De família perfeita a uma trama de intrigas , desavenças financeiras , suspeitas de envenenamento e, por fim, plano de morte . Pouco a pouco, os filhos da deputada federal Flordelis (PSD) fazem relatos que deixam a polícia mais perto de entender o que motivou o assassinato do marido da parlamentar, o pastor evangélico Anderson do Carmo, em 16 de junho. O inquérito, ao qual o jornal 'O Globo' teve acesso com exclusividade, mostra que pelo menos cinco filhos do casal — que tinha 55, a maioria adotivos — deram depoimentos que comprometem a mãe. O mais contundente foi o do vereador de São Gonçalo Wagner Pimenta, conhecido como Misael , que chamou Flordelis de “ mentora intelectual ” do crime. Foi ele que deu pistas sobre um dos pontos mais obscuros da investigação : o paradeiro do celular da vítima, que nunca foi entregue à Delegacia de Homicídios de Niterói e São Gonçalo. Misael garante que a própria deputada — ao contrário da versão que Flordelis apresentou a investigadores — contou a ele que quebrou o aparelho e o jogou da Ponte Rio-Niterói.
O destino do celular, de acordo com um depoimento que Misael prestou em 24 de junho, teria sido revelado durante uma visita que ele fez a Flordelis na casa da família em Pendotiba, Niterói, onde Anderson foi morto com vários tiros ao voltar de um passeio com a mulher pela Zona Sul do Rio. Ele afirmou que os dois estavam num quarto quando a mãe teria escrito num pedaço de papel: “Nós quebramos o celular do Niel (apelido de Anderson ) e jogamos na Ponte Rio-Niterói”. O papel com a anotação, segundo o vereador, foi visto pela mulher dele, Luana, e por um de seus irmãos, Daniel dos Santos. Antes, o telefone teria passado pelas mãos do motorista de Flordelis, Márcio da Costa Paulo, conhecido como Buba.
Sobre o celular, há ainda o relato de outro filho, Luan. Ele disse que presenciou o momento em que Buba teria entregado o aparelho a Flordelis. Logo em seguida, segundo ele, o filho biológico da deputada, Adriano de Souza, tomou o aparelho da mãe. Flordelis teria pedido então que ele apagasse “aquilo que tá lá”. Pela versão, a mulher de Adriano a alertou para o risco de policiais descobrirem que algo havia sido deletado. Para Misael, Flordelis foi a “mentora intelectual” do crime porque manipulou os filhos para que cometessem o assassinato. O motivo seria financeiro. O filho biológico de Flordelis, Flávio dos Santos Rodrigues, foi detido durante o enterro de Anderson. Ele confessou ter feito seis disparos. Lucas Cézar dos Santos, filho adotivo, também foi preso, suspeito de ter comprado a pistola usada no assassinato. A arma estava no quarto de Flávio e, segundo a perícia, tinha um pelo dele preso ao cano.
Outro ponto que tem sido explorado nas investigações é a denúncia, também feita por Misael e outros filhos, de que Anderson estava sendo medicado a mando de Flordelis. O objetivo seria envenená-lo. O vereador afirmou que seu pai ficou internado por cinco dias e perdeu 20 quilos. Foram anexados ao inquérito cinco registros de atendimento ao pastor em hospitais somente no ano passado. E, no dia do assassinato, um neto da deputada teria se recusado a prestar os primeiros socorros.
Para filhos biológicos, telefones de marca; para adotivos, roupas usadas
Detalhes da intimidade da família que nunca foram revelados vieram à tona no inquérito. Três filhos de Flordelis — Luan Santos, Roberta Santos e Kelly dos Santos — contaram que os adotivos (inclusive eles) não eram tratados da mesma forma que os biológicos.
Segundo Luan, nem todos os filhos “tinham as mesmas regalias”. Ele apontou Simone dos Santos, filha biológica só de Flordelis, como uma das que mais tinham privilégios. Luan disse que, enquanto havia uma geladeira “pública” para todos da casa, Simone, além de Flordelis e Anderson, desfrutava de um refrigerador em seu quarto.
Roberta afirmou, em seu depoimento, que as regras da casa não precisavam ser seguidas por todos. De acordo com ela, os filhos biológicos de Flordelis eram os que mais passeavam e ganhavam roupas da mãe. A jovem ressaltou que Anderson, no entanto, era um “paizão e sempre tratou todos os filhos muito bem”.
Kelly também contou que Flordelis sempre “tratou os filhos adotivos de modo diferenciado em relação aos biológicos”. Ela observou que os filhos biológicos ganhavam sempre os melhores presentes e os adotivos, quando ganhavam, era algo de qualidade inferior ou usado. Para Kelly, Anderson era a pessoa mais justa da casa.
A dona de uma oficina, ex-patroa de Lucas, que está preso, endossou a versão de que havia distinção entre os filhos. Regiane Ramos relatou que viu na casa da família que os filhos biológicos tinham “telefone de marca e geladeira privativa”, enquanto os adotivos contavam apenas com moradia e alimentação.
Deputada se defende
Ao longo das investigações, os filhos começaram a se dividir; alguns, como Misael, até deixaram a igreja do casal. Em julho, filhos de Flordelis e Anderson fizeram um ato em homenagem ao pai, em Niterói, em que gritavam frases como “cadê o celular?” — além do aparelho do pastor, o telefone que era usado por Flávio também sumiu. Eles ainda repetiam “a pulseira já foi achada”, em referência a uma joia de Anderson que Flordelis usou num culto após ter dito, em entrevista, que a peça havia sumido no dia do homicídio.
A polícia tem evitado declarar que Flordelis é investigada. Apesar de a deputada ter direito a foro privilegiado, o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), decidiu, no início deste mês, manter a investigação sobre a morte de Anderson na Delegacia de Homicídios de Niterói e São Gonçalo. Na decisão, Barroso afirmou que o caso pode prosseguir na Justiça estadual já que não havia, até aquele momento, elementos indicando que o crime tenha relação com o exercício do cargo de deputada.
Nesta quinta-feira, Flordelis voltou a negar envolvimento no assassinato. “O que ganhei com a morte do meu marido? Eu só perdi”, afirmou, por nota, acrescentando que era Anderson que cuidava de sua carreira política e de seus contratos artísticos (ela também é cantora gospel). Ela acusou Misael de ter apagado o conteúdo do celular de Anderson após buscá-lo na casa da família, no dia do sepultamento. Ela disse ainda que, em 2018, Anderson não deixou que Misael fosse candidato a deputado estadual.
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Redação iBahia
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