A concessão do benefício de meia-entrada sempre foi motivo de polêmica. De um lado, empresários e produtores culturais alegam que o elevado número de carteiras de estudante eleva o preço do ingresso. Do outro, estudantes e movimentos representativos dizem que cercear o benefício vai de encontro à Constituição Federal, que determina que todo cidadão deve ter acesso às fontes de cultura nacional. Para colocar mais lenha na fogueira, está em tramitação no Congresso Nacional o Projeto de Lei 4571/08, que integra o Estatuto da Juventude, modificando o atual contexto de distribuição do benefício. O primeiro ponto, e talvez o mais polêmico, é a redução da quantidade de ingressos disponíveis para os beneficiários da meia-entrada. De acordo com o projeto, apenas 40% da totalidade de ingressos poderá ser comercializada pela metade do preço. Atualmente, todos os eventos devem disponibilizar quantidade ilimitada de ingressos para os portadores de carteira estudantil. Outro aspecto da nova lei é a ampliação do direito à meia- entrada a jovens pertencentes a famílias de baixa renda, com idade entre 15 e 29 anos e com renda familiar de até dois salários mínimos. Também está previsto no projeto a regularização da emissão das carterinhas. Elas passariam a ser feitas apenas por três instituições: Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG), União Nacional dos Estudantes (UNE) e União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes). Caberá ao governo federal, através do Instituto Nacional de Tecnologia da Informação (ITI), segundo o texto do projeto de lei, a responsabilidade de produzir um selo de identificação para evitar a falsificação das carteiras, criando um modelo único do documento em todo o país. Na lei atual, os estados são responsáveis pela regulamentação da meia-entrada. Falsificação A ausência de uma política de fiscalização, segundo o produtor cultural Mauricio Pessoa, 42 anos, é o principal problema para coibir fraudes. “Acho que a legislação é mal aplicada, porque não existe como fiscalizar de fato”, explica. “Às vezes, em Salvador, 90% dos ingressos vendidos são de meia e fica notório que não existem todos esses estudantes”, afirma o produtor, que foi responsável pela turnê Recanto, do último disco da cantora Gal Costa. Em Salvador, destaca Mauricio, a situação é ainda mais caótica. “Existe problema com meias em todo o país, mas em Salvador é notória a quantidade bem maior”, diz, apontando a Concha Acústica do Teatro Castro Alves como exemplo de casa de show em que são vendidos muito mais ingressos em meia-entrada. Para Irá Carvalho, 59, a promulgação da lei significará um avanço para a classe artística. “Acho que será um grande passo para regularizar a situação. Na Concha, por exemplo, acho que é o caso mais emblemático, porque, às vezes, 80% é de meia-entrada”, afirma. Ela acredita que os preços ficariam mais em conta com a medida, “porque os valores dos ingressos são mais altos por causa da quantidade de meia”, completa a produtora. Coordenador estadual de políticas para a juventude do governo do estado, Vladimir Costa explica que o número de ingressos ainda é pouco para atender os estudantes. “Claro que eu gostaria que o benefício fosse completo, porque 40% não é suficiente. Entretanto, compreendo que essa porcentagem dialoga com as necessidades dos artistas e produtores culturais”, pontua. Para ele, no entanto, a regulamentação das entidades estudantis na emissão do benefício é um grande avanço. “É muito importante que as entidades estudantis sejam reconhecidas nesse processo porque, no decorrer desses anos, houve uma difusão que fragilizou essas entidades”, disse. Preços Altos Também produtora cultural, Mônica Koester, 52, acredita que os preços de ingressos em Salvador não correspodem à realidade econômica da cidade, o que acaba refletindo na ausência de eventos de grande porte por aqui. “Acho que os ingressos são muito caros mesmo. O que acaba acontecendo é que falta público para ver alguns espetáculos ou eventos maravilhosos, que ficam em cartaz aqui por um curto período”, pondera. “Acredito que os produtores devem ter uma lógica menos lucrativa e mais dinamizadora porque, senão, quem não tem dinheiro para pagar por um bom espetáculo apela para as carteiras”. Já Virgínia Da Rin, 50, que dedicou metade de sua vida à atuação na área artística, questiona a expansão do benefício. “Será que aquela pessoa que vai fazer especialização deveria ter acesso ao benefício como os outros estudantes?”, pergunta. “O assunto não pode ficar como está. Com essa incidência alta de meia-entrada, não tem como uma produção se manter e o público não pode ser penalizado com isso”, conclui. Idosos O projeto de lei também inclui os idosos no limite de 40% nas compras da meia- entrada. De acordo com o assessor técnico do Procon, Filipe Vieira, a medida se contrapõe a uma legislação que já está em vigor. “O Estatuto do Idoso prevê que 100% dos ingressos possam ser vendidos para esse público. A aprovação da lei traria prejuízos para os idosos e os consumidores não podem ser vítimas de diminuição de direitos”, defendeu. “Na Bahia, é aceito comprovante de matrícula para pagar meia-entrada. Apesar da carteirinha ser mais conveniente para transportar, esse documento também vale para comprovação”, assegura Filipe. Todas as categorias de beneficiários ficam incluídas no percentual de 40%, o que não valerá para a Copa das Confederações deste ano, a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016. Para esses eventos existe uma legislação própria de regulação. Estatuto prevê políticas públicas para jovens de 15 a 29 anos Com 48 artigos, o Estatuto da Juventude prevê para os jovens entre 15 e 29 anos - que segundo o Censo do IBGE de 2010 correspondem a 26,9% dos habitantes do país - acesso a educação, profissionalização, trabalho e renda. Também determina a obrigatoriedade do estado em manter programas de expansão do ensino superior, com oferta de bolsas de estudo em instituições privadas e financiamento estudantil. O projeto está em tramitação no Congresso Nacional há quase dez anos e agora aguarda apenas a votação na Câmara dos Deputados. A questão da faixa etária foi um dos principais entraves na votação. Embora a proposta tenha sido aprovada quase que por unanimidade, também houve manifestações contrárias à proposta. Caso do senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP). Ele argumentou que o Estatuto da Juventude reproduz, quase literalmente, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), estendendo sua aplicação aos jovens até 29 anos. O ECA foi promulgado em 1990 e prevê a proteção integral à criança e ao adolescente, mas limita a idade até os 18 anos. “Não há, no meu modo de ver, nada que justifique um tratamento semelhante às pessoas dos 18 aos 29 anos de idade. O que justifica levar uma legislação protetora até a idade de 29 anos? Idade em que a maioria das pessoas já está com sua vida encaminhada ou buscando ser encaminhada?”, disse, na época. O texto do projeto assegura ainda aos estudantes que comprovarem renda familiar de até dois salários mínimos a ocupação de dois assentos de forma gratuita em ônibus interestaduais. Depois de esgotadas essas duas vagas, o jovem de baixa renda terá direito a dois lugares com desconto de 50%. “A aprovação do estatuto foi resultado de um movimento deflagrado pelos movimentos juvenis que funciona como um marco regulatório para as políticas de estado para esse público”, afirmou Vladimir. No âmbito local, em 2011, o governo baiano instituiu o Plano Estadual da Juventude, também voltado para a promoção de políticas públicas para essa mesma faixa etária. Matéria original: Correio 24h Produtores da área cultural falam sobre projeto que limita meia-entrada
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