O cirurgião-plástico Mario Amici, 48 anos, está acostumado a “reconstruir gente”. Em 2009, no entanto, plantou uma semente que o desafia até hoje na reconfiguração do bairro onde mora, o Itaigara, através do plantio de árvores e conscientização ambiental dos vizinhos. “Chamei meus amigos para largar de lado o jogo do Bahia e irmos plantar uma árvore, cada um com seu filho, daí tudo começou”, conta Mario, que comandou o projeto sem nenhuma orientação.
Diante da possibilidade de cada cidadão se engajar com a cobertura verde da capital, a Secretaria da Cidade Sustentável (Secis) está desenvolvendo um Plano Diretor de Arborização Urbana que pode apoiar e dar instruções a iniciativas como a de Mario, mas também vai regular infrações, como corte e poda ilegal, com previsão de multas que podem chegar a R$ 5,2 mil.
Mauro Amici no jardim que plantou com a ajuda de vizinhos (Foto: Mauro Akin Nassor/CORREIO) |
O projeto de arborização liderado por Mario é fruto do movimento apelidado de Apita (Amigos Pelo Itaigara), que nos últimos anos já plantou 120 árvores nas ruas próximas de um terreno baldio onde, desde a década de 1980, eram colocados restos de obras e lixo. Hoje é a bela praça Recanto de São Francisco, com ipê-rosa, quaresmeiras, felício, pau-brasil, pitangueiras, jacarandá-branco e até hortaliças.
Para tocar o projeto, Mario consultou planos de arborização de outras capitais. “Não sou paisagista, mas procurei entender do assunto, consultei planos de arborização de Buenos Aires, Barcelona, para saber os cuidados e as espécies que não teriam interferência nas calçadas e na fiação”, diz.
Orientação
Agora, o que Mario foi procurar fora, qualquer morador vai poder consultar com as considerações e características tropicais de Salvador. A minuta do projeto de lei elaborado pelo Executivo foi discutida em audiências públicas até o dia 10 deste mês. O projeto proíbe o corte, a poda e a derrubada de árvore (sem autorização) ou qualquer outra ação que possa provocar algum problema ao desenvolvimento da planta. “O que acontece com frequência é a pintura da árvore. Pregam algo para expor faixas. Às vezes, ainda fazem uma calçada em cima da raiz, impedindo a entrada de água e há até casos de envenenamento”, afirma André Fraga, titular da Secis.
Em paralelo com o projeto de lei, está sendo construído pela prefeitura um Guia de Arborização, que será responsável pela difusão do conteúdo da lei e com aspectos práticos de sua aplicação. “O plano traz diretrizes macros. No guia serão apresentadas as melhores técnicas, as espécies mais adequadas, indicar as árvores que são nativas da Mata Atlântica e que são espécies adequadas para o contexto urbano”, detalha Fraga. O livreto será distribuído gratuitamente.
Sugestões
O CORREIO procurou o coordenador do curso de Urbanismo da Universidade Estadual da Bahia (Uneb), Jorge Glauco Nascimento, para analisar a minuta. Inicialmente, ele criticou a falta de uma visão a longo prazo do plano, com a necessidade de estabelecimentos de metas. “É preciso pensar a cidade como um organismo vivo. Fazer um plano de arborização exige pensar uma clara política de calçamento - qual o espaçamento ideal da calçada - e sem pensar nas redes de cabeamento e comunicação, é como colocar o carro na frente dos bois”, considera Glauco, que é doutor em florestas tropicais e geólogo.
O especialista questiona o caráter punitivo das multas, que devem ser reguladas pela própria Secis. “Parece que é mais pela obrigação de fazer do que pelo conforto ambiental”, acredita. Já Mario, do Apita, acha as multas uma forma de educar a população, mas crê que o plano deveria prever um calendário eficiente de plantações, aproveitando o período chuvoso, para ter mais sucesso no crescimento das árvores.
Em construção
André Fraga ressalta que o material apresentado é uma minuta, disponível para consulta pública e provocações, como as feitas por Glauco e Mario. O titular da Secis espera que essa primeira redação, elaborada por técnicos da prefeitura, sofra alterações e vá ganhando diferentes versões até o final de janeiro, quando deve ser enviada à Câmara.
Contribuições de entidades interessadas e da população, que participaram de quatro audiências públicas temáticas ocorridas entre novembro e dezembro, estão sendo analisadas por uma comissão e qualquer pessoa pode, até 31 de dezembro, enviar sugestões pelo site www.sustentabilidade.salvador.ba.gov.br.
Santo de casa
O plano também estabelece algumas responsabilidades para a própria prefeitura, como implantar e gerir um viveiro para produzir mudas que atendam a padrões mínimos para plantio em vias públicas. Segundo André Fraga, o Horto Sagrada Família, no Bonfim, é mantido pela prefeitura e, somente no último ano, já produziu mais de 15 mil mudas de espécies ornamentais para a cidade. A ideia é que a produção seja ampliada, atenda a mais espécies nativas de Mata Atlântica e também que o espaço sirva para programas de ação de educação ambiental para a comunidade. O Plano de Arborização Urbana integra a Política Municipal de Meio Ambiente, sancionada pelo prefeito ACM Neto em setembro.
Símbolo
Para a árvore símbolo da cidade, a prefeitura indica o oiti- mirim (licania tomentosa). A justificativa, segundo o projeto, é pela sua importância ecológica, histórica e cultural. O oiti é a plantação que predomina na centenária Avenida Sete de Setembro, principalmente no trecho do sombreado Corredor da Vitória.
Apesar da preferência da prefeitura, o professor Jorge Glauco acredita que o oiti não é uma espécie adequada para o plantio urbano. “Com sistema radicular (da raiz) extremamente aberto, ela acaba desnivelando as calçadas. Basta ver o Corredor da Vitória. São Paulo tem adotado na paulista os ipês-rosas. A gente precisa de árvores bonitas, com flores”, defende o especialista. Ele lembra que o oiti é também conhecido como morcegueiro, por dar frutos que são atrativos para os morcegos.
Fraga rebate: "A Avenida Sete é um símbolo da cidade e os oitis são simbólicos para as questões botânicas e da Mata Atlântica, bioma do qual ela é nativa. É uma árvore que tem uma copa mais organizada, o que, na prática, reduz a necessidade de poda, além de um tronco resistente às pragas".
O secretário também justifica a retirada de árvores, feitas pela prefeitura, e diz que o Plano Diretor vai evitar essas ações, no futuro. “As pessoas criticam a retirada de plantas como fícus e amendoeiras, mas em algum momento vai dar problemas na rede de esgoto ou até mesmo colocando casas em riscos por conta das raízes”, explica ele.
Colocar objeto em árvore é proibido, mas há exceção
Embora a minuta do projeto do Plano de Arborização preveja a proibição de colocação de “objetos e instalações de qualquer natureza”, o secretário André Fraga garante que isso não se aplica para os ojás – tecidos brancos que são envoltos nas árvores como parte de reverência das religiões afro-brasileiras à natureza. “O problema são os objetos que fazem algum tipo de fissura na árvore.
Nossa preocupação é com oferendas que colocam velas ou fogo no caule”, explica Fraga. Essa é uma preocupação também da líder religiosa Makota Valdina, dos terreiros Tanuri Junsara e Nzo Onimboya, no Engenho Velho da Federação. Reconhecida pela sua preocupação com a natureza, Makota cobra conscientização dos terreiros para a preservação da natureza, inclusive evitando o uso de velas e de materiais não biodegradáveis nos rituais. “Orixá nenhum vai querer viver na sujeira. Nem os donos do mato querem sujeira. É preciso usar a natureza com responsabilidade. O verde é vida e não é só para quem é da religião de matriz afro-brasileira”.
Veja entrevista com Makota Valdina:
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