Polícia Militar, no Nordeste de Amaralina, a implantação das bases faz parte de um processo “que vai sendo redirecionado pelos fatos que acontecem no decorrer da implantação”. População acreditaUma vendedora ambulante que mora da Rua 11 de Novembro, na Santa Cruz, relata que os moradores da rua são forçados a ver bandidos armados constantemente. “Esses policiais das bases nem pisam aqui. Nunca vi. Quando eu saio com meu filho para a escola boto a mão no rosto dele para ele não ver o povo armado”, conta a moradora, que trabalha ao lado de uma das bases. Apesar das queixas, moradores fazem questão de ressaltar que apoiam a iniciativa. “Já sentimos melhoras com o policiamento ostensivo. Antes, era natural ver pessoas andando armadas no bairro. Agora não vemos mais isso. A malandragem não mexe com a população. A questão é lá entre eles mesmos. A gente quer UPP aqui, mas precisa ter qualificação. Os caras estão despreparados”, avalia um morador da Santa Cruz. “A coisa está melhorando por aqui sim. Nordeste, apesar da fama, não tem só bandido. Tem muita gente de bem aqui que está sendo maltratada”, completa outra moradora do Nordeste de Amaralina.
Rua Correia do Sul, Campo do Areal, Vila Memeia e Rua 11 de Novembro (sent. horário) |
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