A liberdade da médica Kátia Vargas Leal Pereira causou revolta não só entre parentes dos irmãos Emanuel e Emanuelle Gomes, mas também entre rodoviários. A categoria questiona por que a médica, acusada de matar os dois irmãos, teve a prisão preventiva revogada após 60 dias, enquanto o motorista Jocival Pinto, que atropelou o médico Raimundo Pereira da Silva Filho e sua irmã, em janeiro deste ano, na Estrada do Coco, aguarda julgamento no Presídio de Simões Filho. “A gente não consegue entender por que a Justiça funciona assim, de maneira diferente”, afirma o presidente do Sindicato dos Rodoviários da Bahia, Hélio Ferreira. Jocival foi indiciado por três tentativas de homicídio, qualificadas por motivo fútil, por não dar condição de defesa às vítimas, além de ter sido realizada por um motorista profissional e contra uma mulher grávida. No dia 16 de janeiro, o ortopedista Raimundo Pereira da Silva Filho, 38, ia para a Praia do Forte com a irmã, Arli Patrícia Silva, e sua mãe, Gerofla Barreto da Silva, quando o carro em que estavam foi atingido no fundo pelo ônibus dirigido por Jocival. Os três eram seguidos por Nirlana Fernandes Teixeira, que estava grávida de seis meses, sua filha de 2 anos e uma babá, que iam em outro veículo e pararam ao perceber o acidente.
Em depoimento, a família alegou que Raimundo, Nirlana e Arli fizeram fotos da batida em um celular e, quando retornavam para seus veículos, o motorista acelerou o ônibus na direção deles. Raimundo conseguiu empurrar a esposa para longe do veículo e foi atingido em cheio, sendo esmagado contra o próprio carro. A irmã, Arli, sofreu uma fratura grave de bacia e em várias costelas. Jocival foi preso seis dias após o acidente. No último dia 22 de novembro, o juiz Rogério Miguel Rossi encaminhou o réu a júri popular e manteve a prisão preventiva, argumentando que é uma forma de “evitar o sentimento generalizado de impunidade, em especial nos crimes de trânsito que tem ocorrido com muita frequência na atualidade, vitimando pessoas inocentes”. Ontem, o advogado do motorista, Marcos Pereira, entrou junto ao Tribunal de Justiça (TJ-BA) com pedido de reconsideração da prisão preventiva. “Pedimos que o juiz reconsiderasse a partir do princípio da igualdade. Hoje a comoção social é inversa à época do fato. Muitas pessoas já entraram em contato questionando o motivo de a médica ter sido liberada e ele não”, relata. Pereira acrescenta que a condição social dos réus influenciou nas decisões. “Ele é um motorista de ônibus; ela, uma médica. Hoje a necessidade de resposta da sociedade é no sentido da Justiça não privilegiar por conta de questões econômicas ou sociais. Se a liberdade chegou a outra pessoa nas mesmas condições, por que ele deve permanecer preso?”, questionou, acrescentando que Jocival não tem antecedentes criminais. Casos diferentesO Tribunal de Justiça (TJ-BA) informou, por meio de sua assessoria, que as decisões dependem da interpretação de cada juiz. O advogado de defesa do médico Raimundo Pereira, Antônio Tanure, afirma que os dois casos não podem ser comparados. “Jocival assumiu o crime, só que disse que não tinha intenção de causar tantos danos. Ele é um réu confesso, a médica não”, explica. Tanure diz ainda que não acredita que o juiz mude de ideia. “Não acredito que o juiz mude sua decisão e que ele seja solto. O juiz vai receber o recurso, abrir prazo para o Ministério Público se manifestar, para que a gente se manifeste e depois vai subir para o tribunal”. Procurado, o Ministério Público informou que não se pronunciaria mais sobre o caso.
Recursos da médicaO promotor do MP Davi Gallo, responsável pelo caso da médica, entrou ontem com recurso contra a liberdade provisória, determinada pelo juiz Moacyr Pitta Lima, na segunda-feira. Já o advogado da Kátia Vargas, Sérgio Habib, deve recorrer sobre o júri popular. “Temos cinco dias para decidir. Entendemos que as instâncias superiores precisam de um exame melhor do caso, neste caso o Tribunal de Justiça do Estado da Bahia (TJBA), o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o Supremo Tribunal Federal (STF)”, declarou o criminalista, membro da Comissão de Reforma da Lei de Execução Penal e professor de Direito da Ufba. Caso a defesa venha recorrer, a previsão de Habib é que o julgamento seja realizado daqui a quatro anos. Questionado se a defesa teme o júri popular, o criminalista respondeu que não. “Tenho 32 anos de júri e tenho como mostrar o que existe nos autos. As provas nos autos não a incriminam”, argumentou. Colaborou Bruno Wendel. Delegadas pretendem processar perito após acusaçõesAs delegadas Jussara Souza e Acácia Nunes, da 7ª Delegacia (Rio Vermelho), anunciaram, ontem, que pretendem processar o perito Ricardo Molina, contratado pela defesa da médica Kátia Vargas. A ação deve ser movida essa semana, segundo a titular da unidade, Jussara. Na última segunda-feira, Molina apresentou o laudo que produziu à imprensa e, além de ter chamado Jussara de “criminosa”, afirmou que ela tinha um “desejo irracional” de acusar Kátia. “Devemos entrar com uma ação por difamação e calúnia. Será uma queixa de crime contra a honra”. Para Jussara, Molina deve ser convocado, durante o julgamento. “Ele é um perito particular, que é um alienígena em nosso espaço, já que o nosso papel é ser imparcial. Nós produzimos peças que serviram ao seu objetivo de fundamentar a denúncia e, posteriormente, a pronúncia”, pontuou.
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